Bezerra: “Desenvolvimento só com soberania e justiça social”
“A Concepção sustentabilista é a única que pode responder adequadamente ao desafio contemporâneo de produzir com sustentabilidade, na medida em que preconiza o equilíbrio e a harmonia entre homem e recursos naturais”.
Por Joanne Mota*
Publicado 24/06/2012 10:23
Foi como explicou em entrevista à Visão Classista Eron Bezerra, secretário de Produção Rural do Amazonas, para justificar que desenvolvimento sustentável é possível e que os ideais de conservação em curso são empreendidos pelas nações que sempre buscaram explorar, predatoriamente, o mundo.
Segundo ele, pensar que apenas a natureza é importante ou que apenas o homem é importante, não é o caminho para se garantir o desenvolvimento e nem a preservação dos recursos. “A sustentabilidade é exatamente o convívio harmonioso entre a humanidade e os recursos naturais”.
Bezerra ainda explica que “a Teoria da Sustentabilidade procura conciliar isso, entendendo que é possível manejar os recursos naturais, agregar valor a eles, desenvolver metodologias e técnicas que permitam a humanidade viver com segurança, soberania, e evidentemente, com melhor padrão de renda.
Acompanhe na íntegra a entrevista:
Visão Classista – Algumas formulações desenvolvidas para o setor ambiental têm por base as teorias marxistas, ou seja, uma análise da realidade concreta aplicada ao meio ambiente, situando que a degradação ambiental ocorre há muito tempo. Segundo tais pressupostos, o capitalismo transforma tudo em mercadoria e, em sua fase imperialista, exacerba a privatização dos recursos naturais e procura controlar as fontes destes recursos nos países em desenvolvimento. Diante disso, que caminhos devemos trilhar para garantir desenvolvimento, com soberania nacional e sustentabilidade ambiental?
Eron Bezerra – Vamos por etapas. Primeiro lugar, do ponto de vista da teoria marxista todo recurso é finito, todos os fenômenos estão interligados, interconectados ou são interdependentes, desse modo, não há possibilidade de uma ação, antrópica ou natural, não provocar impacto ambiental. Um exemplo prático são os desastres ambientais que provocam impacto ambiental de grande dimensão. Portanto, do ponto de vista cientifico, é uma atitude reacionária achar que pode resolver os impactos fazendo um bloqueio dos recursos. O que você tem que discutir é o uso em bases sustentáveis, o uso racional dos recursos naturais, porque eles todos acabarão.
Segundo, é preciso entender os diversos pontos de vista. Existe o que chamo de opinião produtivista, que são aqueles que entendem que como realmente tudo não vai acabar nunca, então você pode usar da maneira mais irracional possível todos os recursos, porque eles são infinitos. Isso não é verdade, a ciência não dá guarida a isso. Em reação a essa tese produtivista surgiu a teoria santuarista, que defende a ideia de que o mundo chegou no limite, que todos os recursos são finitos, que está acabando tudo, e por essa razão é preciso congelar tudo, parar tudo.
Essa é uma tese reacionária, porque no fundamental ela procura resgatar o pensamento de Malthus, por isso seus seguidores são conhecidos como neomalthusianos, porque no fundo o que eles querem não é usar os recursos, é privar os pobres, privar os países dependentes de utilizar os seus recursos, porque eles entendem que esses recursos são reservas estratégicas deles. Se você analisar o que diz atual política ambiental brasileira, ela não é para disciplinar o uso, ela é feita dentro da lógica de impedir o uso. Portanto, essa definição é uma atitude reacionária. Mas ela não é ingênua. Ela é feita em decorrência de uma concepção que eu chamo de santuarista. Ou seja, só quem pode usar os recursos naturais, só quem pode crescer, só quem pode se desenvolver são os ricos. Os pobres tem que se contentar em viver cada vez mais na miséria.
E tem, evidentemente, a terceira corrente, que é a que sustento, que é a Teoria da Sustentabilidade, o sustentabilismo. Essa tese defende, baseada na lógica marxista, baseada na dialética e na ciência, que os recursos são finitos, mas pelo fato de serem finitos não quer dizer que nós não vamos manejá-los, ao contrário, nós devemos manejá-los da maneira mais racional possível, da maneira mais adequada possível, para alongar o seu uso, para melhorar a vida da população. Porque na Teoria da Sustentabilidade não é possível haver desenvolvimento sem sustentabilidade, e nem sustentabilidade sem desenvolvimento. Eu não posso imaginar que apenas a natureza é importante ou que apenas o homem é importante, a sustentabilidade é exatamente o convívio harmonioso entre a humanidade e os recursos naturais.
