7 bilhões de seres humanos: quanta gente cabe na Terra? (*)
Quando a humanidade alcança a marca de sete bilhões de seres humanos, a pergunta feita pelo conservadorismo neomalthusiano é: a Terra vai aquentar? Para responder a esta questão, é essencial examinar as relações concretas, práticas, contraditórias, que os seres humanos estabelecem entre si na produção e distribuição dos bens necessários à vida
Por José Carlos Ruy
Publicado 01/11/2011 19:22
A humanidade acaba de alcançar a quantia de sete bilhões de seres humanos. Há vinte anos, por ocasião da Rio 92 (a II Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano, realizada em 1992 no Rio de Janeiro), muita gente dizia que o crescimento da população ameaçava a vida no planeta. Mas os dados mostram que – ao contrário do que pensa o conservadorismo neomalthusiano – o crescimento ameaça, na verdade, é o sistema capitalista, pois a Terra teria capacidade para acolher muito mais gente do que os atuais sete bilhões de habitantes alcançados, segundo a ONU, no final de outubro de 2011.
Quantas pessoas são demais para o planeta? Esta pergunta foi feita na Rio 92 pela indiana Vandana Shiva numa reunião do Planeta Fêmea, em resposta ao oceanógrafo Jacques Cousteau que, na presença de chefes de Estado, defendeu o controle da natalidade como forma de defesa do meio ambiente. Três décadas depois, comentando os 7 bilhões alcançados, o agrônomo Xico Graziano cita uma frase do neomalthusiano Lester Brown para dramatizar a ameaça da fome: “hoje à noite precisamos abrir espaço para 219 mil pessoas à mesa do jantar”.
A Rio 92 foi a maior reunião de cúpula até então realizada para debater formas de eliminar as agressões à natureza e, principalmente, discutir o modelo de desenvolvimento dominante em nossos dias. Foi um passo importante na institucionalização das preocupações ambientais, no sentido de um desdobramento que levaria, alguns anos depois, ao Protocolo de Quioto (aprovado numa conferência da ONU sobre meio ambietne em 1997). O controle da emissão de gases poluentes na atmosfera, a divisão entre ricos e pobres sobre a apropriação (pelos ricos) da extrema riqueza vegetal e animal existente nas florestas (dos pobres), a defesa das florestas e das espécies vivas ameaçadas de extinção, foram alguns dos principais temas debatidos naquele encontro ocorrido há 20 anos.
Os pobres ameaçam a Terra?
Um desses temas é particularmente importante devido às conotações ideológicas que revelam os limites da visão que a burguesia e seus ideólogos tem dos graves problemas contemporâneos. Trata-se da questão do controle da natalidade, encarada por muitos como necessário para conter em níveis toleráveis as agressões contra o meio ambiente.
Muitos temem que a explosão demográfica inviabilize a vida social organizada na Terra. Trata-se da atualização de uma tese que surgiu na ciência econômica em 1798 (há mais de 200 anos!) com o Ensaio sobre os Princípios da população, do sacerdote inglês Thomas Robert Malthus. A tese é conhecida: enquanto a população cresce geometricamente, a produção de alimentos matematicamente. Em consequêcia, em certo momento a produção de alimentos será incapaz de atender a todas as bocas. Daí a necessidade de conter os nascimentos, fazendo o crescimento populacional acertar sua velocidade com a lentidão da agricultura.
"Nós já temos um planeta completamente ocupado" dizia, às vésperas da Rio 92, o técnico norte-americano Noel Brown, diretor do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), refletindo esse forte consenso entre políticos, conservadores e ambientalistas. Mostafa Tolba, diretor do PNUMA, William Draper III, administrador do PNUMA, a revista italiana L'Espresso, o Dalai Lama, representantes do BIRD e da Comunidade Econômica Européia, os governos norte-americano europeus, todos manifestaram preocupações semelhantes. O BIRD anunciou, na época, uma linha de crédito para programas de controle da natalidade nos países pobres, enquanto Carlo Ripa di Meana, comissário da Comunidade Européia para o Meio Ambiente, propôs uma conferência mundial para analisar a questão.
