Frente de Esquerda:“Agora se trata de derrotar Sarkozy”
Neste domingo (06), a França vai às urnas. Francois Hollande, do Partido Socialista, e Nicolas Sarlozy, candidato à reeleição. Para a esquerda, a opção é derrotar Sarkozy, direitista e imperialista, para frear a política que leva o país ao abismo. Na última sexta-feira na Praça de Stalingrado, em Paris, Jean-Luc Mélenchon, candidato da Frente de Esquerda, que obteve 4 milhões de votos, reuniu uma multidão para declarar o voto da coalizão. Leia a íntegra de seu discurso.
Publicado 06/05/2012 05:26
Baixem as bandeiras, para que eu possa vê-los!
Caros amigos, caros camaradas. Mais uma vez, vocês respondem ao chamado das organizações da Frente de Esquerda. Quero lembrá-los, mais uma vez, nesta praça dos mártires de Stalingrado, que aqui nos reunimos no primeiro comício das eleições presidenciais, e também no último dos comícios daquela campanha.
Voltamos a esta praça hoje, porque é importante que todos vejam, em toda a França, que a força que constituímos não foi aglomeração de circunstância, mas um grande movimento, educado, politizado, que assume conscientemente uma via capaz de, de modo disciplinado, mostrar o que é direito de todos esperar de nossa revolução cidadã.
No dia 22 de abril, pelos votos que recebemos e por nosso trabalho paciente – e não só o meu trabalho, que não é o mais importante –, mas pelo trabalho de milhares e milhares de vocês, militantes, homens e mulheres, além de outros, dos muitos de nós que, pela primeira vez na vida, envolvem-se numa batalha política. E se dedicaram a buscar cada um o seu vizinho, a sua vizinha, para explicar e tornar compreensível para eles as raízes da infelicidade que desgraça o mundo.
E cada um que, também na vida profissional, se dedicou a mostrar – desafiando a propaganda que repete, sem parar, sempre o mesmo discurso alucinado –, que o problema da França não são os imigrantes. Porque o problema da França são os banqueiros!
E todos que trabalharam, com a paciência que é própria do povo, desde que se põe em movimento, e com a inteligência dos muitos, quando ele busca ir iluminando progressivamente as trevas do preconceito, o obscurantismo do egoísmo social.
Com nossos votos, constituímos juntos uma força imensa! Quatro milhões de votos reuniram-se em torno de nossa candidatura comum. Nada menos que três quartos, do avanço da esquerda vem de nós!
Hoje, seria absolutamente impossível pensar em qualquer tipo de vitória da esquerda, se vocês não tivessem feito, todos vocês, esse trabalho paciente e obstinado, ao longo do qual vocês, com muita razão, tantas vezes se impacientam.
Em metade das cidades de mais de 150 mil habitantes, a Frente de Esquerda alcançou seu objetivo de passar à frente dessa força maléfica e obscura que é a Frente Nacional. Nas cidades populares, em toda a parte, ficamos na frente, por milhares e milhares de votos populares, nas cidades, nas vilas distantes, estamos à frente.
Essa força aí está, e não é constituída em benefício de um homem ou de um partido, ela não é constituída para olhar o próprio umbigo, ou para meter-se em disputas de obscuras comparações de adjetivos ou batalhas de vírgulas, mas para pesar sobre a realidade, para tomar a história no momento em que ela vacila e fazê-la andar na direção que nós determinamos que ela vá, custe o que custar. E tem de ser assim, se quisermos afastar de nós a dupla catástrofe do fascismo que se organiza em toda a Europa e a catástrofe da mudança climática, a catástrofe ecológica que nos ameaça e contra a qual ninguém dos que mandam no mundo faz coisa alguma.
Somos todos coletivamente responsáveis por essa força. E agora, ataquemos o assunto principal, por difícil que seja.
A primeira responsabilidade que temos é a responsabilidade ante nós mesmos, precisamente em relação à força que constituímos. Nós nos devemos, uns aos outros, o respeito, que é condição de nossa união. Se é verdade que a maioria de nós já decidiu sobre o voto essencialmente importante de domingo, também é verdade que muitos de nós ainda pensam, hesitam, e têm nobres razões para hesitar.
