Lenda guarani em cordel
Escrevi, no apagar das luzes de 2011, um poema em sextilhas de cordel baseado numa das mais belas lendas do povo guarani: a Vitória Régia. O livro será ilustrado por Veruschka Guerra, um dos mais belos traços da literatura infantil brasileira, cujo talento pode ser comprovado na imagem acima reproduzida. Abaixo, os versos que descortinam a história:
Por Marco Haurélio (*)
Publicado 05/01/2012 20:29
O vento vindo do Sul
É como a voz do ancião,
Sabedoria surgida
Em tempos que longe vão,
Flores que hoje são colhidas
No jardim da tradição.
Muitas lendas são contadas
Pelo povo guarani.
De uma delas pelo menos
Eu nunca mais esqueci:
A linda história de amor
De Pitá e Moroti.
Pitá, um bravo guerreiro,
Moroti, linda donzela.
Se ela o amava demais,
Ele fazia por ela
Tudo o que fosse possível
Para a alegria dela.
Entre o bonito casal
Reinava a felicidade,
Porém, debaixo do sol,
A inveja e a maldade
Jamais aceitam que alguém
Seja feliz de verdade.
Tanto que Pitá dizia:
— Moroti, ouça um segredo:
Apesar de tão feliz,
Confesso que tenho medo
De um dia a nossa ventura
Ir embora no degredo.
A moça, porém, falava:
— Deixe de inquietação;
Nada vai nos separar,
É seu o meu coração.
Acalme-se, pois não há
Motivo para aflição.
Pitá apenas sorriu,
Beijando o rosto da amada.
Despediu-se quando a Lua
Enfeitava a madrugada
E o sabiá já cantava,
Anunciando a alvorada.
Nota: A lenda reproduzida neste livro era contada há muitas gerações pelo povo guarani, que vivia às margens do rio Paraná, do lado argentino. Boa parte na nação guarani sucumbiu à invasão de suas terras, pelos europeus, a partir do século 16. Além de serem submetidos a trabalhos forçados e a outras formas de violências, muitos não resistiram às doenças trazidas pelo colonizador branco.
Os guaranis, atualmente, vivem em algumas regiões do sul do Brasil e do Paraguai. Neste país, sua presença é tão forte que o guarani tornou-se a segunda língua. A história apresenta algumas diferenças da conhecida lenda amazônica, mas, no essencial, está muito próxima dela. Uapé, a história em que se baseia o nosso cordel, foi publicada em Buenos Aires, em 1949, por Ernesto Morales no livro Leyendas guaraníes. Uapé — ou wa’pé — é o nome indígena da vitória régia.
(*) Baiano de Riacho de Santana, Marco Haurélio é cordelista, poeta, editor, professor e pesquisador do folclore brasileiro e da literatura de cordel.
Fonte: blog Cordel Atemporal