Altair Freitas: Do Tucanistão a Lulistópolis
Quem acompanha este pequeno espaço perdido entre a imensidão de blogs muito mais substanciosos, doutos e populares, sabe do meu apreço por economia, história econômica e pelo acompanhamento da crise intensa do capitalismo dos nossos dias.
Por Altair Freitas*
Publicado 15/06/2012 10:28
Geralmente, evito emitir opiniões vazias, desacompanhadas de elementos que possam minimamente dar alguma base concreta para elas. Gosto de trabalhar com números, dados, informações diversas. Sou avesso ao "achometro" simplório. Minha formação como historiador, a trajetória como militante da educação e da política em geral, me forneceram um pouco mais de neurônios analíticos para dizer o que digo. Não sou dono da verdade, óbvio, mas sempre que faço afirmações busco calçá-las com dados e fatos. Discordar apenas por discordar, opinar por opinar, sem dados, fatos e argumentos sólidos, geralmente resulta apenas em bate boca inútil. Pura perda de tempo!
Recentemente publiquei uma postagem sobre a evolução histórica da economia européia na qual busco mostrar como a crise atual no Velho Mundo é, na verdade, fruto de um longo processo paulatino de declínio histórico no nível de participação da produção industrial dos países europeus no mercado mundial, associado a uma prática um pouco mais recente, que remonta aos anos 80/90, através da qual a burguesia européia forneceu créditos abundantes a empresas e consumidores individuais, principalmente na própria Europa, para financiar a aquisição de produtos industrializados, imóveis, etc – com o objetivo de manter a produção industrial em rítmos menos lentos – gerando uma imensa dívida que tornou-se impagável. Fenômeno que também afetou a economia dos EUA.
A crise que explodiu a partir de 2007-2008, cujos desdobramentos em cascatas vemos praticamente todo santo dia no noticiário econômico e político, afetando não apenas a Europa e EUA mas, de modo diferenciado, boa parte dos países do mundo, inclusive o Brasil em algum grau, está longe de terminar e tenho pra mim, com meus botões, dados, fatos e perspectivas, que ela tende a se agravar ainda mais com repercussões políticas explosivas para um futuro próximo. Afinal, nos últimos dois mil e quinhentos anos de história, toda vez que a Europa entrou em crise (e foram muitas!), as classes dominantes européias sempre encontraram as "soluções" para seus problemas abocanhando territórios e riquezas alheias, geralmente através de muita guerra e derramamento de sangue. Não estou autorizado perante o estudo histórico a achar que desta vez será diferente. Mas não quero fazer exercício de futurologia. Na verdade, quero me referir a alguns "analistas" tupiniquins!
Tucanologistas: especialistas em destruir a soberania nacional
Tem um tipo de "analista" econômico e polítoco nascido (a), criado (a) e mamado (a) no nada saudoso "Tucanistão", um país muito nosso conhecido que durou uma década inteira, entre o início dos anos 90 e início do século XXI. No "Tucanistão", predominava um pensamento muito singelo, amplamente defendido pelos seus principais ideológos, incrustrados à época em postos de alto comando, a começar pelo próprio presidente da república, ministros, deputados e senadores, até chegar a vários (as) "analistas econômicos" com acento e espaço em grandes órgãos de comunicação de massa, gentilmente conhecidos genericamente como PIG do T – Partido da Imprensa Golpista…do Tucanistão!
A singeleza do pensamento era a seguinte: O "Tucanistão" era um país com uma forte vocação para a agricultura e produção de matérias primas em geral, genericamente chamadas de "comodities" pelos especialistas em mercado internacional. Aprofundar essa característica produtiva deveria ser o nosso maior objetivo econômico, posto que seria uma profunda bobagem fazermos investimentos nacionais no desenvolvimento de tecnologia de ponta e industrialização avançada, já que Europa, EUA e Japão controlavam em âmbito mundial tal nível de produção e que aos pobres "tucanistães", caberia consumir tal tecnologia avançada e investir nossos parcos recursos em coisas menos problemáticas.