Lester Brown, do Worldwatch Institute, sediado em Washington, e coordenador dos livros Qualidade de Vida – Salve o Planeta!” (versões 1990, 1991 e 1992), fez uma defesa explícita das teses de Malthus ao dizer que a expansão agrícola mundial estacionara desde 1981, havendo desde então uma 16% na produção mundial per capita de grãos.
No Brasil, posições semelhantes são defendidas por muita gente, entre os políticos das classes dominantes, nos meios intelectuais e acadêmicos e na imprensa. O engenheiro Aldo Vieira Rosa, ex-professor da Unicamp e professor em Stanford, nos EUA, resumiu num artigo a essência da posição neo malthusiana, repetindo que quanto mais pobre um povo, mais rapidamente cresce a população. Quanto mais cresce a população, mais pobre fica o povo, num círculo vicioso que pode levar à instabilidade e à catástrofe. No dia em que foi noticiado que a populaçãomundial chegou a sete bilhões de seres humanos, o jornal Folha de S. Paulo repetiu (num editorial intitulado “O espectro de Malthus”) o mesmo ponto de vista conservador, pregando o controle da natalidade: “A única política pública eficaz, em situações tão próximas da inabitabilidade humana, seria garantir o acesso universal ao planejamento familiar”.
A fundamental vulgaridade embuste de Malthus
O ensaio de Malthus continua desempenhando em nosso tempo papel ideológico semelhante ao que fez seu sucesso quando foi publicado, há mais de duzentos anos, embora o caráter não científico e fortemente ideológico de seus argumentos tenha sido denunciado desde então. O economista inglês David Ricardo, um dos principais representantes científicos do pensamento econômico da burguesia, contemporâneo e amigo de Malthus, recusava a argumentação do sacerdote anglicano como cientificamente inconsistente. Karl Marx, mais tarde, fez uma crítica arrazadora não só dos argumentos, mas também da atitude intelectual de seu autor. Na História Critica da Teoria da Mais Valia ele acusou Malthus de plagiar (para pior) os argumentos do economista escocês James Anderson, um estudioso da agricultura. Além disso, como um autêntico sacerdote da igreja anglicana, diz Marx, Malthus era um sicofanta profissional da aristocracia latifundiária e um defensor econômico de suas rendas, sinecuras, sua dissipação e sua crueldade, que defende os interesses da burguesia industrial na medida em que eles coincidem com os da aristocracia latifundiária. Isto é, na medida em que são contrários à massa do povo, ao proletariado. Mas quando os interesses da burguesia e dos latifundiários se separam e se enfrentam, ele põe-se ao lado da aristocracia contra a burguesia. A única conseqüência prática deduzida por Malthus, diz Marx, é a defesa das tarifas alfandegárias protecionistas reclamadas pelos latifundiários em 1815, além de fornecer uma nova justificação da miséria dos produtores diretos e uma nova apologia dos exploradores do trabalho.
Raras vezes Marx foi tão duro na crítica a um autor quanto em sua denúncia das limitações dos grosseiros argumentos desse miserável autor. Uma fundamental vulgaridade quanto às idéias: eis ai o que caracteriza Malthus, escreveu Marx. O sacerdote anglicano procurou acomodar a ciência não a um ponto de vista emanado da própria ciência, por limitado que pudesse ser, mas a um critério ditado por interesses estranhos e alheios a ela – interesses de classe que refletiam, em sua argumentação, os conlfitos concretos que ocorriam na sociedade inglesa. Assim, escreveu Marx, não é injusto aplicar-lhe o qualificativo de desonesto. Sua obra, Ensaio sobre os Princípios da População, não é, em sua primeira edição (na qual não há uma única palavra científica nova, acusa Marx) mais do que um impertinente sermão de capuchinho.
A matemática mitológica de Malthus
O primeiro mito da matemática malthusiana é o da inevitável lentidão do crescimento agrícola. Um estudo da FAO, de 1991, mostrava que em 90 países em desenvolvimento menos da metade do potencial das terras cultiváveis era explorado. Assim, a produção mundial de alimentos poderia ser aumentada apenas com o cultivo dessas terras não aproveitadas. Segundo a publicação Global Outlook 2000, da ONU, a produção agrícola cresceu, no mundo, a taxas anuais de 3% para 1960/1970, 2,4% para 1970/1980, e 2,1% para 1980/1988. Nos países ricos, essas taxas foram de 2,2% para 1960/1970, 2,0% para 1970/1980, e 0,6% para 1980/1988. Nos países pobres do chamado Terceiro Mundo, as taxas foram um pouco mais elevadas: 3,5% para 1960/1970, 3,0% para 1970/1980, e 3,2% para 1980/1988.
