Publicado 06/12/2011 12:01 | Editado 04/03/2020 16:30
Ao saber da morte do ex-jogador Sócrates nas primeiras horas deste domingo (4 de dezembro) uma verdadeira enxurrada de lembranças se precipitou sobre minha cabeça. Pego de surpresa, por alguns instantes, fiquei desolado e triste a recordar antigas imagens como que um videotape estivesse a invadir o meu cérebro.
Foi como que eu estivesse ali, naquele exato momento a me transpor no tempo e no espaço. Vi-me nos meus quinze anos na casa do vizinho sentado no chão assistindo os memoráveis jogos do campeonato brasileiro dos anos 80. Vendo(de novo) com absoluto estranhamento aquele homem magro, quase esquelético e desajeitado mas, de toques refinados a desfilar seu futebol arte nos gramados paulistas, depois, pelo Brasil e pelo mundo… Ao meu juízo de menino profundamente apaixonado pelo Flamengo, era(ele) talvez o único que se igualaria ao nosso galinho.
Revi mentalmente seus grandes gols. Seus momentos inesquecíveis de comemoração corintiana divididos com Palhinha e depois com Casagrande. O doutor foi sem dúvida um atleta diferenciado. Um dos melhores que já vi jogar. Que ousava desafiar os velhos padrões da época com seus passes inusitados – de calcanhar.
Anos depois vivi o sonho e, me deliciei com o doutor a fazer dupla com meu ídolo de infância: Zico. Primeiro na própria seleção brasileira. Por sinal, a melhor de todos os tempos que eu vi jogar durante a Copa do mundo de 1982 na Espanha. Oportunidade em que só fomos derrotados pelas circunstâncias do destino. Fomos campeões da elegância pela força da arte daquele time de estrelas. E o mundo foi testemunha deste fato. Que saudade do mestre Telê. Enfim, coisas, como dizem do futebol.
Antes, durante os amistosos para o mundial e na copa América, fiquei estupefato pelo futebol daquele atleta estranho, quase um alienígena, que antes de brilhar no Corinthians, apareceu no modesto Botafogo de Ribeirão Preto. Um paraense que se fez paulistano pela força estonteante do seu belo futebol. Um craque na acepção mais lídima da palavra. Quase mais um "barbudo" de sierra maestra que eu também o viu psicologicamente no livro "A ilha de Fidel", tamanho era meu entusiasmos para com a sua figura altiva com a bola nos pés.
Um grande craque que não precisou da mídia-marrom e interesseira para se fazer forte e monumental como o foi a vida inteira. Um craque que não se deixou embriagar pela gana dos milhões de dólares. Tampouco, não se fez mercenário diante das tentações da fama como tem sido comum. Um atleta que amou o Brasil em todas as cores que ele defendeu. Um ídolo inteligente que respeitava a torcida, para qual dedicou boa parte da sua carreira futebolística. Um cidadão que usou seu futebol inclusive para a construção da nossa democracia, quando subiu e emprestou sua fama ao palanque das "Diretas Já". O que não era comum…
Foi ele, o chamado, artífice da democracia corintiana, cujo gesto e ação serviram de modelo e instrumento para quebrar grandes ditaduras 'timescas' pelo país afora. De modo que desde então, a cartolagem nunca mais foi a mesma… Um cara tão especial, que até agora a pouco, antes de partir para a eternidade, deixou sua crítica e seu necessária recado contra a podridão que ora está a ocorrer na CBF ante a figura do seu presidente perpétuo – Ricardo Teixeira. Um escândalo explícito e vergonhoso, que acontece sob o silêncio cúmplice, medroso e covarde de muitos e, sobretudo da imprensa nacional. Pedira Sócrates: "Novas diretas já! Diretas já para presidente da CBF”. Que o Brasil antes da Copa, possa ter ouvido o doutor…
E eu permaneci mergulhado em minhas lembranças. Revi o gol espetacular que ele marcou certa feita, num amistoso do Brasil em São Paulo contra o time do Ajax. Bem como de tantos outros que ele marcou no Corinthians e também vestindo a camisa amarelinha da nossa seleção. Das suas assistências perfeitas. Dos seus belos passes de calcanhar. Dos dribles maravilhosos. Do seu jeito especial de tocar na bola, dos seus chutes e lançamentos. Ainda, da sua forma de comemorar de braço levantado e punho cerrado. Dos seus abraços entusiasmados com o galinho de Quintino, Casagrande e Palhinha…
Lembranças da sua vinda para o meu Flamengo, após retornar da Itália, quando jogou pela Fiorentina. Da massa rubro-negra 'enfurecida' de alegria a esperá-lo no aeroporto. Assim como, da sua apresentação na Gávea ao lado de Zico que acompanhei nas tardes do antigo Globo Esporte com Léo Batista e Márcio Guedes. Enfim, boas saudades adolescentes que o nosso eterno Sócrates me proporcionou e que agora me valem pela vida inteira.
Sócrates não tinha apenas um nome de filósofo.Tinha um coração bondoso, uma cabeça inteligente e um futebol que encantava. O que certamente o fará figurar para sempre no panteon dos grandes ídolos que este país já conheceu e produziu e, que permanecerão na memória de toda uma geração. Valeu magrão! Obrigado doutor Sócrates!!!
Penso que fui um privilegiado, por ter tido a sorte de um dia ter presenciado o futebol de Sócrates, Zico, Dinamite, Falcão, Reinaldo, dentre outras… Mas, o que será dos meus filhos e desta nova geração que não terão esta verdadeira dádiva de puderam conhecer estes craques imortais? Eu não vi Pelé jogar, porém vi Zico, Dicá, Zenon, Jorge Mendonça, Sócrates…
Eles, haverão de se contentarem com a visível mediocridade de jogadores que(na atualidade) só enxergam dinheiro, baladas e fama. Encandeados demais com os holofotes de uma mídia enganadora e falsária que está a fazer uma verdadeira lavagem cerebral na mente de multidões inteira pelo Brasil e pelo mundo. Coisas criadas pela imprensa para enganar as multidões fanáticas por futebol num verdadeiro estelionato esportivo.
Que o nosso eterno Sócrates possa agora descansar em paz ao lado de Deus e de todos os grandes craques que este país já produziu e, igualmente já partiram para o 'andar de cima'. Num país de pouca memória, sempre valerá a pena recordar dos bons momentos que marcaram a boa história do nosso futebol.
*José Cícero é Escrito, Pesquisador e Poeta