Nosso ponto de vista e o modo de falar uns aos outros não será a demonização, o pôr contra a parede, a estigmatização, mas o trabalho da razão e do convencimento. Só assim continuaremos a ser a grande força que somos. Não há outro chefe entre nós, que o dever que a consciência nos dita.
É indispensável essa reflexão aprofundada que nos aguarda neste fim de semana, talvez com nossos filhos, se nos perguntarem, pedirem conselhos, se quiserem compreender o que faremos, dado que eles não votam. É a reflexão de cada um, cada uma, na cozinha de casa, na sala de casa, antes de votar e fazer sua profissão de fé, porque essa reflexão o levará a tomar partido, e, assim, transformará cada um, cada uma, de dentro para fora, quando escolhe o futuro que cada um propõe para todos. Preparar o próprio voto é ato de imensa significação humana, filosófica e política. É unir-se à comunidade humana, declarando que se partilha do interesse comum. Por isso é tão importante pensar bem o próprio voto.
Por isso lhes digo que a primeira reflexão é apelar ao senso comum. O voto é, antes de tudo, voto de ação, determinado a pesar sobre os acontecimentos. O voto não existe para manifestar alguma sensibilidade ou alguma inclinação pessoal.
É preciso que assim seja, porque eles tentarão nos desmobilizar.
Não duvidem, nem por um segundo: eles já compreenderam muito bem o que resultará da derrota que temos de impor a eles. Já compreenderam muito bem que o voto do povo nesse momento não é um cheque em branco, não é ato votivo, mas, ao contrário, é um élan, um impulso, um momento no qual a força se acumula para projetar-se, para lançar-se para o futuro. Peçam, exijam contas dos que têm obrigação de prestar contas, e apertem a garganta dos poderosos de hoje!
Vejam, meus amigos, como, às vezes, uma hesitação pode ter consequências importantes, não previstas. Pensem no colega de trabalho, no conhecido, na amiga, na conhecida da cidade, num familiar, um desses que foram atraídos pelo projeto que apresentamos, pelos meios que mobilizamos, pela poesia que pusemos em ação no nosso projeto, em todas essas belas coisas que fazem sonhar, não no sentido do delírio, mas sonhar no sentido de dar vontade de pôr-se em ação. Pensem em todos esses que, depois, no último momento, ouviram a voz insidiosa dos que nos caluniaram, tentaram nos diminuir: a voz do fantasma do voto ‘útil’.
Sim, sim, respeitamos a escolha deles, respeitamos a decisão deles, compreendemos, sim, mas é preciso dizer: vejam bem, vocês, a consequência do que fizeram!
Se tivessem nos ouvido, se tivessem vindo nos ajudar, quando os convocamos, teriam posto Madame Le Pen e os outros fascistas, atrás de nós. Sim, sim, vocês entendiam que estariam fazendo o melhor, votando ‘útil’, como supunham, para afastar de vez a Frente Nacional. Mas e agora? Estão vendo o que fizeram? Fizeram exatamente o contrário!
De certo modo, o que vocês fizeram foi instalar a Frente Nacional num pedestal confortável, e nos obrigaram a passar mais duas semanas sem ouvir uma palavra sobre salários, ou sobre educação, ou sobre saúde, ou sobre o lugar da França na grande batalha pelo destino humano ante a crise ecológica. Mais uma vez, passamos dias e dias sendo embrutecidos pelos ataques contra os imigrantes! Que insuportável tolice fizeram, que não os levou a nada! Esses ataques nada fazem além de semear mais ódio, mais feridas.
Por isso lhes digo, caros camaradas, que ainda não avaliamos completamente a amplidão [daquele erro], porque, outra vez, o que tivemos foi a estupidez bestial da máquina infernal da Frente Nacional e suas máximas.
Alguém ainda poderia pensar que fosse só isso, mais uma vez, os feitos de uma seita doentia, que já conhecíamos. E era isso, mas era muito mais!
As mesmas palavras pervertidas foram repetidas pelo atual presidente! Que validou o raciocínio mais imbecil que se ouviu! O presidente repetiu, por exemplo, que os imigrantes seriam culpados do desequilíbrio das contas sociais. A verdade é o contrário! Vocês sabem que, de fato, eles dão 12 milhões de euros a mais, do que recebem! [Resistência! Resistência!]