Esse pensamento era complementado por outro ainda mais fantástico: a ênfase deveria ser fortalecer vínculos comerciais com os EUA e Europa e Japão, os grandes mercados consumidores do mundo, direcionando o que fosse possível do esforço produtivo -minérios, produtos agrícolas e outros de pouco valor agregado e por eles não produzidos – para atender aos endinheirados consumidores do "primeiro mundo", ávidos pelos exóticos produtos tucanis tropicalenses. Defenderam ardentemente que o "Tucanistão" aderisse alegremente à ALCA – Área de Livre Comércio das Américas – proposta nos anos 90 pelos sobrinhos do Tio Sam, sedentos por inundar todo o continente americano com produtos industrializados e agrícolas Made In USA para tentarem esticar algumas décadas o predomínio econômico deles sobre o continente.
Nada de perder tempo e dinheiro estabelecendo relações mais profundas com a América Latina, África, Ásia, continentes "perdidos" economicamente falando, salvo raras e honrosas excessões, como o Japão e Coréia do Sul. Para os "tucanistófilos" pouco importava questões como geração de empregos qualificados e em larga escala, desenvolvimento soberano e outras tolices nacionalistas. Soberania, para os sábios governantes e membros da oligarquia tucânica, era algo ultrapassado, retrógrado, posto que o mundo vivia inapelavelmente sobre os designios da globalização um "novo renascimento" como chegou a afirmar o líder mór do bando emplumado, um ex sociólogo que pediu ao povo para esquecer o que ele havia escrito décadas antes de tomar posse no cargo maior do país.
Tucanismo na prática: desmonte, pobreza e aviltamento do país
No auge do poder do tucanopólio -final dos anos 90 e até 2002 – Tucanistão mantia com os EUA nada menos do que 50% de todo o seu comércio internacional – exportação/importação – e pelo menos 30% do restante da nossa balança comercial era com a Europa Ocidental. Ou seja, no início do século XXI, Tucanistão era praticamente uma sucursal dos conglomerados euroamericanos. Para vender, para comprar. Mais ainda: acumulávamos uma fenomenal dívida externa acima dos U$ 200 bilhões, a maior parte dela, claro, com EUA-Europa. O desmprego do povo tucanês beirava os 20% da mão de obra ativa. As finanças do Estado eram monitoradas pelo FMI e basicamente o povo trabalhava para pagar a impagável dívida externa. Tucanistão vivenciava uma prolongada crise econômica herdada dos anos 70/80, coisas do período no qual o país era mais conhecido como "Gorilândia", governado pelos gorilas fardados que assumiram o poder em 1964 e tal crise foi bem acentuada pela cúpula aviária que mandou e desmandou por uma década.
Além de todas as mazelas econômicas e sociais, as finanças públicas eram sangradas por negociatas bilionárias que encheram bolsos, contas bancárias e campanhas eleitorais da turma emplumada, principalmente quando parte significativa das empresas públicas foram vendidas aos grandes conglomerados estrangeiros (americanos e europeus, pois não?). Muitos afirmam ainda que a própria reeleição do líder bicudo para o mandato 99/2002, aprovada pelo Congresso Nacional, foi obtida a custa de polpudas quantias distribuídas entre vários representantes do povo tucanês naquelas casas de lei. E nenhuma investigação séria foi feita na época.
Circula por aí um interessantíssimo livro sobre o tema bem como há um pedido para investigação no Congresso sobre tais negociatas lesivas à pátria mãe gentil. Há em curso também uma explosiva CPMI que está desvendando os descaminhos da tucanice travestida de bom mocismo e comportamento ético, mostrando que havia uma verdadeira cachoeira de maracutaias envolvendo principalmente essa gente. Vamos ver no que dá, mas parece que a coisa tá feia!