Os principais obstáculos ao aumento na produção de alimentos eram a concentração da posse da terra, no Terceiro Mundo, e a forma como a produção agrícola está organizada. A África, por exemplo, poderia ser auto-suficiente em alimentos, dizia um estudo do CEDOH (Centro de Documentação de Honduras), tendo potencial para abrigar uma população muito maior do que então, dizia o Relatório da Comissão Sul. A ONU concordava com essa avaliação, e calculava que aquele continente poderia facilmente alimentar uma população 2,5 vezes maior da que tinha então. Onde predomina a fome, dizia o estudo do CEDOH, existe um denominador comum – uma poderosa minoria exercendo um controle férreo sobre a produção de alimentos e outros recursos econômicos. A correlação entre latifúndio, baixa produtividade agrícola e fome já fora estabelecida, muitos anos antes (em 1946) , pelo cientista brasileiro Josué de Castro no clássico Geografia da Fome. O aumento da produção agrícola nos países pobres depende, fundamentalmente, da reforma agrária e da democratização do acesso à terra, como denunciava o CEDOH e reconhecia o Relatório da Comissão Sul.
O “desemprego” da terra
A injusta estrutura fundiária do Brasil é um exemplo gritante dessa verdade. Para o núcleo de análise de conjuntura 13 de Maio – NEP – o capitalismo e o latifúndio criam o desemprego da terra. Em um país com as vantagens territoriais brasileiras, não se podia aceitar uma produção de grãos (alimentos) que não passava de 60 milhões de toneladas por ano, dizia em documento de 1991 (em 2010 bateu um recorde: 149,5 milhões de toneladas). Considerando-se apenas as condições naturais oferecidas, o Brasil poderia produzir pelo menos 400 milhões de toneladas de grãos por ano, enfatizava aquela análise. Para isso seria necessário colocar em uso as terras subtraídas à produção agrícola. Segundo o IBGE, em 1985, dos 376,7 milhões de hectares de área agrícola do Brasil, apenas 52,3 milhões (isto é, 14%!) eram efetivamente usadas com plantações. O desperdício de terras é a marca da concentração latifundiária. Em 2006, mostrou o Censo Agropecuário (citado pelo Atlas da Questão Agráriano Brasil), os 5,2 milhões de estabelecimentos rurais existentes ocupavam uma área total de 354,9 milhões de hectares, numa estrutura altamente concentrada em que pequenas propriedades (com menos de 200 ha de superfície) eram 93% do número de estabelecimentos mas tinham apenas 28% da área total (média de 30 ha por propriedade). Na outra ponta, os imóveis médios e grandes (com mais de 200 ha) eram apenas 7% do total de propriedades mas controlavam 72% da área total (média de 938 ha. por propriedade). Historicamente a taxa de uso das terras do latifúndio e das grandes propriedades capitalistas é baixa. Em 1998 cerca de um terço da área dos imóveis médios e grandes era inaproveitada e, da área efetivamente usada, grande parte era dedicada a uma pecuária de baixa produtividade. Em 2006, mostra o Atlas, dos 355 milhões de ha dos estabelecimentos, apenas 22% eram ocupados com lavouras; 49% ficavam com pastagens e 28% com matas e florestas. O poderoso obstáculo social à expansão na produção de alimentos no Brasil é o latifúndio, e não o tamanho da população.
Esta situação mudou pouco desde então, e os campeões da alimentação dos brasileiros continuam sendo os pequenos agricultores que, embora controlando apenas 28% da área total e, 2006 (como vimos acima), foram responsáveis pela maior parte produção de alimentos. O Censo Agropecuário de 2006 mostrou essa disparidade entre os latifúndios e a pequena propriedade. As pequenas propriedades produziram, naquele ano, 87% da de mandioca, 70% do feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 58% do leite, 59% do plantel de suínos, 50% das aves, 30% dos bovinos e 21% do trigo. Este continua a ser o verdadeiro e dramático retrato da concentração e do desemprego da terra no país!
