A emboscada judicial de Curuguaty, no Paraguai

O massacre de Curuguaty é uma ferida aberta no Paraguai. No dia 15 de julho passado, quando camponeses ocupavam uma terra em litígio entre o Estado e a empresa Campos Morombí, da família Riquelme, aconteceu o pior: a intervenção da polícia gerou um enfrentamento que deixou um saldo de 17 mortos, entre eles 11 camponeses e 6 policiais.

Devido ao massacre de Curuguaty, o presidente Fernando Lugo foi submetido a um julgamento político e destituído do cargo na semana seguinte. Por conta do massacre de Curuguaty, 12 camponeses foram presos em meio a denúncias de irregularidades no processo judicial, em que a defesa presume que tanto policiais quanto lavradores foram emboscados no momento em que negociavam uma saída para o conflito.

Quatro dos 12 camponeses presos, Luis Olmedo, Lucía Agüero, Juan Carlos Tillería e Alcides Ramírez, iniciaram uma greve de fome há dois meses exigindo sua liberdade. A visível deterioração de seu estado de saúde e a falta de resposta das autoridades armou um rebuliço de protestos às portas da Promotoria. Em uma das mobilizações, Lugo leu uma carta pública em que denunciou o poder político que o derrubou. “O Caso Curuguaty faz parte da conspiração dos golpistas, que conduziu à paródia do julgamento político que acabou com a minha destituição”. Lugo arremeteu contra seu ex-vice, hoje presidente, Federico Franco. “O governo golpista não tem nenhum interesse nem vontade política em investigar seriamente e esclarecer o caso”.

No dia 02 de outubro, o Ministério Público apresentou seu relatório técnico e os supostos avanços das investigações do massacre em que se acusa os camponeses de preparar uma emboscada aos policiais e de ser os primeiros a disparar. O promotor de Curuguaty, Jalil Rachid, assinalou que “a atitude da polícia sempre foi a de pacificar”. As provas que Rachid usou para acusar Rubén Villalba, líder da ocupação da fazenda, foi uma foto em que é visto com um rifle apontando para os policiais. O fiscal disse que os camponeses estavam posicionados estrategicamente “em forma de funil”. “É uma forma quase perfeita, a distância com relação com eles está entre 15 a 20 metros, entre si”, disse Rachid. O Promotor Geral do Estado, Javier Díaz Verón, acrescentou que, segundo as evidências obtidas, não havia infiltrados entre os camponeses, um argumento de peso da defesa. “Não havia gente infiltrada entre os camponeses, isso se deduz pelo tipo de armas (…) a polícia foi emboscada”, disse Díaz Verón.

A teoria da defesa contradiz a estratégia da promotoria. Há muitas pontas soltas. O advogado Guillermo Ferreiro acrescentou como prova a investigação realizada pela Plataforma de Estudos e Pesquisa de Conflitos Camponeses (Peicc), liderada pelo liberal de linha progressista Domingo Laíno. Ferreiro disse, em conversa com o Página/12, que tanto policiais como camponeses foram emboscados por desconhecidos quando um grupo de frente da polícia estava reunido conversando com os camponeses. “A versão que todos lemos na imprensa relatava que Rubén Villalba atirou contra o chefe policial Lovera e que assim se inicia o tiroteio. Os policiais que estavam nesse grupo dizem não saber quem atirou, falam em atiradores profissionais e em rajadas. Vários se negam a afirmar ou desmentir que eram camponeses, apesar da insistência dos jornalistas”. Ferreiro disse que o promotor Rashid ocultou a evidência que lhe entregou, na qual se estabelece o uso de armas automáticas. “Essa evidência não aparece nas fotografias que apresentou como provas”. O advogado acrescentou que a perícia realizada pela própria polícia estabeleceu que das armas confiscadas dos camponeses, apenas uma deu positivo à prova do hissopo, ou seja, só uma havia disparo recentemente.

Ferreiro disse que na ata apresentada pela promotoria para acusar os 12 presos não há nenhum indício nem relação fática que os envolvesse diretamente. “Alguns dos acusados nem sequem estavam no local, outros estavam de passagem”. Diante do estado de deterioração de saúde dos quatro presos em greve de fome, o advogado pediu ao fiscal e ao juiz do caso, José Benítez, a prisão domiciliar de seus clientes, o que lhe foi negado. Então apresentou um habeas corpus na Corte Suprema. No meio, Ferreiro denunciou a perseguição do governo de Franco. “A ministra da Justiça disse que eles estão em greve de fome por culpa de seus advogados e que vão nos denunciar para caçar o nosso registro”.

Na quinta-feira passada, os quatro presos tiveram que ser internados urgentemente no hospital nacional de Itauguá e no dia seguinte o juiz Benítez ordenou a prisão domiciliar. Outro advogado de defesa, Vicente Morales, confirmou no sábado a este jornal que os quatro camponeses terminaram a greve de fome. E que os outros oito acusados continuarão presos em Coronel Oviedo à espera de um julgamento que poderá começar apenas no ano que vem. O massacre de Curuguaty é uma ferida que ainda não cicatrizou.

Fonte: Página/12