Marcio Cabral: Chega de cegueira

A cada dia que passa nos aproximamos do período eleitoral e as divergências vão ganhando forma. A pauta do momento são os ataques sistemáticos ora ao Partido Comunista do Brasil, ora a sua candidata, a deputada Manuela d'Ávila. E estes vem de todos os lados! Mas não acredito que isto seja apenas o anticomunismo, ou meramente uma intolerância política. O que incomoda mesmo é a possibilidade de Porto Alegre ser governada por uma liderança que não está associada à imagem que se perpetua em nossa capital – a dos partidos que foram incapazes de resolver os problemas da cidade.

Isto me faz lembrar o fantástico livro “Ensaio sobre lucidez”, do autor português José Saramago. Nele, em um dia qualquer, em uma cidade qualquer, eleitores despretensiosamente vão às urnas e votam massivamente em branco. Nenhum partido seja de situação ou oposição consegue ganhar a simpatia da população e simplesmente todos tomam a decisão de se abster através do voto em branco.

A partir disto, os políticos, sem conseguirem entender o porquê deste fenômeno, tratam de atribuir a culpa naqueles “que atentaram contra a democracia e a ordem – os eleitores”. Como podiam ousar votar em branco? Ou pior, como ousavam não votar em seus partidos? A partir daqui desenvolve-se a trama do livro: o governo e as autoridades deixam a cidade entregue a sua própria sorte, abandonando-a sem governo, sem Estado para punir aqueles que não queriam ser governados por aqueles que haviam sido rejeitados nas urnas.

Saramago desenvolve assim uma crítica fantástica às instituições do poder político: sob a democracia podem estar vetores de natureza autoritária – lúcido é quem os enxerga. Ou como mesmo disse no documentário “Janela da alma” – “as próprias imagens que nos mostram da realidade são imagens que substituem a realidade”.

Em 2004, Porto Alegre viveu o seu momento que para alguns é chamado de cegueira e para outros de lucidez. Naquela eleição, as urnas derrotaram uma proposta que guardava em si avanços históricos, que servia de referência para a esquerda de todo o mundo. Mas esta proposta também seguia coberta de soberba e arrogância e, de costas para a maioria que desejava mudança, não compreendia que o discurso tratava com intolerância as divergências de rumos para a nossa capital. Os derrotados daquele ano demoraram algum tempo para perceber tudo isto.

Em 2010 coube ao movimento liderado por Tarso Genro e seus aliados mostrar que as lições de 2004 haviam sido fundamentais para um projeto de retomada política, com diálogo e visão inovadora. Sinceramente, espero que neste ano tais ensinamentos não sejam mais uma vez esquecidos por uma parcela importante da classe política porto-alegrense. Mas o que acompanhamos na imprensa, nas redes sociais e, principalmente nos conchavos de bastidores, é que farão o possível e o impossível para evitar que Manuela possa protagonizar um novo momento para Porto Alegre.

Para um dito partido inclusive, é preferível abandonar a cidade a sua própria sorte, ou seja, é melhor permanecer como está, do que “entregar a cidade aos comunistas”, ora responsáveis pelas "atrocidades da humanidade", ora "defensores da política sem conteúdo". Eis que a intolerância adormecida ressurge de sua hibernação.

A mais absurda do momento é que a forma de travar a disputa busca atingir a imagem de Manuela e de seu partido, dizendo que ambos não tem projeto e nem conteúdo. Mas, contraditoriamente, no mesmo momento dizem que a mesma candidata e seu partido rasgam seus princípios e programa para “se aliar ao atraso neoliberal”. Alguém sem projeto e conteúdo tem programa? Ou pior, atraso neoliberal, companheiros? Como assim? Alianças só servem para os outros? Ou estamos esquecendo que o partido de Lula, Dilma e Tarso celebra uma ampla aliança nacional em torno de um projeto de desenvolvimento, inclusive sustentado pelo PCdoB e os outros partidos que agora vocês querem atacar?

Chamar de incoerência a aliança com o Partido Progressista beira a safadeza quando isto é dito por tais companheiros! Que moral têm quando constroem alianças com partidos estranhos ao projeto defendido por vocês mesmos? Ou o PV de Gabeira e do governo de São Paulo tem identidade com a Porto Alegre dos anos noventa?

Confesso que a cegueira dos companheiros pode levá-los a mais uma década a margem da política da nossa cidade, porque o discurso arrogante e de baixo nível não cabe naqueles que buscam governos aliados aos anseios do povo e do futuro dos nossos filhos.

Marcio Cabral
Dirigente estadual do PCdoB-RS