A produção de comida é mais elástica do que Malthus pensou
Estes dados ajudam a demonstrar a inconsistência da tese sobre a estreita e desfavorável correlação entre produção de alimentos e crescimento demográfico. Em 1984, Banco Mundial mostrou que, nas condições da época, se a produção mundial de grãos passasse da média de então, de duas toneladas por hectare, para cinco toneladas, algo considerado perfeitamente possível com as condições técnicas disponíveis, o mundo poderia abrigar 11,5 bilhões de pessoas – o dobro de sua população existente. A ONU, por sua vez, demonstrou que, melhorando as condições da agricultura, com o uso de insumos, fertilizantes etc., ela poderia alimentar uma população quatro vezes maior que a projetada para o ano 2000 – algo em torno de 24 bilhões de pessoas.
Isso sugere que a capacidade de crescimento da produção agrícola é muito mais elástica do que Malthus supunha e seus seguidores apregoam. No final do século 20, dos 13 bilhões de hectares da superfície da Terra, pouco mais de um décimo era cultivado. Como, segundo os especialistas, 11% da superfície dos continentes é arável, e 24% é potencialmente arável, nas condições técnicas existentes a superfície da Terra dedicada à agricultura poderia ser multiplicada por três!
A explosão demográfica, outro mito
O crescimento da população, nas últimas décadas, revela a fragilidade do outro mito daquela matemática enganosa, o do aumento explosivo e incontrolável da população. Ao contrário do que apregoam os conservadores, há uma visível desaceleração no incremento populacional em quase todos os países – exceto na África e nas nações muçulmanas.
A população mundial, em 1990, alcançou a marca de 5,3 bilhões de seres humanos e as previsões sobre sua evolução futura variam muito. Alguns pensam que chegar a 8,5 bilhões em 2025; outros dizem que alcançará 10 bilhões em 2050, ou 12 bilhões em 2100. Entre 1980 e a 1985, a população mundial cresceu à taxa anual de 1,7%, e havia uma queda generalizada na fertilidade das mulheres, principalmente no chamado Terceiro Mundo (exceto, de novo, na África e países islâmicos). Em 2000, a taxa anual mundial caiu para 1,2% ao ano. Segundo a Organização Mundial de Saúde, na década de 1980 as mulheres em idade fértil do Terceiro Mundo tinham em média 3,3 filhos, metade da média de 6,1 de duas décadas antes, uma rapidez inédita na diminuição no número de filhos: nos EUA, foram necessários 58 anos para uma queda semelhante.
Nos países pobres, as tendências demográficas variam muito. Na Ásia, o crescimento da população era, na década de 1980, menor que 2% ao ano, e esperava-se que durante os anos 90 ficasse perto de 1,2% ao ano na China, de 1,7% no sul da Ásia e no resto da Ásia de Leste, e em 2,9% na Ásia Ocidental. Em grande parte da América Latina essas taxas declinavam também, esperando-se que se estabilizassem numa média de 1,9% ao ano na década de 1990. Em contrapartida, na maior parte da África, a tendência era ascendente, com taxas acima dos 3% previstas para a década de 1990 na África Subsaariana.
Em 2010, nos países mais desenvolvidos a taxa de fecundidade média foi cerca de 1,7 nascimento por mulher em idade fértil, ficando abaixo da taxa de reposição de 2,1 nascimentos e indicando que suas populações podem diminuir. Já nos países menos desenvolvidos, ela foi maior, beirando os 4,2 filhos; na África Subsaariana chegou a 4,8, informa o Relatório sobre a Situação da População Mundial 2011.
Avaliando estes dados, muitos especialistas esperam que, até o ano 2100 a população mundial deixe de crescer, estabilizando-se na faixa de 10 a 12 bilhões de pessoas.
Desaceleração populacional
No Brasil, a velocidade da desaceleração no crescimento populacional foi medida pelo Censo de 1991, que constatou um total de 146 milhões de habitantes, número bem menor do que os 153 milhões que se previa. Na década de 1970 o alarme neomalthusiano esperava que o Brasil chegasse ao ano 2000 com 205 milhões de habitantes; ficou muito abaixo, com 170 milhões, numa ilustração da fragilidade e fracasso de estimativas desse tipo.