Lulistópolis: a nova nação em início de construção
Pois bem! Exatos dez anos depois de terem sido desempoleirados do poder e o tucanistão ter tornado-se Lulistópolis, vivenciando uma intensa recuperação econômica com geração de dezenas de milhões de novos empregos e tendo alcançado o patamar de sexta economia mundial, enquanto Europa e EUA desmancham a olhos vistos sacudidos pela crise econômica, ideológos da tucanistização do país voltam à baila para falar sobre economia e sobre os rumos que o Brasil deveria adotar para "atravessar o período crítico da crise mundial". E nessas horas eu dou muita, mas muita, muita risada! A cara de pau dessa gente é tanta, que precisaríamos ampliar muito o estoque disponível de óleo de peroba para dar conta de tanta desfaçatez. Devem achar que somos desmemoriados.Ou burros!
Um dos maiores movimentos positivos que o governo de Lulistópolis fez – que terá reconhecimento histórico a seu tempo – foi exatamente diversificar a nossa pauta de exportações e importações, ampliando o leque de parceiros comerciais. Além dos vizinhos do Mercosul, Lulistópolis negocia, e muito, com países asíáticos, africanos, árabes, além, claro dos tradicionais Europa/EUA/Japão. Junto com Russia, India e China, fundou um tal de BRIC's, que tem jogado papel crescentemente relevante nas questões internacionais.
Aliado à diversificação nas parcerias comerciais, o governo comandado pelos Lulistonenses, intensificaram a ampliação do mercado consumidor interno, melhorando significativamente o padrão de vida de dezenas de milhões de habitantes que fugiram da zona da pobreza absoluta e tornaram-se gente com melhores condições de vida. A diversificação na pauta de exportações e importações reduziu substancialmente a dependência crônica do país em relação aos mercados consumidores do chamado "1º Mundo". Em 2009 – conforme dados do IBGE e do Ministério da Fazenda – os EUA, por exemplo, participaram com exatos 15% na nossa balança comercial considerando compras e vendas. Muito distante dos 50% de dez anos antes!
Tucanistão novamente? Ah, Écio…never!
A combinação desses dois fatores – diversificação externa e intensificação do mercado interno – evitaram que o Brasil entrasse em colapso junto com Europa, EUA e Japão. Tivesse predominado o pensamento tucânico, estaríamos falidos! E esses bicudos vêm, agora, querer dar aula de economia e gestão pública? Há inclusive um bicudo de alta plumagem, derrotado duas vezes para a presidência da república que quer voltar a governar a maior cidade do país, tendo sido ele próprio um dos principais mentores e construtores da decadência e empobrecimento à época do Tucanistão. E há os que já se apresentam para a eleição presidencial de 2014, notadamente um tucânico senador das Minas, dono de um mandato pífio e que mais acumula mancadas policiais e fofocas calientes em colunas do high society, do que propriamente legisla. Como diria o povo em uma típica expressão coloquial, "ninguém merece!"
É óbvio que o crescimento em Lulistópolis tem distorções e equívocos. Há que se considerar também que o fardo herdado dos períodos anteriores é enorme, pesado e dificulta grandes guinadas econômicas e políticas. Para governar, os lulistas se viram obrigados a fazer alianças amplas no Congresso posto que não conseguiram formar uma ampla maioria mais à esquerda do cenário político e que impulsionasse mudanças mais profundas.
A indústria de Lulistópolis é frágil, insuficiente e comandada em boa parte por estrangeiros desde os anos 50. Há insuficiência na formação educacional do povo. Há rombos históricos no atendimento à saúde, etc, etc. Mas ao que tudo indica – e os dados estão aí para quem os quiser saborear – a lulistocracia tem vontade histórica para intensificar os aspectos positivos do país. E com toda certeza, não será ouvindo "conselhos e receitas" dos (as) viuvos (as) da tucanice, que vamos avançar! Muito ao contrário!
*Altair Freitas é historiador e Secretário Executivo da Escola Nacional do PCdoB.