Crise do sionismo; mudança de rota em Israel
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, da direita israelense mais virulenta, enfrenta desafio sem precedentes na história recente de Israel. Como primeiro-ministro que mais tempo permanece no poder, posto que ocupa há mais de três anos, Netanyahu parecia inamovível.
Por Patrick Seale, em Gulf News
Publicado 13/05/2012 21:34
Mas figuras das mais destacadas do establishment de segurança em Israel, assim como judeus norte-americanos de grande prestígio moral, já começam a contestar abertamente duas das principais políticas de Netanyahu: a ideia de que o programa nuclear iraniano seria “ameaça existencial” para Israel, com risco de Holocausto iminente; e a obcecada expansão das colônias exclusivas para judeus nos Territórios Palestinos Ocupados, com vistas, como muitos suspeitam, a criar um “Grande Israel”.
A oposição a Netanyahu pode ter consequências de longo alcance. Por um lado, parece já ter afastado qualquer possibilidade de ataque preventivo dos israelenses ao Irã, como Netanyahu ameaça, e ameaça que trombeteia já há mais de um ano; por outro lado, fez reviver a possibilidade de uma solução de dois Estados para o conflito Israel-palestinos, que muitos consideravam moribunda, se não morta.
As críticas mais fortes contra Netanyahu têm vindo de alguns dos chefes militares e de inteligência mais condecorados e prestigiados no país. Por exemplo, Yuval Diskin, recentemente aposentado na função de chefe do Shin Bet, o serviço de segurança interna de Israel, disse numa reunião, no final de abril, que “não confia nos atuais líderes políticos de Israel, que podem arrastar o Estado a uma guerra contra o Irã ou a uma guerra regional.” Acusou Netanyahu e o ministro da Defesa Ehud Barak de tomar decisões movidos por “sentimentos messiânicos. (…) Conheço os dois bem de perto e não são Messias. Não são pessoas em cujas mãos gostaria de entregar o volante.” Muito diferente de por fim a algum programa nuclear iraniano, Diskin previu que um ataque israelense resultaria em “aceleração dramática do programa nuclear do Irã”.
O comandante geral do Exército de Israel, tenente-general Benny Gantz, é outro alto oficial que abertamente contestou a retórica apocalíptica de Netanyahu. “Entendo que os líderes iranianos são homens muito racionais”, disse ele ao jornal Haaretz em abril, acrescentando que o Líder Supremo do Irã, Aiatolá Ali Khamenei, ainda “preferirá andar muito”, antes de construir armas atômicas. O atual chefe do Mossad, Tamir Pardo, também contradisse Netanyahu. Para ele, o Irã não representa qualquer tipo de “ameaça existencial” ao estado judeu. E Meir Dagan, celebrado ex-chefe do Mossad, ridicularizou o discurso ‘guerreiro’ de Netanyahu: para ele, a ideia de atacar o Irã foi “a ideia mais estúpida que ouvi em toda a minha vida”; disse também que qualquer ataque preventivo de Israel ao Irã seria “temerário e irresponsável”.
Em entrevista a Ben Caspit de Ma’ariv dia 27 de abril, atacou também a coalizão de pequenos partidos que apoia Netanyahu; os pequenos partidos, cada um deles com sua respectiva agenda estreita, tira do primeiro-ministro qualquer real liberdade para agir: para manter a coalizão, Netanyahu tem de render-se às imposições dos partidos.
Dagan criticou sobretudo os Haredim, judeus ultraortodoxos e conservadores, que não prestam serviço militar, são beneficiados por isenção de impostos e promovem a segregação sexual em Israel – como também em New York! Para Dagan, o ‘espírito da lei’ exige “distribuição igualitária da carga para todos os cidadãos”. Os Haredim devem ser obrigados a prestar serviço militar (como também os cidadãos árabes-israelenses, que devem cumprir serviço obrigatório, se não no exército, pelo menos na polícia, na brigada de bombeiros, ou no Magen David Adom, o equivalente israelense da Cruz Vermelha ou do Crescente Vermelho). Ephraim Halevy, outro ex-chefe do Mossad, também declarou publicamente que “a radicalização ultraortodoxa é ameaça maior que Ahmadinejad”; e o Irã não traz qualquer perigo existencial a Israel.