Se isso não for adequadamente manejado, eu tenho uma dicotomia. Para a primeira corrente, a produtivista, o que interessa, em tese, é o homem e para a natureza nada. Na Teoria Santuarista, o que interessa é a natureza, o homem pouco importa. Também é um equivoco porque não adianta a natureza sem a humanidade presente. A Teoria da Sustentabilidade procura conciliar isso, entendendo que é possível você manejar os recursos naturais, agregar valor a eles, desenvolver metodologias e técnicas que permitam a humanidade a viver com segurança, soberania, e evidentemente, com melhor padrão de renda.
Visão Classista – Tem algum exemplo da aplicação da Teoria da Sustentabilidade?
EB: Um exemplo que eu posso te dar de forma concreta sobre isso é o Bacalhau da Amazônia, que nós acabamos de lançar. Nós criamos a primeira indústria de bacalhau da América do Sul, porque bacalhau não é um peixe, bacalhau é uma técnica de processo industrial, feito com alguns peixes do mundo. Existe o bacalhau Link, o Saite, e agora o Pirarucu que é o peixe que após processado se torna o bacalhau da Amazônia. Ora, isso permite você manejar esse peixe em lagos, com maior rigor ambiental possível, dentro das técnicas de manejo mais adequadas cientificamente, e depois você industrializa esse pescado, converte a matéria prima numa indústria com um processo de alto valor agregado, e consequentemente, eleva o padrão de vida da população e cria uma alternativa econômica para a Amazônia em base sustentável. Ou seja, se o pescador iria vender o quilo do Pirarucu por cerca de R$ 3, quando processamos esse peixe em bacalhau, o pescador vende esse produto por R$ 40. Temos aí uma atividade realizada de forma sustentável e com desenvolvimento para a região.
Esse panorama, portanto, é a questão central. É nós percebermos que é possível usar, que é possível manejar e ao mesmo tempo é possível preservar partes desses recursos para assegurar a permanência de outras gerações. Mas lembro que esse desenvolvimento não pode perder de vista as concepções de soberania. Que significa isso? Qualquer decisão sobre recursos naturais de um país depende deste, não pode haver interferência de terceiros, de quartos ou de quintos. Pois decisões multilaterais, que visam decidir o destino de outras nações, a mim não parece prudente e muito menos parece que seja sensato para um país soberano aceitar participar de fóruns em que, eventualmente, se possam decidir se ele pode ou não utilizar uma arma em seu quintal ou utilizar um vírus em seu território. Esse tipo de comportamento a mim me parece irracional e incompreensível.
Visão Clasista – Muito de fala em incorporar a questão ambiental como fator estruturante do Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento a fim de promover um salto civilizacional no país. O senhor concorda que hoje vivemos uma conjuntura mais favorável para construir um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento:
EB – É importante registrar e fazer um recorte para explicar que boa parte teses anti-nacionais e anti-soberanas que hoje prosperam no Brasil, que cada vez mais estão isoladas e desmoralizadas, ganharam muita força durante o período neoliberal. Por que? Porque na concepção neoliberal o Estado se ausenta e deixa o deus mercado, a mão invisível de Adam Smith, se auto-regule. Então, enquanto essa tese vigorou no Brasil, especialmente durante os governos de Fernando Henrique Cardoso, o papel do Estado foi eliminado de vários setores da economia, sociais, da educação. E esse enfraquecimento do Estado chegou a Amazônia. E o que isso gerou? Houve o surgimento de ONG’s internacionais, que são financiadas por países do chamado capitalismo avançado, que defendem, portanto, as teses santuaristas não para a Amazônia, mas também para o Brasil. Sustentado a tese que a Amazônia é patrimônio da humanidade, ou seja, ela pertence a eles e não aos brasileiros. Isso tem uma consequência séria, pois proteção de nossa terra sai da mão do Estado, devido à política neoliberal, e passa à mão de setores não-governamentais, mas privados e ligados às nações imperialistas.
