Jamil: Mandato de esquerda tem que servir aos movimentos sociais
Em entrevista ao jornalista Rodrigo Vianna, no blog Escrevinhador, o vereador Jamil Murad, candidato à reeleição na Câmara de São Paulo, falou sobre sua campanha, a participação nas lutas político-sociais e dos problemas e soluções para a capital paulista.
Publicado 21/09/2012 10:39
Na introdução da entrevista, Rodrigo Vianna conta que desde que começou no jornalismo, em 1990, acompanha cobertura de greves, movimentos sociais, ocupações, assembleias na porta de fábrica. Segundo ele, quase sempre, Jamil estava lá, misturado ao povo. “Com fala mansa, e discurso firme, Jamil Murad coloca – em defesa dos trabalhadores – o peso dos mandatos que exerce. Lembro do Jamil tentando negociar com a polícia, acompanhando os manifestantes, com bom humor mesmo nos momentos mais tensos.”
Leia abaixo a íntegra da entrevista:
Jamil é comunista. Jamil é descendente de árabes. Jamil é brasileiríssimo. Vereador desde 2009, ele concorre a mais um mandato este ano, na capital paulista. Com 69 anos, nascido na cidade de José Bonifácio, interior paulista, é filiado ao PCdoB desde 1968. Médico, participou das lutas contra a ditadura, pela Anistia, pelas Diretas e pela criação do SUS – Sistema Único de Saúde. Exerceu três mandatos de deputado estadual (1991-2002) e um de deputado federal (2003-2006). Atualmente, preside a Comissão de Saúde da Câmara, é membro da Comissão de Direitos Humanos (que presidiu em 2011) e da Comissão da Verdade municipal.
Há dez dias, o Escrevinhador inaugurou a seção “Em quem votar para vereador?”, com a entrevista de Gilberto Maringoni, do PSOL. Agora, conversamos com Jamil Murad, do PCdoB.
Rodrigo Vianna: O senhor é candidato pelo PCdoB. Também são candidatos a vereador pelo seu partido o Netinho (cantor, homem de mídia) e Orlando Silva (ex-ministro, com apoio de entidades estudantis). Como fazer campanha sem mídia, sem máquina? De onde vêm os seus apoios?
Jamil Murad: Eu me pauto pela campanha tradicional em busca de apoio na sociedade – nos segmentos em que temos afinidade e aproximação – de maneiras variadas: fazendo reuniões, discutindo problemas da cidade e participando das lutas político-sociais. Em outras palavras, o fio condutor da minha campanha é a procura por pessoas, lideranças e segmentos que compartilhem o sonho de mudança, de transformação do Brasil de uma sociedade de grande desigualdade para uma sociedade de igualdade, solidariedade, de melhores condições de vida para o trabalhador, em que o povo possa, de fato, tomar em suas mãos os destinos de sua cidade, de seu país. É no contato com o cotidiano das pessoas que tiramos a seiva para conquistar a vitória.
RV: Ainda há espaço para o chamado “voto de opinião” na esquerda? Até 2002, PT e PCdoB tinham muito voto na classe média. O chamado “mensalão” parece ter tirado boa parte desses votos… A esquerda perdeu a classe média no Brasil?
JM: A busca do caminho da transformação política, econômica e social é essencialmente a luta de opinião e possibilita este tipo de voto. Há, é verdade, lideranças que perdem a credibilidade, se deprimem, veem as pessoas se afastarem delas. Mas sinto que meus amigos e meus apoiadores, aqueles que acreditavam em mim, continuam acreditando. É comum nos dizerem que nunca os decepcionei. Acho que a esquerda sofreu um bombardeio muito grande naquele período em que se resolveu implantar o neoliberalismo, doutrina que fez um grande estrago no Brasil, na Argentina e em muitos outros países. Os que permaneceram em melhor situação foram os que resistiram a essas ideias esdrúxulas. Mas depois começamos a obter vitórias. Mostramos que a intervenção do Estado tem papel importante. Na crise econômica iniciada em 2008, a intervenção do Estado foi fundamental para diminuir os seus efeitos. Por terem a mídia em suas mãos, os neoliberais contam com um instrumento poderoso para convencer a sociedade de que eles têm razão e que nós, da esquerda, estamos superados, que não temos futuro. Porém, a vida real está mostrando o contrário e na América Latina obtivemos grandes vitórias.
RV: Como um mandato de vereador se articula com lutas mais específicas de categorias, sindicatos e movimentos sociais?
JM: A matriz é a mesma. Um mandato parlamentar de esquerda, no meu caso um mandato comunista, tem que servir ao movimento social. A transformação da sociedade não se dá por uma intervenção refinada no parlamento, se dá pelas lutas sociais, pelas forças transformadoras populares em movimento que exigem mudanças. Como eu luto por transformações profundas na sociedade brasileira, me pautei, desde que assumi o mandato, por servir ao movimento social. Já houve ocasiões em que num mesmo dia estava numa manifestação no Porto de Santos e, mais tarde, numa ocupação no Pontal do Paranapanema, percorrendo distâncias de mais de 700 km. Priorizo a luta político-social porque acredito nela. Às vezes as pessoas perguntam: “onde você arruma energia?”. Eu me inspiro nas gerações que dedicaram suas vidas ao Brasil, aos trabalhadores. Os meus companheiros que perderam a vida lutando para transformar o Brasil numa sociedade moderna e igualitária também não se cansaram, então, tenho que honrar essa tradição de lutas, de dedicação, de desprendimento.
RV: São Paulo tem tantos problemas que às vezes dá a impressão que não há solução pra muitos deles. São muitos temas, muitas áreas. Se tiver que escolher um ou dois temas, a quais dará prioridade na atuação como vereador?
JM: São Paulo é cheia de problemas, mas também está plena de soluções. É uma sociedade pujante em que há cem anos os trabalhadores fazem grandes greves, travam grandes lutas. São Paulo é a capital do trabalho, da cultura, tem um povo com bom grau de consciência. Isso tudo produz um povo apto a produzir grandes mudanças. O que precisamos é de um governo que seja sensível a este anseio pelas mudanças. Aqui o orçamento é de R$ 38 bilhões por ano. Então, os recursos são enormes. E 13% são dados ao governo federal para pagar os bancos. Esse dinheiro deveria ser aplicado na ampliação das linhas de metrô, em novas creches, na melhoria da qualidade da educação e da saúde públicas, na construção de moradias populares. Falta, portanto, a execução de um programa popular. Mas, para isso, precisamos de um governo democrático e popular. Por essa razão, nestas eleições vamos lutar para eleger Fernando Haddad e Nádia Campeão com o apoio de diversas forças populares com tradição e compromisso. Não dá pra limitar a resolução dos problemas da cidade a um ou dois temas, mas há questões de âmbito mais abrangente que eu destacaria, tais como o transporte público, a mobilidade urbana, a saúde, a educação e o problema da habitação. Nesta semana, vimos o fogo destruindo barracos em pleno Centro de São Paulo e depois falam que não constroem casas populares porque não tem terreno. Isso é desculpa. O que falta é prioridade.
RV: O PCdoB compõe a chapa de Haddad, com a candidata a vice, Nádia Campeão. Mas o PCdoB integrou (ou integra?) o governo de Kassab, prefeito pessimamente avaliado. Não acha que seu partido dá sinais dúbios com essas posições? O excesso de pragmatismo não mata a esquerda?
