Cúpula dos Povos registra avanços em números e na articulação
Uma plateia com ouvidos atentos e olhar fixo acompanhou o encerramento da Cúpula dos Povos, onde representantes dos movimentos sociais se revezaram nas falas e na leitura da Declaração Final do encontro, que reuniu 350 mil pessoas, entre 15 e 23 de junho, incluindo as 80 mil da Marcha dos Povos, na quarta-feira (20). Os dados são do Comitê Facilitador da Sociedade Civil, organizador do evento, que criticou duramente a economia verde de mercado, uma das principais propostas da Rio+20.
Publicado 25/06/2012 13:48
A pressão proposta pelo encontro parece ter surtido algum efeito, pelo menos não há avanços sobre a mercantilização dos recursos naturais no documento final da Conferência das Nações Unidas, que terminou na sexta-feira (22), mesma data de término da Cúpula. Muito embora os países desenvolvidos dizem ter dado o primeiro passo para sua implementação.
A ausência de metas e compromissos no documento do encontro da ONU difere bastante do apresentado pelas organizações da sociedade civil. “Nós jogamos e cumprimos esse papel crítico para que o próprio documento da ONU refletisse as questões sociais. Acredito que o nosso esforço contribuiu para isso. É um resultado positivo que pela primeira vez a carta final dos movimento sociais é mais ampla e conseguiu avançar, se comparado com as outras cartas que nós [movimentos] já fizemos”, destacou Bartíria Lima Costa, presidenta da Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam).
Na Declaração Final ela destacou o trecho que defende os espaços públicos nas cidades, com gestão democrática e participação popular: “Avançamos muito na questão das cidades, com garantias e direitos, que antes não constavam. Também foi importante que todos concordaram com a necessidade de se combater a criminalização dos movimentos organizados; também a retomada do controle social sobre nossos recursos naturais e serviços estratégicos, porque sem isso você não avança. Ser sustentável é quando você tem saúde para todos, trabalho digno, erradicação da pobreza, direitos sociais. Isso é sustentabilidade”, ponderou Bartíria.
Para ela, uma das maiores contribuições do grande encontro no Aterro do Flamengo é o que levamos da troca de experiência com outras organizações e outros povos. “Em cada plenária, cada debate, faz a gente refletir. A convivência com gente de outras localidades, nos faz refletir que esse processo tem que continuar para que a mudança aconteça”, concluiu a presidenta da Conam.
Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, da Central dos Movimentos Populares (CMP), fez coro com Bartíria e enfatizou a importância de se manter o processo de transformação da sociedade.
“Nós estamos no caminho certo, na rota oportuna. Porém, tenho uma preocupação. É que não termine aqui. Que a gente se reúna só daqui a 20 anos. Temos que discutir e nos reunir periodicamente para discutir não somente a questão do planeta, mas a questão das pessoas.
Porque quando discutimos a questão do povo você discute a questão do planeta, a questão da sustentabilidade passa pelo direito de eu comer. Não adianta ter um planeta preservado se tem tanta gente passando fome, se eu não tenho direito à vida”, declarou o líder sem-teto, que falou durante o encerramento em nome do Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), o qual a Conam também integra.
Gegê começou seu discurso de encerramento com a frase “Um homem na estrada recomeça sua vida” e, em seguida, cantou um trecho da música Brilho de Beleza, de Nego Tenga:
“O negro segura a cabeça com a mão e chora
E chora, sentindo a falta do rei
O negro segura a cabeça com a mão e chora
E chora, sentindo a falta do rei
Quando ele explodiu pelo mundo
Ele lançou seu brilho de beleza
Bob Marley pra sempre estará
No coração de toda a raça negra”.
Gegê explicou de que maneira foi formado o FNRU, por acadêmicos, ONGs, movimentos sociais e populares. “Entre os movimentos sociais temos a União Nacional de Moradia Popular, a Conam, que aqui está a companheira Bartíria”, disse, apontando para o canto do palco, onde estava Bartíria. Ele reforçou a necessidade de tanto a reforma urbana quanto a reforma agrária serem levadas a sério, que uma reforma complementa a outra.
Ao Vermelho, Gegê ressaltou que é preciso levar as discussões da Cúpula para o cotidiano das pessoas e construir novos paradigmas a partir das organizações de base: “A Cúpula dos Povos não pode terminar na hora que desligarmos os microfones. Por isso sou favorável a toda e qualquer unidade da luta dos povos, construindo possibilidade de que o povo seja o sujeito dessa construção”.
O militante da reforma urbana avalia que a Declaração Final da Cúpula avançou muito mais do que a Carta de Porto Alegre, do Fórum Social Temático 2012.
“Eu acredito que essa carta que saiu aqui [Aterro do Flamengo], saiu até muito melhor do que a última carta nossa, de Porto Alegre. E saiu melhor porque está na hora de repensar as nossas formas de vida. Temos um aprendizado grande aqui que não basta cada um trilhar o seu caminho, é importante todos juntos trilhando o mesmo caminho. Homens e mulheres, independente de sua opção sexual, de sua cor, de sua crença. Essa é uma necessidade que está posta para nós. É preciso ter uma visão de mundo mais ampla”, declarou Gegê.
Uma mulher e um homem leram Declaração Final
Fatima Melo e Darci Frigo, integrantes do Comitê Facilitador da Sociedade Civil, se revezaram na leitura da Declaração Final da Cúpula dos Povos. Em diversos momentos a plateia aplaudia trechos do texto como quando se fez o contraponto com a Rio+20 e ressaltou-se a mobilização das organizações presentes: “Em contraste a isso, a vitalidade e a força das mobilizações e dos debates na Cúpula dos Povos fortaleceram a nossa convicção de que só o povo organizado e mobilizado pode libertar o mundo do controle das corporações e do capital financeiro”. E também quando se falou na afirmação do “feminismo como instrumento da construção da igualdade, a autonomia das mulheres sobre seus corpos e sexualidade e o direito a uma vida livre de violência”.
Outro ponto que merece destaque e que foi bem recebido pelos presentes é que, pela primeira vez, a democratização da comunicação constou no documento dos movimentos sociais. A conquista dos comunicadores é resultado do esforço realizado no 2º Fórum Mundial de Mídia Livre (FMML), que aconteceu durante a Cúpula. No entanto, o movimento defendia que no documento final deveria constar, também, que a comunicação deve ser vista como um direito humano, um bem comum a todos.
Moção ao Paraguai
O ponto que defende a solidariedade aos povos e países, “principalmente os ameaçados por golpes militares ou institucionais, como está ocorrendo agora no Paraguai” foi bastante aplaudido. Em outros momentos o povo paraguaio foi saudado, como na leitura da Monção de Repúdio ao Golpe no Paraguai, aprovada durante a assembleia final da Cúpula dos Povos.
Deborah Moreira, para o Vermelho, do Rio de Janeiro