Na medida em que observamos uma retomada do estado nacional, baseada na ascensão de forças progressistas, como estamos assistindo em toda América Latina, e com a Europa desmontando velhas estruturas, a nossa região sinaliza ao mundo que há um caminho novo. E, portanto, esse novo caminho favorece mais do que uma nova plataforma política, o processo assistido, hoje, em toda América Latina demonstra o ambiente favorável para se conceber uma prática política que realmente desenvolva de forma sustentável nossa região, lembrando que diferentemente de outras nações, esse desenvolvimento ambiente respeitará a soberania de cada país. Ou seja, o que vivemos hoje são governos de caráter popular que, democraticamente, gerenciam suas nações com vista a evitar o saque empreendido historicamente pelas potências imperialistas e garantir a preservação de seus recursos, de forma a utilizá-los pró-desenvolvimento de suas nações
Visão Classista – A crise ambiental, que se expressa, também, na perda da biodiversidade, é parte da crise global do capitalismo da época atual. Com os avanços da engenharia genética e o conseqüente aproveitamento dos recursos biológicos e genéticos como matéria-prima para as modernas tecnologias, a biodiversidade assumiu uma importância estratégica no novo paradigma tecnológico. E senhor acha que se constitui aí um novo o campo de disputa?
EB – Historicamente, esse campo já existe. As tentativas de internacionalizar a Amazônia e se apropriar dos recursos, por exemplo, é muito antiga, vêm de 1830 da época da cabanagem, quando a Inglaterra propôs separação da Amazônia e garantiram financiar a criação daquele território em país. Então, essa questão de investidas para se apropriar dos recursos naturais do Brasil sempre figurou na concepção do império que estivesse de plantão. Outro exemplo foi a tentativa de arrendamento do estado do Acre para se construir uma concessão americana naquela região.
Hoje, a tática é a do bloqueio, ou seja, se eles não podem explorar nós também não iremos, esse posicionamento é camuflado pelo ideal de preservação que muitos organismos defendem. Nesse ponto que questiono, como é que a população que nascem e cresceu na Amazônia viveria já que não se pode tocar e/ou extrair recursos para sua sobrevivência? E eu respondo. Este posicionamento está relacionamento ao caráter estratégico da região, as suas riquezas naturais. Na medida em que tem a exaustão dos recursos das outras partes do globo e na medida em que se nota a importância da biodiversidade para solução de problemas do mundo inteiro, com alto valor econômico, porque eles podem ser convertidos em medicamentos e/ou ferramentas de alto custo, a pressão sobre áreas como a da Amazônia não irá diminuir.
Mas, é bom que se frise que hoje vivemos em um ambiente político diferenciado. A atual conjuntura permite lutar por soberania nacional e garantir a defesa desses recursos. Ou seja, enquanto a América Latina tiver governos com o compromisso com a soberania nacional tais investidas serão barradas.
Visão Classista – A Luta pelo desenvolvimento sustentável soberano critica a proposta de economia verde apresentada pelos países europeus. Tal proposta visa um desenvolvimento baseado no mercado. E é uma tentativa de saída da crise, sob o manto do meio ambiente. Como o senhor vê este posicionamento?
EB – Em cada momento observamos temas que predominam a pauta de discussão. Nesse sentido, é bom ficar alerta e não se deixar levar pelo o que chamo de modismos, e o debate em torno da economia verde é o modismo do momento. Para mim a questão central não é essa. Primeiro é preciso ter em mente que o desenvolvimento deve estar atrelado à uma concepção soberana, ou seja a premissa zero é a soberania do país. Segundo, pensar o desenvolvimento com base em uma concepção de sustentabilidade, porque pra mim não como pensar em outro desenvolvimento que não o sustentável. Então, o que sustentamos é a utilização dos recursos naturais de forma sustentável, gerando desenvolvimento para o país, reduzindo as desigualdades sociais e fomentado a economia, e consequentemente, provocando um desenvolvimento real.
Visão Classista – O governo brasileiro tem deixado claro a importância da RIO+20 para a estruturação da política ambiental, cujo objetivo central versará sobre o debate do desenvolvimento sustentável. Porém, muitas instâncias sociais sinalizam que este espaço poderá se converter em catalisador do pensamento da Organização Mundial do Comércio (OMC). O Senhor acha que o Brasil está preparado para enfrentar essa arena de discussão?
EB – Em primeiro lugar é bom resgatar que a primeira conferência de meio ambiente, realizada em Estocolmo, em 1972, apresentou uma tese na qual defendia o crescimento zero, posicionamento fomentado pelo pensamento norte-americano, ou seja, esse pensamento defendia que era preciso parar o desenvolvimento para reduzir a poluição ambiental, lembrando que os Estados Unidos, bem como as demais nações ricas, já tinham exaurido seu meio ambiente. O Brasil, juntamente com outras nações, se opôs a essa tese, que foi derrotada durante a conferência. Porém, mesmo derrotada seria ela que nortearia as discussões sobre meio ambiente dali em diante.