JM: Olha, você tem que ver a árvore e a floresta. O PCdoB conversou com o Kassab para contribuir na preparação de São Paulo para a Copa de 2014, já que o partido dirige o Ministério do Esporte. No campo político, o Kassab fez um certo movimento em direção à esquerda. A primeira visita da presidenta Dilma Rousseff foi a São Paulo, no aniversário da cidade, quando foi homenageada pelo prefeito, que no ano anterior havia homenageado o presidente Lula. Naquele momento, o PCdoB fez uma leitura de que o Kassab acenava para se descolar do PSDB e se aproximar de um governo pautado pelas mudanças, pelo desenvolvimento e pelo progresso social. Como a luta política é cruel e impiedosa, para que seja possível concretizar o objetivo da transformação social no Brasil, é preciso ser sensível a todas as forças políticas e sociais que queiram se aproximar não para mudar esse rumo, mas para apoiá-lo. E foi isso que aconteceu. Então, temos que ver a política em movimento e não de maneira estanque. O PCdoB, graças à teoria marxista, muitas vezes consegue enxergar as mudanças já nas suas primeiras ondas; outros enxergam depois que a tempestade chegou. E a vida está mostrando que o PCdoB acertou. O Kassab, inclusive, apoia o Marinho em São Bernardo do Campo, o Pedro Bigardi em Jundiaí e inúmeros prefeitos do PT na Grande São Paulo, então, há uma mudança. Vivi uma situação em que o senador Teotônio Vilela, que havia apoiado o golpe militar, veio para o nosso lado e saiu visitando os presídios políticos em defesa da anistia e defendeu o fim da ditadura. O pragmatismo deforma a esquerda, mas neste caso não houve pragmatismo e sim uma visão antecipada e acurada desse fenômeno de mudança.
RV: Qual a sua avaliação do quadro eleitoral em São Paulo? O PT e seus aliados erraram ao escolher um candidato pouco conhecido, em vez de apostar em Marta? Parece que o Russomano ocupou espaço e agora o PT foi chamar a Marta pra prestar socorro…
JM: As forças mudancistas do Brasil precisam ganhar na cidade e no estado de São Paulo porque ambos, sob a direção do PSDB, funcionam como um obstáculo à aceleração das mudanças no Brasil. E ao estudar esta questão, constatou-se que havia candidatos com rejeição alta. Não estou analisando o mérito da rejeição. Muitas vezes, ela é injusta, mas é real. Então, foi-se buscar um candidato que, embora desconhecido, tivesse uma baixa rejeição. Haddad é um paulistano com experiência pública que foi um ministro da Educação bem avaliado. Acho que as forças conservadoras de São Paulo estão aferradas ao poder e foram produzindo fatos atrás de fatos para impedir o deslanche de Haddad. Aproveitaram-se da não escolha da Marta, da desistência da Erundina, da nomeação de Marta para o Ministério da Cultura para criar desgastes à sua candidatura. Isso faz parte da luta. Não dá para imaginar que eles não fariam isso. Temos que trabalhar contornando esses problemas e sendo mais eficientes para convencer o povo de que o caminho que estamos buscando é o melhor, é o único capaz de solucionar problemas graves e oferecer melhores dias ao povo de São Paulo. Eu acredito que o Haddad vai para o segundo turno e vai ser o prefeito de São Paulo.
RV: É difícil ser aliado do PT? O partido é “hegemonista”, como ouço de gente do PCdoB e do PSB? O que achou, por exemplo, da decisão petista de não apoiar Manuela (PCdoB), em Porto Alegre?
JM: As alianças políticas são instrumentos para atingir um objetivo determinado, por exemplo, a Prefeitura de São Paulo. E não há casamentos perfeitos. Há dificuldades, cada partido cuida dos seus interesses, defende suas prerrogativas dentro das alianças, exige sua participação nas decisões. Devemos nos pautar pela busca dos objetivos que servem ao progresso do povo. As dificuldades dentro de uma aliança devem ser resolvidas com o diálogo, com respeito, com argumentação. Agora, o PT recebeu apoio do PCdoB, da Manuela inclusive, para eleger o governador Tarso Genro, um governante respeitável. Mas agora o PT, lá na sua heterogeneidade, teve como decisão final lançar um candidato. Isso dificulta a proposta da mudança para Porto Alegre. Acho que o PT errou ao não apoiar a Manuela, mas foi um erro consciente, não foi inocente. Acredito que nesses processos o povo vai conhecendo quais as lideranças do PT se sintonizam mais com o seu sentimento de união pela mudança. E nem toda liderança do PT compartilha desse sentimento. O povo vai tendo sua experiência e certamente vai buscando caminhos melhores. E no segundo turno, será preciso buscar o apoio do PT porque isso faz parte da luta política.
