Crack: especialista fala das chances de recuperação
“A desintoxicação, apenas, tem seu papel, no sentido de reduzir os danos a que o usuário está sujeito, mas é uma contribuição modesta”, avaliou José Manoel Bertolote que é consultor da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), ao falar sobre as reais chances de recuperação de dependentes de crack, avalia a importância da reinserção social e mostra porque é preciso mais que a desintoxicação para reduzir o índice de recaídas.
Publicado 15/01/2013 08:28
O pesquisador, que também foi professor colaborador do Departamento de Neurologia, Psicologia e Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp), ocupou, durante 20 anos, o cargo de coordenador da equipe de transtornos mentais e neurológicos da Organização Mundial de Saúde (OMS) em Genebra.
Segundo ele, o "sucesso de qualquer tipo de tratamento para uma dependência química passa, em grande parte, pela vontade do usuário de se manter afastado da droga (abstinência). Sem isso, nenhuma proposta terapêutica funcionará".
Acompanhe a entrevista:
Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas: É possível abandonar a dependência de crack por conta própria, sem ajuda especializada?
Teoricamente, sim. Porém, isso depende de vários fatores, entre os quais o grau de dependência e o nível de apoio social e familiar que o dependente possui. O sucesso de qualquer tipo de tratamento para uma dependência química passa, em grande parte, pela vontade do usuário de se manter afastado da droga (abstinência). Sem isso, nenhuma proposta terapêutica funcionará. Entretanto, há que se considerar o fenômeno da comorbidade, ou seja, a coexistência no mesmo indivíduo de outros transtornos mentais (por exemplo, depressão, psicoses, dependências de álcool, transtornos graves de personalidade etc.) que, caso não sejam tratados concomitantemente, podem comprometer a recuperação Um diagnóstico adequado permitirá traçar uma abordagem terapêutica mais eficaz, que esteja ajustada às características do paciente.
Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas: É possível levar uma vida normal após o tratamento? O dependente pode freqüentar os mesmos locais que freqüentava antes e manter o mesmo círculo de amizades, por exemplo?
Sim. Se o "antes" se referir a antes do uso do crack, certamente. Entretanto, freqüentar os mesmos ambientes e manter contato com as mesmas pessoas com quem usava o crack inviabiliza a recuperação.
Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas: Como a família deve proceder antes, durante e ao término do tratamento? Como agir em situações sociais, como festas familiares?
A família deve estar ao lado do usuário, apoiando-o – sem se submeter a chantagens e tampouco submetê-lo a pressões indevidas e ameaças infundadas. A firmeza e coerência de atitudes dos familiares são essenciais. Mas não existe uma fórmula que se possa oferecer para um usuário de crack ou para a família. Tirar o indivíduo das companhias e do ambiente é uma solução, mas não a única. Se o dependente permanece em sua residência durante o tratamento dificilmente será possível afastar-se totalmente, pois vai precisar muito acompanhamento da família, muito monitoramento, o que nem sempre é possível.
Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas: O dependente em tratamento pode fazer uso moderado de álcool, em situações sociais?
Em princípio, sim, desde que não coexista também uma síndrome de dependência do álcool. Desde que ele não seja dependente de álcool, ele consegue tomar uma dose e parar por ali. Isso não leva necessariamente o indivíduo a usar crack. A questão é que grande parte dos usuários de crack é dependente ou usuário pesado de álcool
Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas: Um dependente de crack consegue se recuperar completamente da dependência? Quais são as chances reais de sucesso do tratamento?
A dependência envolve complexos mecanismos cerebrais, psicológicos e sociais. Com o tratamento adequado a cada caso, e em presença de uma real vontade de deixar de usar a droga, a recuperação é perfeitamente viável.
Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas: O que fazer quando o dependente não quer parar de usar a droga e não aceita ajuda?
Não se pode submeter ninguém a um tratamento involuntário, a menos que esteja intoxicado e representando uma ameaça e um risco para si mesmo e para os demais. Nestes casos pode-se conseguir uma ordem judicial de tratamento e, eventualmente, internação.
Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas: Qual a razão do alto índice de recaídas entre usuários de crack? Quais fatores ou situações levam o dependente em tratamento a recaídas, mesmo após a fase de desintoxicação?
Não há estudos suficientes que permitam estimar as taxas de recaída entre usuários de crack, em geral, nem por tipos específicos de tratamento. O que se sabe é que a ausência de um sistema sosiossanitário articulado que responda às necessidades desses usuários pode contribuir para baixas taxas de sucesso terapêutico. A desintoxicação, apenas, tem seu papel, no sentido de reduzir os danos a que está sujeito o usuário, mas é uma contribuição modesta. Um sólido sistema de apoio médico, psiquiátrico, social e psicológico é essencial para o sucesso de um programa terapêutico, de reabilitação e reinserção social.
Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas: Como avaliar os resultados de um tratamento? Como saber se o usuário está recuperado da dependência?
O resultado do tratamento do crack é baseado em dois critérios fundamentais: a abstinência da droga e o grau de reinserção social.
Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas: Qual é o segredo, a chave do sucesso para uma superação real?
A vontade de se afastar e permanecer afastado da droga, o apoio social (da família e dos amigos) e um bom sistema sócio-sanitário, que responda às reais necessidades do dependente.
Programa
Com o programa Crack, é possível vencer – Compromisso de todos Programa Crack, da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, é possível vencer investe na capacitação de professores, agentes de saúde, assistência social e segurança pública. Até agora, 174 mil profissionais, de 13 estados, já foram capacitados pela ação:
Fonte: Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas