Relações exteriores: Brasil muda de estilo, mas mantém essência
Não demorou três meses para que o governo Dilma Rousseff tomasse uma medida contrastante com a política externa anterior. Em 24 de março de 2011, o Brasil deu voto favorável no Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) ao envio de um relator especial do tema ao Irã, postura que contrariava o histórico do país em votações relacionadas à nação persa.
Publicado 03/01/2013 09:46
Antes, embora reconhecesse a existência de problemas, o Itamaraty seguia o princípio da não seletividade das condenações por violações de direitos humanos.
O episódio fez acender o sinal de alerta em setores progressistas, que quase unanimemente celebravam a diplomacia desenvolvida durante as gestões do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ex-chanceler Celso Amorim – este, inclusive, chegou a criticar o voto do Brasil em artigo na revista Carta Capital. Estaria a política externa brasileira se reaproximando dos interesses das potências ocidentais?
Bastaram algumas posições posteriores de Dilma em relação aos direitos humanos para que o temor se dissipasse. A presidente brasileira não perdeu oportunidades de criticar o uso político do tema por parte das potências para atingir determinados países. Mencionou, por exemplo, a existência da prisão de Guantánamo e rejeitou a pressão norte-americana sobre Cuba em relação a possíveis violações. “O mundo precisa se comprometer em geral, e não é possível fazer da política de direitos humanos só uma arma de combate político-ideológico”, disse, em visita à ilha caribenha em fevereiro do ano passado.
Na opinião de analistas ouvidos por Opera Mundi, os dois anos de política externa de Dilma e Antonio Patriota serviram para mostrar que as linhas mestras da diplomacia de Lula e Amorim estão sendo seguidas fielmente. A ênfase nas relações com países em desenvolvimento e a busca por autonomia em relação aos países centrais e por maior protagonismo, entre outras características, continuam fortemente presentes. A mudança, sutil, está no estilo dos respectivos presidentes e chanceleres. “São características pessoais dos presidentes E as formas de ação, tanto no plano interno quanto no externo, não diferem essencialmente, apenas refletem essas características”, diz o cientista político Tullo Vigevani, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Para o jornalista uruguaio Raúl Zibechi, editor do semanário Brecha e autor do livro Brasil Potencia. Entre la integración regional y un nuevo imperialismo, a política externa de Dilma é mais cautelosa e cuidadosa, dando a impressão, por vezes, de estar em uma posição de imobilidade. “Com Dilma, o Brasil tem menos presença global e se coloca em uma posição mais defensiva diante do Norte e concretamente diante dos Estados Unidos. Ainda é cedo para saber se se trata de uma posição política diferente ou é apenas prudência”, afirma.
Já Cristina Pecequilo, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), vê traços de continuidade em termos de princípios e valores, como o foco nas relações Sul-Sul, mas diferenças “no sentido tático-estratégico de realização dessa agenda, que vem sendo perseguida com menor intensidade e com baixo perfil”.
Golpe no Paraguai
Um baixo perfil que não significa necessariamente falta de firmeza, como ficou claro no talvez maior desafio da diplomacia de Dilma/Patriota até agora: a destituição sumária do presidente do Paraguai Fernando Lugo pelo Congresso daquele país, em junho. O Brasil não só articulou a suspensão da nação vizinha da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e do Mercosul, como também trabalhou para a aprovação do ingresso da Venezuela neste último bloco – possibilidade que vinha sendo travada pelo parlamento paraguaio.
“Especula-se que a posição brasileira, de condenação enfática dos golpistas, tenha sido ditada muito mais pelo Planalto, isto é, por Dilma e Garcia [Marco Aurélio Garcia, Assessor Especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais], do que pelo Itamaraty e seu titular, que tenderiam a uma resposta mais branda e protocolar. É provável que isso tenha ocorrido de fato. Mas aí ficamos no terreno das especulações”, analisa Igor Fuser, professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC.
Ele concorda que não houve mudanças significativas de conteúdo na diplomacia do atual governo, embora seja evidente a intenção de evitar novos focos de polêmica. Essa postura de perfil mais baixo, para Fuser, está determinada pelo contexto internacional. “Enquanto a diplomacia de Lula e Amorim tratou de capitalizar o sucesso brasileiro no crescimento econômico e na melhoria dos indicadores sociais para impulsionar uma conduta externa ‘ativa e altiva’, como se dizia, a dupla Dilma e Patriota está focada em minimizar os danos que a crise global possa trazer à economia brasileira”.
Nem por isso, porém, a política externa de Dilma deixou de imprimir suas marcas. O embaixador Tovar da Silva Nunes, porta-voz do Itamaraty, ressalta que a herança – sobretudo do governo anterior – de projeção da diplomacia brasileira no mundo possibilitou à atual gestão aprofundá-la e criar nichos específicos. Ele cita a atuação destacada do Brasil em órgãos multilaterais, como o Conselho de Segurança e o Conselho de Direitos Humanos, ambos da ONU, na questão da soberania alimentar e nas discussões sobre mudanças climáticas. Uma atuação, segundo ele, sempre calcada na experiência brasileira de inclusão social e de diálogo para a paz.
“Nosso propósito continua sendo o de seguir o histórico da política externa do Brasil, da diplomacia pelo diálogo, mas agora com voz mais ativa. Temos sido procurados cada vez mais por países que antigamente não nos ouviam necessariamente, não tinham o impulso de nos consultar”, lembra Nunes. Ainda segundo ele, eventos como a Rio+20 ajudaram nesse sentido, identificando o “Brasil como verdadeiro propulsor desse novo paradigma de desenvolvimento.”
Direitos humanos
Com relação aos direitos humanos, o porta-voz do Itamaraty esclarece que a instrução do Planalto é continuar a seguir à risca os princípios da não seletividade e da não utilização política do tema. Em 28 de novembro deste ano, por exemplo, o Brasil se absteve de votar texto da ONU que condenava as violações cometidas pelo Irã. Segundo o governo, o documento era “desequilibrado” e não exortava ao diálogo com o país.
A diplomacia brasileira também havia se abstido em novembro de 2011, na votação de uma resolução sobre Teerã na Terceira Comissão da Assembleia-Geral das Nações Unidas – espécie de correção de rota após o voto contrário à nação governada por Mahmoud Ahmadinejad em março daquele ano.
TulloVigevani destaca, ainda, o posicionamento do Brasil em relação às crises na Líbia, que levou ao fim do governo de Muamar Kadafi, e na Síria, que passa por uma guerra civil. “A diplomacia brasileira tem reiterado suas manifestações contra a intervenção de países estrangeiros com o objetivo de desestabilizar qualquer governo, defendendo o direito da população de cada Estado de definir o regime que considera o mais adequado para si próprio”, salienta.
Fonte: Ópera Mundi