A solução dois Estados
Shaul Mofaz, ex-comandante geral do Exército e ex-ministro da Defesa de Israel, e novo líder do Kadima, partido centrista, disse recentemente pela televisão, que qualquer ataque ao Irã seria “desastroso”. Netanyahu, disse ele em tom indignado, “quer criar para ele mesmo a imagem de protetor de Israel.” Acusou o primeiro-ministro de usar o Irã como ferramenta para distrair as atenções dos protestos de setembro último, quando 450 mil israelenses tomaram as ruas de Telaviv exigindo justiça social.
Essas declarações, vindas de anteriores e atuais altos chefes da segurança israelense, mostram o quão abertamente as ideias de Netanyahu estão sendo contestadas e que há muitos israelenses que clamam impacientemente por mudanças.
Quanto à questão palestina, dois artigos chamam a atenção, no International Herald Tribune dia 25 de abril (reproduzidos do New York Times), e também apontam para uma onda de pensamento novo entre judeus de prestígio. Um deles, Ami Ayalon, ex-comandante da Marinha de Israel e ex-chefe do Shin Bet, prega “outra abordagem unilateral radicalmente nova” do problema palestino, que crie “as condições para concessões territoriais, baseadas no princípio dos dois Estados para dois povos, que é essencial para o futuro de Israel como Estado judeu e como Estado democrático.”
Para divulgar suas ideias e arregimentar apoiadores, Ayalon criou uma organização chamada “Blue White Future” [Futuro Azul e Branco]. Diz ele que Israel não precisa esperar por acordo definitivo com os palestinos. Em vez disso, Israel deve renunciar aos territórios a leste do muro da Cisjordânia e encerrar para sempre a construção de colônias naquela região, como também na Jerusalém Leste Ocupada, e planejar a realocação em Israel dos 100 mil colonos judeus que vivem do lado hoje israelense do muro. Israel, diz ele, deve “providenciar compensação voluntária e uma lei de integração para os colonos que vivem a leste do muro”. Se nenhum acordo for possível com os palestinos, Ayalon prega que Israel crie, em campo, uma realidade de dois Estados.
Na mesma página do International Herald Tribune, Stephen Robert, proeminente filantropo judeu, ex-dono de banco de investimentos e hoje presidente da Source of Hope Foundation [Fundação Fonte de Esperança], prega um “reset” no pensamento dos judeus. Para ele, Israel já não é “um pequeno Estado vulnerável”; tornou-se “a mais poderosa força militar no Oriente Médio”; a única ameaça existencial que pesa contra Israel é o fato de “ter ocupado o território de 4 milhões de palestinos por mais de 40 anos. Virtualmente aprisionados, os palestinos não têm liberdade para movimentar-se nem gozam de direitos civis ou políticos. Vivem como prisioneiros, sem terem praticado qualquer crime. Vivem sem água e sem empregos, considerados cidadãos de lugar nenhum…”
Num apelo apaixonado, acrescenta: “Os israelenses têm de entender que, ao dar liberdade aos palestinos, também se libertarão eles mesmos. Estado que discrimina, persegue e renega os vizinhos de modo tão similar ao modo como os judeus fomos tratados por nossos perseguidores não pode ser aceitável.”
Peter Beinart, em seu livro recentemente publicado, The Crisis of Zionism [A crise do sionismo] (Times Books, 2012), dá outro sinal claro de o quanto os judeus começam a entender que Israel optou pelo caminho errado e exigem mudança de rumo. Beinart prega declaradamente o boicote de produtos das colônias israelenses ilegais nos Territórios Palestinos Ocupados – medida já adotada por uma cadeia de supermercados, Co-Operative Group, a quinta maior empresa varejista de alimentos do Reino Unido.
Quando Israel celebra seus 64 anos de existência, começam a soprar ventos de mudança na mente de seus mais respeitados militares e oficiais de segurança e de alguns de seus mais apaixonados apoiadores no ocidente. Espera-se que palestinos e todo o mundo árabe respondam positivamente, o mais rapidamente possível, a essa muito bem-vinda evolução.