Cidades excludentes levam crianças às ruas
A falta de planejamento e o modelo de desenvolvimento das cidades tem deixado à margem milhões de crianças no mundo, que vivem sem acesso aos mais básicos serviços. No Brasil, apesar de avanços conquistados, a urbanização desordenada e a falta de políticas públicas também têm efeito nocivo. Mais de 24 mil brasileirinhos moram nas ruas. E, se o trabalho infantil tradicional diminuiu, muitas crianças hoje são exploradas em faróis ou no tráfico de drogas, atividades que não entram nas estatísticas.
Publicado 21/03/2012 18:17
De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) – que instituiu o 21 de março como Dia Mundial da Infância – mais de 1 bilhão de crianças vivem em áreas urbanas no planeta. Embora muita gente associe estes locais ao emprego, ao crescimento econômico e à melhor infraestrutura, a verdade é que muitos destes meninos e meninas estão fora das escolas, sem acesso a saneamento básico ou saúde, por exemplo. São as vítimas mais sensíveis de contradições que, na prática, atingem toda a população.
Ariel contabiliza vários avanços na proteção à infância – que vai de zero a 12 anos -, como a ampliação do acesso à educação fundamental; a redução da mortalidade; a criação de órgãos de defesa e proteção ; o fato de a sociedade também estar mais vigilante e denunciar atos de violência contra a criança; a existência de serviços de atendimento a este público em muitos municípios.
Mas estas conquistas não foram suficientes para combater males como a violência, que ameaça milhares de crianças e jovens no País. Segundo o Mapa da Violência 2011, cerca de 21 meninos e meninas são assassinados todos os dias no Brasil. E a situação nesses bolsões urbanos de pobreza e abandono empurra crianças e jovens para as ruas.
Nas ruas
Uma pesquisa da Secretaria Nacional de Direitos Humanos aponta que 23.973 meninos e meninas trabalham ou dormem nas ruas de 75 cidades com mais de 300 mil habitantes. Metade dos entrevistados revelou que vive nesta situação há mais de um ano. Já 65% afirmaram realizar alguma atividade em troca de remuneração.
Ariel ressalta que, apesar ter havido uma diminuição na forma tradicional do trabalho infantil (na lavoura, em mercearias, fábricas e etc), aumentou o trabalho das crianças e jovens nas ruas. “Isso é algo que está escancarado. São crianças que trabalham limpando vidros de carros, vendendo balas ou fazendo malabarismos, por exemplo. Este crescimento é visível”, destaca.
Para ele, estas são atividades piores e mais perigosas até que o trabalho infantil tradicional. Além do fato de que, nas ruas, as crianças estão vulneráveis ao contato com as drogas e com a exploração sexual. Ariel prevê que este tipo problema tende a se agravar.
“Com as grandes obras que o governo vem realizando, inclusive as da Copa do Mundo, há uma tendência dessa situação piorar. Especialmente no Norte e no Nordeste, o desenvolvimento econômico tem chegado sem um respaldo social. Antes destas obras, deveria ser exigido um estudo do impacto social e uma preparação para evitar este tipo de coisa. Centros de assistência social, espaços comunitários, ambientes de atenção psicossocial são fundamentais para o planejamento urbano e o desenvolvimento econômico”, diz.
O governo federal afirma que já está trabalhando no sentido de coibir problemas relacionados às obras, em especial à exploração sexual de crianças e adolescentes. A secretária nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, Carmem Oliveira, explicou, em matéria da Agência Brasil, que as obras atraem muitos homens desacompanhados das famílias e, na maioria das vezes, os municípios têm pouca estrutura para combater esse tipo de exploração.
“Temos evidência que, no contexto das grandes obras, aumentam os casos de violação porque há uma imigração que equivale ao número da população que já existe no município, que não dá conta da nova demanda. Rapidamente se instaura um mercado de prostituição nesses canteiros”, disse a secretária à agência, no ano passado.
Integrar políticas
O presidente da Fundação Criança informou ainda que, hoje, há 37 mil crianças morando em abrigos no país. Na maioria dos casos, elas estão lá porque suas famílias não têm moradia adequada. O que leva a crer que este é um problema mais abrangente que a complexa tarefa de proteger apenas a criança.
“Os programas habitacionais não dão prioridade às famílias cujos filhos estão em abrigos. Prioriza os moradores de áreas de risco e aquelas famílias que podem pagar um financiamento. Isso é um absurdo, porque as crianças são então violadas duplamente, já que além de não terem uma moradia, estão privadas do convívio familiar”, critica Ariel.
Ele destaca que em outras situações, em que os pais das crianças têm problemas com dependência de álcool e drogas, eles também não têm assistência adequada para largar o vício. “Nesses casos, eles têm seus direitos violados pela falta de políticas públicas”, avalia Ariel, para quem mesmo as políticas existentes não estão integradas – o que dificultaria a proteção aos menores. “É preciso atender também as famílias”, aponta.
O especialista avalia que, com os avanços relativos à infância, o maior desafio atualmente é garantir proteção aos adolescentes, uma parcela da população na qual se verifica um aumento da criminalidade e grande falta de oportunidades, com a ausência de ensino técnico e profissionalizante. De acordo com ele, hoje, 15% dos adolescentes não têm acesso ao ensino médio.
“O Brasil tem uma das melhores legislações do mundo nessa área, mas não cumpre, por exemplo, o princípio de priorizar a criança e o adolescente, como também não há uma destinação de recursos que privilegie programas de atendimento às crianças e adolescentes. Isso não é uma realidade”, lamenta.
Segundo ele, este cuidado prioritário teria reflexo em outras questões no país. “O melhor antídoto para combater a violência seria o cumprimento do Estado da Criança e do Adolescente”, exemplifica.
Da Redação,
Joana Rozowykwiat