A segunda conferência ambiental, a Eco 92, não chegou com tanta força, mas novamente, ela respaldou os ideais santuaristas já determinados na primeira. E por isso, toda política mundial é baseada na lógica de impedir o uso dos recursos naturais, que tem como princípio o binômio comando/controle, ou seja, enquanto as nações ricas já tinham exaurido suas reservas, agora a nações subdesenvolvidas estavam impedidas de usufruir de seus recursos para o se desenvolvimento.
A Rio+20, que é a terceira conferência mundial, é evidente que o cenário atual é muito diferente do cenário que existia nas outras duas conferências. A América Latina, bem como o Brasil e nações como a China, desempenham uma papel muito singular neste momento. Diante disso, já temos sinalizado que o ambiente de debate neta conferência não será o mesmo. A expectativa é que nós saiamos da Rio+20 com outra pauta, uma pauta que prima pelo desenvolvimento sustentável. È importante lembrar que já na Rio 92 foi defendida uma pauta com foco no desenvolvimento sustentável, mas ela não vingou.
No meu ponto de vista, acredito que com base no cenário atual, com o acúmulo que a área de ciência e tecnologia possui e com os avanços políticos conquistados poderemos chegar ao final da Rio+20 com uma pauta ancorada no desenvolvimento sustentável, que em nosso entendimento significa utilizar os recursos de forma a agregar valor e aumentar a renda da população, mas preservando os recursos de forma estratégica. Portanto, a meu ver não há contradição entre produzir e preservar. Para nós as reservas são importantes, mas também é possível empreender o desenvolvimento. Asseguro que temos condições de sair da Rio+20 com uma pauta progressista, soberana e que defenda a justiça social.
Visão Classista – Movimentos sociais de todo o Brasil preparam diversas ações para marcar a realização da Cúpula dos Povos. O senhor acha que este será um espaço mais amplo para se discutir as questões ambientais?
EB – Em relação à Cúpula dos Povos não tenho tanta expectativa, avalio que a interlocução dos segmentos que comporão a Cúpula ainda é predominantemente santuarista. Tal posicionamento não condiz com a concepção de desenvolvimento sustentável e nem acompanham as transformações no cenário político, a renovação de sua base filosófica e o avanço das forças progressistas no mundo. A China é um ótimo exemplo a ser observado, a partir de uma clara visão marxista, presenciei na naquele país o esforço para preservar seus recursos, sem perder de vista a sustentabilidade de seu povo. Já imaginou o mundo inteiro nesta mesma direção?
Então, a partir de um posicionamento oficial, entendo que hoje possuímos um cenário diferente, porém, no interior dos movimentos sociais, não acredito que tenhamos tido o mesmo avanço. Pelo o que tenho acompanhado, a pauta dos movimentos sociais ainda é majoritariamente santuarista, é claro que possui sues focos de resistência, mas ainda vence o pensamento do bloqueio. Por isso, não colocaria um sinal de igualdade entre os dois fóruns. Entendemos que haverá o debate, que se construirão teses, mas ainda é preciso que os movimentos sociais amadureçam os conceitos para assim estarem preparados para enfrentar o debate.
A experiência aponta uma pobreza teórica no interior dos movimentos sociais a cerca das questões ambientais. Para se perceber isso, basta observar os debates, fica claro que as confusões teóricas, os argumentos frágeis, a falta de domínio dos conceitos básicos. E quando não se tem domínio dos conceitos básicos, fica muito difícil os movimentos se contraporem às forças antagônicas. Se não entendemos qual o real sentido de uma nação, ou nações, quererem que nós não exploremos nossos recursos, é claro que acharemos que eles realmente primam pela preservação e se preocupam com a sobrevivência no mundo, mas o que está em jogo aqui não é isso, e para enfrentar essa discussão na arena política, é preciso ter a teoria alinhada a prática, senão seremos apenas massa de manobra.
Então eu questiono: Como é que um país como os Estados Unidos, que lidera essa pressão pela preservação no mundo, e que se quer assinou o Protoloco de Quioto, um país que possui apenas 4% da água doce potável disponível para seus habitantes, pois o resto está poluído, que não possui reserva legal – é bom frisar que reserva legal só existe no Brasil -, ou seja, um país que destruiu tudo, inclusive outras nações, pode querer preservar alguma coisa, ou mesmo dar aula de ambientalismo para o mundo? Portanto, fica claro que para enfrentar esses cantos é preciso estar preparado para o debate, e a meu ver, para esta ocasião, isso ainda não uniforme no interior dos movimentos sociais.
Assim, é preciso entender que a questão ambiental, hoje, é usada como tática do império para explorar as nações menores. O olho do mundo se vira para a Amazônia e precisamos estar alertas para essa investida.
*Publicada originalmente na Revista Visão Classista.