A taxa de fertilidade das mulheres brasileiras reduziu-se pela metade entre 1960 e 1990. Em 1960, as brasileiras em idade fértil (dos 15 aos 44 anos), tinham cerca de seis filhos, em média, número que caiu para quatro em 1980, chegando a três em 1991 e a 1,94 em 2009. Essas taxas determinam a diminuição da taxa de crescimento populacional que, nos anos 60 era de 2,9%, baixou para 1,8% ao ano na década de 1980,e hoje é de 1,3% ao ano.
Uma dos principais fatores dessa queda, denunciam os especialistas, foi a esterilização de mulheres. No mundo todo, no início da década de 1990, 26% das mulheres foram esterilizadas, 19% usam DIUs, e 15% usam pílulas anticoncepcionais. No Terceiro Mundo, o número de usuários de métodos anticonceptivos alcançava 381 milhões. Entre 1965 e 1970, eles eram usados por apenas 9% dos casais nos países pobres; entre 1985 e 1990, essa percentagem subiu para 50%.
No Brasil, uima pesquisa do Bemfam mostrou que, em 1986, 66% das mulheres casadas no Brasil, com idades entre 15 e 44 anos, usavam algum método anticoncepcional. Destas, 41% já estavam esterilizadas, denunciaram os demógrafos George Martine e José Alberto M. de Carvalho. Dados mais recentes (2006) mostram que, 68% das mulheres brasileiras em idade fértil usavam algum tipo de ancitoncepcional, existindo algumas estimativas que elevam este número a 80%! (informações da Organização Mundial de Saúde, e do Ministério da Saúde). E a demógrafa Elza Berquó denuncia: a rapidez na redução dos níveis de fecundidade é a prova da esterilização das mulheres brasileiras.
Envelhecimento da população
Quando a taxa de fertilidade cai, a população envelhece. Na Europa, na década de 1990, os maiores de 45 anos já eram metade da população. No Brasil, esse envelhecimento é acelerado. No início dos anos 90 os brasileiros com mais de 60 anos de idade eram 7,2% da população, ou pouco mais de 10 milhões de pessoas; em 2006, chegaram a 19 milhões, ou 10% da população brasileira (IBGE). E, segundo o IPEA, em 2025 serão 15% da população, chegando a 34 milhões de pessoas.
No mundo, segundo o relatório sobre a Situação da População Mundial 2011, do Fundo de População das Nações Unidas, existem 893 milhões de pessoas acima de 60 anos, e a previsão é que chegue a 2,4 bilhões na metade do século.
Pobreza e desenvolvimento
Os argumentos conservadores explicam o baixo nível de desenvolvimento do país pelo crescimento do número de pobres. Assim, dizem que ajudam o desenvolvimento quando promovem agressivamente o controle populacional. Seu erro é o de não considerar o efeito combinado do desenvolvimento da indústria e da agricultura, nem as repercussões das melhorias no padrão de vida material dos povos sobre seu nível cultural – sobre seus hábitos e comportamentos, inclusive sexuais.
Como diz Marx, leis abstratas de população – como os rígidos princípios malthusianos – não se aplicam ao ser humano, cujo crescimento populacional é condicionado histórica e socialmente. Mesmo para os animais e as plantas, as leis abstratas de população só se aplicam enquanto não há intervenção humana nesses reinos.
São as relações do homem com a natureza, e com os outros homens para a produção dos meios de vida, que determinam o caráter das formações sociais e a dinâmica populacional por elas condicionada. Os meios técnicos que permitem maior eficiência produtiva, capacidade de acumular bens, melhor organização do trabalho, a demanda por mão de obra, as formas que, ao longo do tempo, a produção material assume – tudo isso condiciona e determina as leis de população.
Os especialistas calculam que os primeiros hominídeos capazes de produzir ferramentas – nossos ancestrais mais antigos, portanto – surgiram há cerca de 3 milhões de anos. Há uns 100 mil anos surgiu o homem moderno – o homo sapiens sapiens dos cientistas. Nesse longo período, em que viviam da caça e da coleta, os homens tinham uma vida natural, como os animais, e sua capacidade de intervenção para transformar a natureza era pequena. O trabalho era duro e arriscado e a vida muito pobre, tão mesquinha que, às vésperas da revolução agrícola do neolítico, ocorrida há uns 10 mil anos, toda a humanidade devia alcançar apenas uns 10 milhões de indivíduos, o número de habitantes de uma grande metrópole moderna.