Homens e mulheres, dentro de poucos dias, vocês serão chamados a eleger seus deputados. Digo-lhes que, outra vez também, é a mesma coisa. Pensem bem no que fazem. E que, dessa vez, tratem de ir na direção da insurreição de esquerda!
Aqui está a jovem guarda da esquerda! Os jovens, os que marcham, os que lutam. Mais uma vez, todos os que sofrem e lutam na França têm todo o direito de estar representados na Assembleia Nacional. Ponhamos lá esse grupo forte, disciplinado, obstinados, que jamais cedem!
Porque somos todos, vocês e eu, corresponsáveis pela força que constituímos juntos. Convoco, em nome de vocês, todos que nos escutam e confiam em nós: mostrem-se, apareçam nesse novo episódio da batalha, com responsabilidade. Ser responsável não é renunciar aos seus objetivos. Ser responsável, ao contrário, é tomar a peito a parte do futuro que depende de cada um.
Na França, não se faz coisa alguma na esquerda sem nós. E, conosco, tudo é possível.
Dirijo-me a vocês com as mesmas palavras, os mesmos objetivos inalterados, do primeiro dia. Não temos de pedir licença a ninguém para nos mobilizar para derrotar Sarkozy. Não precisamos da permissão de ninguém, de nenhum ator, de nenhum acordo no quadro da 5ª República, para alcançar nosso objetivo que, de qualquer modo, começa por arrancar a direita do poder.
Combatente da 6ª República, ninguém se poderá dizer partidário da partilha da riqueza, do salário mínimo de 1.700 euros, do planejamento ecológico-econômico, da saída da França da corte dos EUA e da Otan, não poderemos fazer nada disso, se, primeiro, não arrancarmos Sarkozy do poder.
Ainda uma palavra, que devemos distribuir a todos os demais. Convoco todos a assumir a responsabilidade de cada um, caros camaradas, a assumir a responsabilidade de cada um, na história. Estamos escrevendo uma página da história da esquerda, reconstituindo, pela primeira vez depois de 30 anos, a outra esquerda, e presente, contando-se aos milhões os que aqui se reúnem.
Essas imagens que correm o mundo, de nossos comícios gigantes, de nossas bandeiras vermelhas, geraram mensagens de apoio de toda a Europa. E nos ajudam a pensar.
Decidimos derrotar Sarkozy e, para isso, votamos em Hollande. E, ouçam bem. Precisamos de uma grande, de uma ampla derrota de Sarkozy. Quanto maior for, mais forte o impulso que dela resultará.
Li o que disse o companheiro Oskar Lafontaine, líder do partido “A Esquerda” alemão, que não hesitou em dizer que, se derrotarmos Sarkozy, provocaremos um terremoto na Europa inteira, do qual todos precisam muito.
Os operários e sindicatos alemães sabem que hoje 20% da população ativa vive no limite da linha da pobreza. Sabem que os níveis de pleno emprego, como dizem, na Alemanha, só existem, porque já há lá uma legislação que Sarkozy tenta implantar aqui. Por essas leis, se o empregado recusa o emprego que lhe seja proposto, perde o direito a qualquer tipo de indenização e, portanto o empregado é condenado ao subemprego.
Em outubro, os alemães votarão. A esquerda alemã não conseguiu construir candidato à presidência, e observam muito atentamente o que estamos fazendo aqui. Estarei lá, naquela batalha, como, depois, estarei também na Grécia. Os companheiros gregos já disseram que precisam do que estamos aprendendo na França, para que a esquerda também lá vote em massa!
Os irlandeses também votarão, em maio, um referendo, para decidir se o Tratado Europeu deve aplicar-se lá, ou não.
Camaradas, companheiros, amigos, franceses, vocês estão sendo convocados para resgatar todos os povos de toda a Europa! Cumpriremos nosso dever!
Nossa autonomia duramente conquistada, por uma política inflexível que anuncia seus objetivos e não os abandona pelo caminho, brota do nosso programa, que tivemos a sorte de discutir e construir ao longo do tempo, instrumento de nossa autonomia.
Por tudo isso lhes digo que a Frente de Esquerda estará no poder dentro de dez anos. O que não significa que demore dez anos!
