Haroldo Lima: As várias facetas de Sérgio Miranda
Velado na Câmara dos Deputados, o deputado Sérgio Miranda é lembrado pela maioria como o parlamentar destacado que sempre foi durante quatro legislaturas. E não poderia ser diferente.
Por Haroldo Lima*
Publicado 27/11/2012 08:42
Sérgio foi um excelente deputado. Movimentava-se bem no Parlamento, falava bem, propunha bem, conhecia os meandros da Casa, relacionava-se amigavelmente com seus pares das diferentes tendências políticas, da esquerda à direita, sem nunca deixar de ser de esquerda.
Talvez a característica mais marcante da sua presença no Congresso venha do zelo com que ele aprofundava o assunto que analisava. Sérgio ia fundo nas questões, estudava a pauta com denodo, cercava-se de assessores competentes, na política e na técnica, e punha-se a examinar os detalhes, as consequências diretas e indiretas, imediatas e a prazo longo, dos projetos em votação. Quando se inscrevia para discutir uma matéria, impressionava, incorporava densidade ao debate, e com o rosto e os olhos transfigurados pela convicção, defendia seu ponto de vista com ardor e paixão. Este era o Sérgio que as novas gerações conheceram, admiravam e respeitaram no Parlamento, onde esteve, na quase totalidade do seu tempo, na bancada do PCdoB.
Mas não seria justo, neste momento, lembrarmos apenas do deputado Sérgio Miranda. Porque Sérgio vem de mais longe, vem dos tempos sombrios da ditadura em que algumas pessoas se esconderam em outras para ardilosamente não deixar de ir abrindo as veredas da resistência. E antes do deputado Sérgio, o jovem Sérgio, no PCdoB, se escondeu no camarada Zecão, ou Zó, que com seu corpo alto se esgueirava, furtivo, mas indômito, para cumprir as tarefas da luta e do Partido.
Pouco depois do início do Araguaia, tratava-se de avançar na organização dos comunistas pelos estados do país. Nas duras condições da clandestinidade, articulamos e pusemos em ação uma Comissão de Organização, dirigida pelo velho camarada Mário, o Pedro Pomar. E com o Mário, lá estavam o Zecão e o Zé Antonio, Sérgio Miranda e eu.
Fazer uma reunião de balanço, para traçar planos e controlar as tarefas naquela situação, não era fácil. Tínhamos que usar casas de absoluta confiança. E a Comissão de Organização passou a se reunir na residência de um casal de camaradas, o Zecão e a Cristina.
Para algumas reuniões do núcleo central político, onde estariam o Monteiro e o Mário, que eram o João Amazonas e o Pedro Pomar, quem ia pegar o Zecão era eu. Recordo-me de certa feita, em que o rígido esquema montado previa o Zecão começar a descer a Teodoro Sampaio, em São Paulo, exatamente às 20 horas. Ele tinha que andar de um lado determinado e ir até a um ponto distante. De longe, e do outro lado, eu observava se tudo estava tranquilo em torno do camarada, se ninguém o seguia, se ele não estava nervoso, para só então abordá-lo. E tudo parecia bem, só que o Zecão puxava de uma perna. Matutei se aquilo não seria um sinal para eu não me aproximar. Demorei. Até verificar que tudo estava de fato bem e que o Zecão estava mesmo com a perna doente.
A morte do Sérgio é uma perda para os combatentes do Brasil. Todos nós, comunistas ou não, sentiremos sua falta. E honraremos sua memória.
* Haroldo Lima é membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)