Paraguai: Rio Tinto compromete soberania energética por 20 anos
A grande disponibilidade de energia e a necessidade de desenvolvimento industrial do Paraguai são os principais argumentos do governo do presidente Federico Franco para acelerar as negociações para a instalação de indústrias eletrointensivas no país. A decisão, porém, que envolve o oferecimento de energia a baixo custo para empresas que operarem em seu território, pode comprometer a soberania energética do país em 20 anos.
Publicado 26/09/2012 09:53
A discussão em voga atualmente no Paraguai é a possível instalação de um projeto da empresa canadense Rio Tinto Alcan, para fundição de alumínio no país. Segundo Oscar Stark, diretor da Rediex (Rede de Investimentos e Exportações), organismo dependente do ministério de Indústria e Comércio do Paraguai, a iniciativa quase duplicaria o consumo energético do país.
“A operação da Rio Tinto atrairia muitas empresas, relacionadas ao alumínio e não tanto, que aproveitariam a sinergia de atuar perto de uma grande empresa. A produção de alumínio teria início em 2017, com a alumina trazida do Brasil. É um investimento de quatro bilhões de dólares para produzir 680 mil toneladas anuais de alumínio e gerar cerca de 50 mil postos de trabalho diretos e indiretos com este parque industrial de quatro mil hectares”, explica Stark.
Apesar das boas perspectivas governamentais com a possível instalação do projeto, a utilização intensiva da hidrelétrica poderia gerar escassez de energia em longo prazo. Para Lucas Arce, especialista do Centro de Análise e Difusão da Economia Paraguaia (CADEP), uma empresa do porte da Rio Tinto representaria um consumo equivalente a cerca de cinco anos de autonomia energética do país.
“A abundância energética acabará em médio prazo. Considerando somente o crescimento vegetativo atual do consumo de energia hidroelétrica, em 2035, o Paraguai já teria que começar a buscar outras fontes de energia. Mesmo somando outras hidrelétricas, o país ficaria sem energia entre 2035 e 2045. Cada empreendimento do tamanho da planta da Rio Tinto diminui uns 5 anos desta projeção”, explica Arce.
O Paraguai é um grande exportador de energia, gerada principalmente por Itaipu. Três dias após a deposição do ex-presidente paraguaio Fernando Lugo, em junho, o novo diretor da hidrelétrica binacional, Franklin Boccia Romañach, nomeado por Franco, afirmou que não queria mais vender a energia elétrica excedente ao Brasil, anunciando planos de utilização plena da energia que cabe ao Paraguai.
Segundo o acordo binacional, cada país tem direito a metade da energia produzida pela hidrelétrica. Atualmente, no entanto, o Paraguai não tem capacidade de absorver mais de 10% da energia gerada pela usina, e deve manter excedentes nos próximos anos, até a conclusão de obras de expansão de seus limites de transmissão e distribuição.
Importância dos incentivos
As negociações para a instalação de indústrias eletrointensivas, que têm grande peso no processo de produção, como nos casos de cimento, papel, zinco e níquel, vêm do governo de Fernando Lugo. Em outubro de 2011, um decreto presidencial fixava tarifas mais baixas para a provisão de energia a indústrias do ramo que se instalassem em diferentes regiões do país. “A partir disso, cinco empresas já assinaram contrato com a Ande [Administração Nacional de Eletricidade]. Somente em cinco ou seis meses, uns 250 megawatts serão destinados a elas, uma quantidade bem importante se comparada com o consumo total do país”, afirma Stark.
O que torna atrativa a oferta para as eletrointensivas, além da abundância de recursos energéticos, é o baixo custo dos mesmos. Segundo o decreto, as empresas que não produzam em horário de pico pagam menos pela potência energética consumida. O preço da provisão para as indústrias do ramo será o mesmo do megawatt vendido ao Brasil, mas com custos de operação, manutenção e transmissão já incluídos, que serão arcados pelo Estado.
“Acredito que as eletrointensivas vão continuar chegando ao país, porque temos muita energia disponível e a bons preços. São condições são muito boas. A isso se soma indústrias mais leves, que vêm atraídas pelo regime de Maquila, através do qual as empresas transferem parte de seu processo produtivo para o Paraguai e depois exportam. O imposto é de apenas 1% sobre o valor agregado, ou seja, quase não se paga, mas para o Estado a vantagem é a criação de emprego”, defende o diretor.
Para Stark, a atual venda de energia ao Brasil não é benéfica para o Paraguai. “O país não recebe nada do Brasil. A Itaipu recebe e isso cobre seus custos. No novo sistema, não há lucro nessa venda, a soma é zero, mas convém para criar emprego e se desenvolver. Essa é a grande discussão agora, se queremos um modelo desenvolvimentista ou um modelo rentista. A energia é chave para o desenvolvimento e acho que isso é o que mudou, vamos usar mais a energia para nos desenvolver”, argumenta Stark.
Para Arce, a instalação das eletrointensivas pode ser positiva se considerada em um plano estratégico de desenvolvimento. “Se uma série de desenvolvimentos internos de indústrias, valor agregado e melhorias são gerados, pode ser que seja de benefício para o país. Porque com o dinheiro do fisco pode-se planejar novas represas ou melhorar a capacidade de geração das já existentes”, pontua.
O analista alerta, no entanto, para a necessidade de um planejamento, já que somente a instalação da Rio Tinto representa autonomia energética de cinco anos a menos para o país. Atualmente, devido à falta capacidade na rede de transmissão e distribuição de energia, o consumo local às vezes leva a cortes de energia e toda a potência excedente acaba sendo exportada.
“O que temos que analisar é o que se ganha com empreendimentos produtivos como a Rio Tinto. Quantos postos de trabalho serão gerados, há uma expansão de serviços e outros benefícios? Ou é uma empresa que vai pegar energia, produzir, pagando poucos impostos e vai levar o produto para fora para que se termine de elaborar?”, questiona Arce.
Fonte: Opera Mundi