Para entidades, causa indígena ainda tem muito em que avançar
O ano de 2012 foi um marco para a causa indígena, principalmente por causa da maior visibilidade que o debate sobre os direitos desta população ganhou após os índios Guarani-Kaiowá, do acampamento Pyelito Kue/Mbarakay, na Fazenda Cambará, em Iguatemi, Mato Grosso do Sul (MS) divulgarem uma carta anunciando a iminência de "morte coletiva" da comunidade caso a área sofresse reintegração de posse.
Publicado 02/01/2013 14:51
Contudo, apesar do maior espaço para debate, a causa indígena ainda não recebe a devida atenção do Estado brasileiro, afirmam especialistas do tema.
O secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Cleber Buzzato, afirma que o ano passado foi marcado por um posicionamento bastante firme dos indígenas. “As lutas fizerem frente a processos que buscaram retrocessos contra seus direitos, tanto no âmbito regional quanto no nacional, junto aos poderes Legislativo e Executivo de nosso país", disse em entrevista à Rádio Brasil Atual.
Porém, ele ressalta que é importante lembrar que muitos povos, principalmente no Mato Grosso do Sul e no Rio Grande do Sul, ainda vivem em terras ainda não demarcadas. “Isso dificulta a sobrevivência destes povos e os coloca numa posição de vulnerabilidade social e cultural bastante grave.”
Algumas áreas em que o procedimento administrativo de reconhecimento e demarcação das terras já estão em fase avançada, inclusive já homologadas pela Presidência da República, continuam ocupadas por fazendeiros, conta Buzzato. “Alguns indígenas continuam fora de suas terras mesmo elas sendo reconhecidas pelo Estado brasileiro como de direito destes povos. Os Guarani-Kaiowaá são um grande exemplo disso.”
Para a cofundadora da Associação Juízes Pela Democracia (JD), a desembargadora Kenarik Boujikian Felipe, o Estado tem deixado a causa indígena para trás no âmbito dos poderes Executivo, Judiciário e Legislativo. Segundo ela, a falta de demarcação das terras, o atraso no julgamento das ações que envolvem direitos indígenas no Supremo Tribunal Federal (STF) e a Proposta de Emenda Constitucional 215/00 (PEC 215), respectivamente, representam o descaso do Estado com a causa.
A PEC 215 determina que seja competência exclusiva do Congresso Nacional a demarcação de terras indígenas e a ratificação das demarcações já homologadas, além da criação de unidades de conservação e a titulação de terras quilombolas. “A PEC quer tirar do Executivo o processo administrativo de demarcação e homologação e dar para o Legislativo”, contrapões a juíza. Para ela, essa transmissão de competência é inadmissível. “Há coisas na Constituição que nunca poderão ser mudadas, as cláusulas pétreas, a não ser que haja golpe.”
Ela afirma também que as bancadas congressistas tornariam o processo de demarcação mais demorado e problemático do que já é. “A proposta serve para atender o agronegócio e os grandes interesses.”
O atraso no julgamento de ações no STF é um indício do prejuízo histórico que a causa indígena sofre no judiciário. “Há povos que esperam há mais de 30 anos para que o STF desse uma posição sobre as terras. Essa extrema lentidão no judiciário cria nas comunidades um ciclo de violência e de ausência de direitos que é inaceitável em uma democracia. Aconteceu na Bahia, com os Pataxós.”
Documento
A campanha "Eu Apoio A Causa Indígena” é uma iniciativa da JD, do Cimi e de outras lideranças da causa. No começo de dezembro, um documento que reunia mais de 20 mil assinaturas foi entregue à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados num ato público que reuniu parlamentares e cerca de 70 lideranças indígenas. Além da demarcação de terras , o movimento reivindica a rejeição da PEC 215 e o julgamento de todas as ações em andamento no (STF) que envolvam os direitos dos povos indígenas.
Para Kenarik, a campanha deu um passo importante ao entregar o documento também no gabinete do ministro Joaquim Barbosa. “Houve a sinalização de que haverá o levantamento dos processos para que o próprio STF possa saber quantos são os processos e quais deles estão parados, para que se realize uma política de efetivação.”
Fonte: Rede Brasil Atual