Não teremos de esperar dez anos, porque seremos convocados aos nossos postos de combate bem antes disso. Já recebemos a mensagem da Europa: e ela vem, se bem a compreendo, da pior direita europeia, ao futuro presidente da França, seja quem for, e esperemos que seja François Hollande, não Nicolas Sarkozy.
A mensagem vem do dito presidente da União Europeia e vem também do banqueiro do Banco Central Europeu: a política de austeridade é o centro de qualquer política aceitável na Europa. Significa que a batalha começará na segunda-feira, de manhã cedo.
Se tivermos derrotado Sarkozy, só haverá duas vias possíveis: capitular ou resistir. E para resistir, estamos prontos!
Camaradas, nossa força implica nosso dever. O dever político não pode ser moralmente partilhado. Não se pode entregar o trabalho a outro. Cabe a cada um, como adulto responsável, lúcido, consciente, fazendo política, não profecia, tomar seu título eleitoral e votar. Essa a tarefa, esse o dever moral de quem queira olhar-se no espelho e dizer: fiz o que tinha o dever de fazer.
Não somos essa espécie de animal vociferante, como os energúmenos reunidos como tropa de muares em torno de Madame LePen, que, em 40 anos, serviram para rigorosamente nada, além de disseminar ódio entre o povo e fazer as pessoas detestarem o vizinho, o próximo.
E vejam só, essa nada! Quando chega o momento de decidir, o que ela decidiu? Nada. É cúmplice do sistema, que o faz durar, durar, durar, para nunca acabar! Quanto antes nos livremos disso, quanto antes poderemos responder às perguntas que se impõem aos nossos povos e ao nosso continente.
Domingo, quando usarmos nosso voto, saberemos que nos livramos de dois, pelo preço de um.
Domingo, então, temos esse dever. E imediatamente depois, começa a batalha pelas eleições legislativas.
Ainda não sei, porque ainda não tivemos tempo de decidir sobre isso, qual será minha participação pessoal nesse combate geral. O que sei é que é mais fácil para mim voltar ao meu velho posto de combate, que me foi confiado. Mas, dessa vez, como das outras vezes, irei aonde o dever mandar que eu vá.
Espero que outros da minha geração respondam ao meu apelo e comportem-se como devem, em relação à geração seguinte, como é nosso dever hoje.
Sejamos, amigos, camaradas, os guias que levem os demais pelas trilhas que haja, difíceis, se forem difíceis, sem nos dividir, sem perder o foco. As trilhas difíceis são perigosas, sim, mas são mais rápidas, porque são menos frequentadas.
Sejamos a luz que ilumina o caminho, mas, sobretudo, os que passam o bastão, a chama, a bandeira, nossa bela bandeira vermelha que se agita ao vento da nossa pátria comum.
É muito provável que eu participe da batalha legislativa, talvez em Paris, talvez em Marselha. O resultado não me ocupa nem preocupa. Cuido sempre mais do combate, que do resultado.
Falo a cada um de vocês. Nos reunimos, porque há um rito a cumprir. É importante que todos se vejam aí, e que outros muitos, nos lugares mais distantes, mais isolados, os vejam aí, como sardinhas em lata, para que se sintam muitos, apoiados, amparados pela solidariedade dos camaradas, essa nossa força de idades tão diferentes, das profissões mais variadas, com tantas e diversas esperanças, todos empenhados em dar o melhor de nós, à luta pelo bem comum, em todos os serviços, em todas as profissões, seja qual for o lugar que ocupamos na sociedade.
Todos, ajudem a França a virar essa página!
Se não o fizermos, a vergonha será enorme. Se torcermos o pescoço a esse horror chamado de “LePenização” da direita, conseguiremos demonstrar que, numa eleição, não vale a pena comportar-se como grande fascio.
O povo francês aspira a uma unidade de fraternidade e recusa-se a apontar o dedo acusador ao vizinho, por sua religião.
Espero que o que teremos de lutar aqui terá efeitos por toda a Europa. O “basta” que diremos aqui ecoará por toda a Europa. E fará andar avante o movimento de todos os povos europeus que lutam contra a miséria. Sei que virar a página não basta.
Também sinto, como vocês, que a história é lenta, é cruel, mas viraremos essa página, porque, assim, teremos cumprido a primeira etapa do que temos de fazer para começar a escrever a história, nós mesmos.
Viva a República! Viva a França! Viva a República Social!