Pedro Maciel Neto: Polity, politics, policy e a democracia

Em tempos de relativização de princípios como o devido processo legal, in dubio pro reo e do amplo direito de defesa patrocinado pelo colegiado do STF ainda há uma esperança: recorrermos aos heróis românticos, que são aqueles que não têm medo de transgredir e assumir atitude de uma vida interrogativa.

Por Pedro Benedito Maciel Neto*

Questionar aspectos do julgamento do Processo 470, transmitido do Plenário do STF como espetáculo pela TV Justiça é o que pretendo nesse momento, especialmente porque nesse mundo moderno há grande possibilidade de caminharmos na via interrogativa e questionadora.

A sociedade pode ser compreendida ou explicada nas dimensões da ação e das estruturas. A primeira diz respeito às ações comunicativas e à ética e permite uma diversidade de compreensões dos fatos e atos da vida e contém uma tensão legitimadora. Já as estruturas buscam a unidade, a harmonia social e envolvem a ordem jurídica, as leis. Não há diálogo nas estruturas, pois, em tese, a sociedade já debateu o tema e fala, através da lei, com os cidadãos, essa “engenharia de procedimentos” tem legitimidade, pois representam a segurança social necessária e indutora da paz.

Podemos desavisadamente imaginar tratar-se da “burocratização” da vida social, mas são os princípios acima citados que garantem a segurança e a liberdade individual e social. E não se trata de afirmar valores e conceitos de um tempo em que a legitimidade estava ligada á imutabilidade, à continuidade de uma ordem posta, pelo contrário, temos de ter em mente que modernamente tem-se consciência da enorme tensão entre estrutura e ação. Noutras palavras, o Homem moderno é racional e capaz de aperfeiçoar, através de suas ações, as estruturas. Talvez o Homem moderno seja essencialmente um herói romântico, subversivo e questionador.

Mas há campos adequados para que esse desejável aperfeiçoamento estrutural aconteça. Não é papel do Poder Judiciário através do colegiado do STF suprimir, por nenhuma razão, os princípios sobre os quais as estruturas estão postas, esse papel é do congresso e da sociedade civil, pois não se pode perder de vista que o Direito tem função de resolver conflitos, criar espaços próprios para a “explosão” dos conflitos, um espaço controlado, socialmente e juridicamente controlado, esse espaço, com todo respeito, não é o STF.

É verdade que Política e Direito são “verso e reverso” da mesma moeda. Política está, nesse sentido, estrutura e relacionada ao Poder e Direito às normas, desde a sua produção até a aplicação. É possível afirmar que Política está relacionada à legalidade, à legitimidade e à efetividade das ações e das estruturas. Já o Direito é superestrutura e está relacionado ao sistema e à ordem jurídica, a vigência e a efetividade das normas.

Esse argumento nos leva aos conceitos (i) Polity (normas constitucionais e princípios), (ii) Politics que decorrem do legitimo e legitimador “jogo político” (leis complementares e leis ordinárias) e (iii) Policy que emerge como resultado do “jogo político” (são as normas de Direito administrativo, são as políticas públicas).

A lógica do sistema recomenda que as normas constitucionais e os princípios sobre os quais as estruturas foram construídas tenham estabilidade, por isso não é aceitável seja relativizado o Principio In dubio pro reo. Essa expressão contém princípio jurídico da presunção da inocência, que diz que em casos de dúvidas (por exemplo, insuficiência de provas) se favorecerá o réu. É um dos pilares do Direito penal, e está intimamente ligada ao princípio da legalidade. Não pode um Ministro do STF, nem o seu colegiado relativiza-lo, pois o princípio in dubio pro reo, aplica-se sempre que se caracterizar uma situação de prova dúbia, pois a dúvida em relação à existência ou não de determinado fato deve ser resolvida em favor do imputado. Porque são Princípios Implícitos: (i) a não obrigação de produção de prova contra si, (ii) o duplo grau de jurisdição (por conta do erro ou divergência de opinião entre juízes), (iii) promotor natural, (iv) proibição de dupla punição, (v) verdade real, (vi) persuasão racional e (vii) impulsão oficial.

Como não há prova de responsabilidade do ex-ministro José Dirceu nos autos do Processo 470, que tramita no STF, como há dúvida significativa acerca de sua participação na autoria dos delitos de que ele é acusado pelo Procurador Geral, como não há elementos no conjunto das provas produzidas, não podem os ministros do STF relativizar principios e impor sua participação na Polity, na Politics e na Policy. O STF deve ser o guardião dos Direitos e garantias fundamentais, não cabe a ele alterar estruturas, esse é papel da sociedade civil e do congresso.

* Pedro Benedito Maciel Neto é advogado, professor, pós-graduado em Planejamento Tributário e Filosofia Política pela PUC-SP, pós-graduando em Economia Monetária na Unicamp