Delfino e Bonfim: Incêndio nas favelas e valorização imobiliária
O incêndio na favela do Moinho, na região central da capital paulista, no último dia 17, foi mais um de uma série de tragédias na cidade. Estão se tornando rotina os incêndios nas favelas da cidade de São Paulo. É muito triste assistir chamas destruírem lares, ainda mais estes, tão simples, muitas vezes de madeira, construídos com muito suor e sacrifício por famílias que não tiveram apoio do poder público no acesso à moradia digna.
Por André Delfino da Silva e Raimundo Bonfim*
Publicado 25/09/2012 09:11
Os incêndios causam efeitos nefastos. Além de deixar a família sem um teto para se proteger do sol e da chuva, eles causam a perda de vaga nas creches e escolas dos filhos e, na maioria dos casos, a perda total dos bens materiais, conquistados após muitos anos de trabalho.
Com o incêndio da favela do Moinho, já são 34 somente neste ano. Isso tem causado enorme angústia para aproximadamente dois milhões de pessoas que habitam as 1.565 favelas da cidade de São Paulo.
A prefeitura de São Paulo argumenta que tantos incêndios aconteceram em um período tão curto por causa do tempo seco e da baixa umidade do ar. Mas nos demais municípios da região metropolitana também existem favelas. Lá também há tempo seco e baixa umidade do ar. Esses fenômenos só provocam incêndio nas favelas da capital?
É muita coincidência a existência de uma onda de incêndio em favelas paulistanas em um momento de enorme valorização imobiliária. E os incêndios ocorrem justamente nas proximidades das operações urbanas, nos locais mais cobiçados pelo mercado imobiliário.
Um estudo realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) aponta nove incêndios recentes na cidade de São Paulo que aconteceram em locais de grande valorização imobiliária.
Não temos dúvida em afirmar que essa onda de incêndios serve a uma política de higienização. Além dos incêndios, estamos vivenciando uma onda de reintegração de posses, despejos e remoções de favelas e de áreas debaixo de viadutos, principalmente nos locais que estão passando por um "boom imobiliário".
Assistimos diariamente ao uso violento da força policial nas reintegrações de posse contra famílias de sem teto que ocupam prédios vazios -prédios que não cumprem a função social prevista na Constituição Federal e no Estatuto das Cidades.
Temos em São Paulo cerca de 3,5 milhões de pessoas que sobrevivem, em condições precárias, em favelas, cortiços e loteamentos irregulares.
No entanto, em vez de constituir um projeto de planejamento urbano participativo e assegurar o direito à moradia, o processo de verticalização em São Paulo avança com a leniência da atual gestão, sem o mínimo de planejamento urbano, sendo que há suspeita de que vários empreendimentos imobiliários foram aprovados mediante corrupção.
A prioridade no processo de urbanização de favelas não passa do discurso. Dos R$ 574 milhões previsto no orçamento deste ano para urbanização de favelas, até o dia 31 de agosto foram empenhados apenas R$ 131 milhões e liquidados somente R$ 82 milhões -ou seja, 14,2% do total previsto.
A falta de compromisso político com a população mais carente da cidade está evidenciada na falta de projetos e de investimentos em habitação popular.
Essa ausência de projetos, como causa e efeito, pode explicar melhor o fenômeno dos incêndios nas favelas de São Paulo, além das condições climáticas elencadas pela gestão Gilberto Kassab.
*André Delfino da Silva é coordenador do Movimento de Defesa dos Favelados (MDF)
e Raimundo Bonfim é advogado e vice-presidente da Associação Nova Heliópolis e coordenador-geral da Central de Movimentos Populares do Estado de São Paulo (CMP-SP).
Fonte: Folha