RV: Nos anos 1990, muita gente dizia que lutar pelo socialismo era bobagem, e que a história tinha acabado com a queda do Muro do Berlim. A crise de 2008 mostrou que isso era besteira. Por outro lado, há grande ceticismo com a luta política entre os jovens. O que é lutar pelo socialismo hoje?
JM: Eu era deputado estadual quando caiu o muro de Berlim. E muita gente de esquerda ficou intimidada. O PCB se transformou em PPS, tirou a foice e o martelo, trocou a cor da sua bandeira, mas este fenômeno aconteceu no mundo inteiro. E o João Amazonas, que na época era presidente do PCdoB, liderou no Brasil um processo de análise, resistência e defesa do socialismo, mantendo o Partido Comunista com sua identidade visual: a cor vermelha, a foice e o martelo. Realizamos uma conferência cujo resultado foi: o socialismo não morreu; ele vive. E analisamos que era preciso entender porque as primeiras experiências socialistas acabaram desmoronando não no sentido de sepultar o socialismo, mas para evitar que fossem tomados os mesmos caminhos e para que fosse possível construir um socialismo renovado. Uma das conclusões que tiramos foi a de que não continuaríamos lutando pelo socialismo tal qual ocorreu na União Soviética. Devemos manter os pilares do marxismo-leninismo, mas buscando construir um socialismo renovado, com feição brasileira. O socialismo não pode ser uma cópia de outros países porque cada um tem sua cultura, seu grau de desenvolvimento econômico-social. Agora, os objetivos de construir uma sociedade superior são os mesmos.
RV: Gostaria de saber sua opinião, em uma linha, sobre as seguintes personalidades:
– Getúlio Vargas: um importante estadista que construiu as bases para a modernização e industrialização do país.
– Lula: o maior presidente que o Brasil já teve.
– FHC: presidente que destruiu boa parte do patrimônio público que o Brasil levou décadas para construir.
– Luiz Carlos Prestes: nos 90 anos do Partido Comunista do Brasil, se destacou como um dos seus principais dirigentes, ao lado de Astrogildo Pereira e João Amazonas, cada um liderando uma das três grandes fases do partido.
– Marina Silva: importante liderança que veio das lutas populares, mas cuja defesa do meio ambiente registra equívocos.
– Trotsky: um revolucionário russo.
– Joaquim Barbosa: ministro do Supremo Tribunal Federal que rompeu os obstáculos impostos aos negros e galgou um dos mais altos postos do Poder Judiciário.
– Zé Dirceu: Um dos maiores quadros políticos dos tempos recentes.
– Doutor Sócrates: um médico artista da bola que sempre soube transitar entre o popular e o erudito.
– Neymar: lembra-me Pelé, com seu futebol-arte (pena não estar no Corinthians).
– Celso Furtado: o maior economista brasileiro; demonstrou que o papel do Estado é fundamental para o desenvolvimento.
– Caetano Veloso: Artista extraordinário, mas um conservador nas posições políticas.
– Hugo Chávez: Um líder que está revolucionando a política latino-americana em favor do povo mais pobre; um expoente no enfrentamento ao imperialismo.
– Roberto Civita: empresário conservador que usa seu poderoso império midiático de maneira torpe, em favor do pensamento mais retrógrado.
– Heloisa Helena: uma senadora midiática, mas que – no final – se isolou.
Por Rodrigo Vianna, no blog Escrevinhador