José Luis Ugarte: multiengano e trabalhadores no Chile

Nestes dias no Congresso, o governo de Piñera prepara seu golpe final contra os trabalhadores. Escondido sob um título raro – multirut – a nova maneira de governar prepara sua última, mas nada inovadora, piada: fazer como se houvessem progressos a favor dos trabalhadores, para deixar as coisas como estão, ou neste caso, pior.

Por José Luis Ugarte*

Vamos explicar de forma simples: há algum tempo, diversas empresas – especialmente supermercados e varejo – inventaram uma fraude que consistia em dividir as empresas em uma pluralidade de razões sociais, em alguns casos em centenas de frações, fazendo seus advogados redigirem centenas de documentos. Cada uma destas frações e os respectivos trabalhadores relacionados a elas tinha um patrão diferente para impedir a formação de sindicatos e de negociações coletivas.

Como podemos ver, o propósito desta fraude é óbvio: dividir os trabalhadores para que eles não possam negociar coletivamente em um único processo com força e unidade, apesar de trabalhar para o mesmo empregador.

Em um país sério, isso seria uma fraude reprimida pelos próprios sindicatos e os tribunais do trabalho. Mas estamos no Chile e tem sido mantida a fraude, tanto por causa da extrema fraqueza da associação como pela fraqueza das autoridades.

O ponto é que o governo apresentou um projeto para solucioná-lo. Uma única leitura revela todo o contrário, nas pequenas letras: aos trabalhadores não bastará simplesmente provar que sua empresa é de um único empregador, porque o governo encheu o projetos com requisitos que, a rigor, são obstáculos para que os trabalhadores não consigam derrubar a fraude tão facilmente.

Para falar de modo simples: apesar dos trabalhadores acreditarem que todas estas razões sociais são um único empregador, porque têm um único chefe, por exemplo, que manda em todos da mesma forma, não podem negociar em um único processo coletivo. O projeto requer que, além disso, os trabalhadores demonstrem que este é o mesmo negócio específico ou que são negócios diretamente complementares.

Além disso, vale dizer que os advogados destas empresas lavam as mãos na hora de dizer que, apesar de ser apenas um empregador, seus negócios não são os mesmos, ou não são complementares. Por exemplo, a seção de gravatas não é complementar à das máquinas de lavar roupa, "pode ser operado de forma separada", vão dizer com satisfação, ascendendo uma vela ao altar de Matthei.

Como se vê, muito fácil. E inclusive naqueles casos que exista o risco de se superar todos os obstáculos, o governo colocou um último empecilho aos trabalhadores, não que um sindicato não consiga, o juiz deve escutar uma comissão de especialistas.

Advinhe a composição da comissão de especialistas que o juiz "obrigatoriamente" deve escutar, embora a fraude tenha sido comprovada pelos trabalhadores. O projeto diz claramente: de cinco membros, três serão profissionais "com experiência" em matéria de organização industrial e "administração de empresas", e o resto será composto por dois advogados com a mesma experiência – organização industrial e administração de empresas.

É preciso reconhecer que o governo não cometeu erros nesta questão. No bom chileno: cinco profissionais com perfil empresarial que, como é conhecido desde os tempos da Coalizão, entendem o mundo melhor do que todo o resto dos mortais. O direito fundamental de negociação coletiva dos trabalhadores é um detalhe irrelevante.

Para os técnicos da direita, nada no mundo é desconhecido. De qualquer forma, talvez teria sido mais fácil se a Comissão nomeasse um empresário e nos fizesse gastar tempo e dinheiro.

Existe algum representante de perfil sindical ou trabalhador na Comissão de Especialistas? Não seja ingênuo, senhor leitor, os trabalhadores e seus dirigentes não são especialistas em nada. Isso também nos ensinaram há muito tempo.

Obviamente o projeto parece ter sido redatado mais nas oficinas da CPC, do que no Ministério do Trabalho de um país democrático e sério. Matthei fez seu trabalho e seguramente ganhará dos círculos empresariais, o título de "ministra do ano".

E a CUT vai se opôr energicamente? Perguntará algum distraído. O projeto de "multirut" foi defendido com entusiasmo por Martínez, no acordo CUT-CPC. De fato, coincidentemente, no jornal La Tercera, em um editorial redigido com seu habitual olhar pró-empresarial, dizia: com o mesmo entusiasmo de Martínez, que tinha que apoiar o acordo CUT-CPC, porque era a oportunidade do futuro.

O governo e seus aliados fazem a jogada clássica da democracia chilena: o tecnicismo. Apostam nisso porque sendo uma questão jurídica, à primeira vista distante e inacessível para trabalhadores comuns, ninguém sabe a verdade de seu conteúdo e menos de suas intenções: enganar novamente os trabalhadores.

Mais um engano, neste caso, "multiengano". Depois de 22 anos de esquecimentos e promessas incumpridas, Matthei vai pensar, não é tão grave. De fato existem menos trabalhadores sindicalizados e que negociam coletivamente em termos proporcionais hoje do que quando Pinochet se foi. Repetirá: não é problema nosso.

E sabe que a senhora ministra tem alguma razão. Se depois de quatro governos de centro-esquerda – que se emocionavam até as lágrimas nos 1º de maio com essa de "companheiros trabalhadores"- nada se fez para mudar as coisas, não cabe a ela, e muito menos ao seu goveno fazê-lo.

Clotario pode continuar se revirando em sua tumba.

*José Luis Ugarte: profesor de direito do trabalho da Universidad Diego Portales