Zilah Branco: O mundo tornou-se mau?
Diante do flagrante abuso de um super-poder, no caso a União Europeia somada ao FMI, ao eliminar a autonomia dos países independentes que a compõem, pela via de imposições de medidas draconianas de austeridade à população trabalhadora e suas famílias, surgem ofertas atenuantes em nome da solidariedade para distribuírem alimentos e outras formas de esmolas que disfarçam a penúria dominante.
Por Zilah Branco*
Publicado 18/12/2012 14:15
"Boas almas" dão o seu tempo e dedicação nessas tarefas caridosas e procuram explicar os perigos que os mais frágeis, principalmente as crianças, correm na vida. O responsável pelo SOS Criança se refere a "este mundo mau", e outros dizem que "a maldade está no ser humano". Não há dúvida de que todo o socorro às pessoas carentes é meritório, mas os cidadãos com alguma formação política e social e os responsáveis pela gestão do Estado não podem ficar encostados na disposição sentimental dos que ajudam para amenizar os efeitos dos erros impostos pela elite poderosa.
Enquanto tentarmos eliminar as "maldades" que se revelam pontualmente em pessoas ou que parecem fazer parte da "natureza do mundo", estaremos alimentando a ignorância dos que preferem manterem-se alheios aos abusos cometidos por quem ocupa uma posição de poder. Este alheamento é uma forma de submissão e de conivência com o crime de criar o mal.
As falsas explicações, baseadas em medos do desconhecido que são atirados para o campo das superstições e das ideias abstratas para negar o conhecimento objetivo da realidade, também são elaboradas pela elite dominante para manter as populações atreladas às informações que manipula, impedindo que se revoltem e conquistem os seus direitos, a sua dignidade, a força construtiva que pertence à humanidade. Assim, a mídia divulgou recentemente em todo o mundo, uma falsa afirmação atribuída à cultura Maia, de que, no próximo dia 21 de dezembro, será o fim do mundo. A Nasa viu-se forçada a declarar que a ciência – de que depende a sua função – nega a crendice ameaçadora divulgada.
As maldades, que se sucedem no nosso mundo, cada vez com maiores requintes de crueldade – vejam-se as chacinas cometidas por norte-americanos em escolas, igrejas e locais públicos; o crime organizado nas grandes cidades brasileiras; o terrorismo nos países invadidos pelas forças militares imperialistas, provocados entre tribos e seitas, em países africanos e asiáticos, impedidos de assumirem o seu desenvolvimento devido ao domínio colonial exercido pelo mercado imperialista; a destruição dos solos tratados quimicamente, como ocorreu na Índia, nas regiões submetidas aos projetos agrícolas criados pelas multinacionais da indústria de inseticidas; a multiplicação de doenças oncológicas favorecida pelo uso indiscriminado de medicamentos criados pelos grandes laboratórios da indústria farmacêutica mundial; a fome que mata milhões de crianças na África e que começa a penetrar as camadas populares da Europa que suportam o desemprego e a austeridade imposta para salvar os setores financeiros da crise do capitalismo; os vírus introduzidos para prejudicar a produção de alimentos; os vírus criados para impedir o uso da informática de maneira independente das grandes empresas multinacionais, etc – todas as maldades são produzidas a partir de uma estratégia de dominação da humanidade pela famigerada elite que detém o poder militar e, com ele, os poderes econômico, social e político no planeta.
Tanto a natureza como os seres humanos estão condicionados no seu desenvolvimento pelas ações realizadas em função do controle do poder. É a ganância e o egoísmo que determinam os abusos de poder em prejuízo dos mais fracos, dos ingênuos, dos ignorantes, de todos os que, de uma forma ou de outra, forem dependentes para sobreviver e desenvolver as suas potencialidades naturais.
Diante do recente massacre de crianças e professores nos Estados Unidos, Obama reconhece o aumento da violência (o quarto que, na sua gestão presidencial, ocorre sacrificando jovens) e que as várias causas não estão sendo combatidas devidamente no país. Talvez se refira ao controverso porte livre de armas defendido pelos conservadores, mas deve refletir também sobre o discurso a favor das "guerras justas" que proferiu cinicamente ao receber o prêmio Nobel da Paz, que serviu de estímulo aos massacres imperialistas no Oriente Médio e norte da África, onde os povos estão sendo igualmente chacinados.
Como bem disse uma emigrante portuguesa que acompanhou os tristes acontecimentos da escola de Connecticut nos Estados Unidos, "o nosso papel como membros daquela coletividade é o de mostrarmos que estamos identificados com as famílias no seu luto e sofrermos juntos para lhes dar forças". A solidariedade é assim, a solução para os problemas completa o socorro necessário para que os desastres não se repitam, e os governantes são responsáveis por impedirem que a violência e as crueldades não vitimem as populações.
A solidariedade com os que estão oprimidos nas sociedades obriga-nos a buscar a origem das maldades, denuncia-las, lutar pelo fim do seu poder perverso. Em Portugal os movimentos sindicais desenvolvem formas de manifestações permanentes para formar uma consciência popular capacitada a defender os direitos estabelecidos pela legislação do trabalho que reflete os princípios da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e exigir do governo uma gestão administrativa avançada e democrática. Só assim a população pode fiscalizar, com conhecimento objetivo da realidade nacional, o que os governantes e as instituições do Estado estão cumprindo em benefício da nação.
Ao longo do ano de 2012 esta formação cívica nacional evoluiu e hoje não restam dúvidas de que os atuais governantes estão subordinados às pressões externas contra os interesses do povo português. O Orçamento Nacional terá de ser examinado pelo Tribunal Constitucional e, se provada a inconstitucionalidade das medidas ( como ocorreu em 2011 e absurdamente aprovado precariamente), o governo terá de ser substituído. Em uma manobra política, de acordo com a explicação de analista da RTP (16/12/12), o presidente da República, Cavaco Silva, aprova primeiro e subordina depois ao Tribunal Constitucional para que "externamente possam prosseguir as relações financeiras e de mercado" (cit.RTP), e que, só quando a Assembleia de Deputados exigir, o Tribunal reconhecerá a necessidade de um novo governo. A manobra é bastante rasteira, mas os defensores deste governo desacreditado, como o analista político da RTP, não encontraram melhores alegações.
O movimento sindical, liderado pela CGTP e apoiado pela esquerda de vários partidos, pacientemente continua a construir uma consciência nacional de cidadania que conquista a admiração dos demais países na Europa e se expande nacional e internacionalmente. Na verdade, a participação popular se faz em torno da questão do trabalho – que é o eixo da vida dos cidadãos – e das condições de produção, que o país oferece, e da legislação, que as instituições do Estado registram e aplicam de acordo com a história coletiva daquele povo. Cabe aos trabalhadores organizados apontar caminhos de desenvolvimento e fiscalizar a conduta dos governantes.
* Zilah Branco é socióloga, militante comunista e colaboradora do Vermelho