Com o aparecimento da agricultura, a capacidade produtiva do homem deu um salto – e, com ela, a população que, desde então, aumentou vertiginosamente. Atingiu a marca dos 250 milhões (25 vezes mais gente do que no começo da revolução agrícola) no início da era cristã; mesmo assim, era um crescimento lento, e levou mais de um milênio e meio para dobrar o número dos homens existentes, que chegou a 500 milhões em 1650.
Até então, as sociedades estavam baseadas principalmente na agricultura, que era rudimentar, extensiva e itinerante, dependente da fertilidade natural do solo, sujeita a catástrofes naturais, com secas e enchentes. O comércio era restrito e as reservas alimentares reduzidas, de forma que os excedentes de uma região muito dificilmente podiam ser transferidos a outras. Assim, a mortalidade permanentemente alta da população decorria da escassez de alimentos, da baixa qualidade da vida, das más condições de higiene e saneamento. Ocorriam surtos de fome e epidemias que, juntamente com as guerras, dizimavam as populações. Fome, guerra e epidemias eram então os três reguladores demográficos, as forças cegas que agiam sobre as populações e freavam seu crescimento.
No século 18 ocorreu outra mudança radical: a revolução industrial, que lançou as bases técnicas de um novo modo de produção, o capitalismo. Ela trouxe uma intensificação no comércio mundial, a melhoria dos transportes e condições de armazenagem de alimentos; ajudou a mecanizar a agricultura, que se transformou, multiplicando a produção de alimentos. Em conseqüência, melhoraram as condições gerais de vida que, aliadas aos progressos da medicina, da vacinação e do saneamento, preveniram doenças como a peste negra (que, na Idade Média, provocou uma catástrofe demográfica na Europa, ao matar cerca de 1/3 de sua população). A mortalidade urbana caiu sensivelmente, disparando o crescimento da população nos países mais adiantados.
Transição demográfica
Três fases marcam o desenvolvimento da população. Na primeira, os índices de mortalidade e de natalidade eram altos, e a população cresceu lentamente. Essa fase encerrou-se por volta da Revolução industrial, quando começou aquilo que os especialistas chamam de transição demográfica. A partir do século 18, nos países onde o capitalismo se desenvolveu originalmente, a taxa de mortalidade caiu e a fertilidade continuou alta e não controlada por algum tempo, gerando, diz Guaraci Adeodato A. de Souza, "uma fase de grande crescimento populacional".
Essas características marcaram o período que vai da revolução industrial até meados do século 20. A partir da 2ª Guerra Mundial, a taxa de fertilidade começou a cair, primeiro nos EUA e França, e depois nos demais países industrializados. Os países ricos levaram 150 anos para completar esse processo.
No início do século 19 a população mundial atingiu o primeiro bilhão de seres humanos; levou mais de cem anos para dobrar a população, chegando a dois bilhões em 1927. Em 1950, éramos 2,5 bilhões na Terra, número que dobrou novamente em 1987, chegando aos cinco bilhões. Doze anos depois, em 1999, mais um bilhão de homens somou-se à popuçação mundial, que chegou a seis bilhões; e levou outros doze anos para chegar aos sete bilhões, marca alcançada em outubro de 2011. Isto é, setecentas vezes mais gente do que os escassos 10 milhões de adões e evas de 10 mil anos atrás.
Embora baixa, a velocidade de crescimento da população é extremamente desigual no mundo, sendo muito lenta nos países ricos, e mais rápida nos países pobres.
Segundo o Fundo das Nações Unidas para a População, em 1990, os países desenvolvidos (Europa, América do Norte e Oceania) tinham 23% da população mundial, enquanto os demais países (na América Latina, África e Ásia) tinham 77%. Em 2011 o percentual da população dos desenvolvidos caiu, chegando a 17% do total, ou 1,2 bilhões, informa a ONU; 60% da população mundial vivia na Ásia, 15% na África e 8% na América Latina, somando 83% do total, ou 5,8 bilhões de seres humanos. E a previsão era de que, em 2100, os ricos terão ainda menos: 13% do total, ou 1,5 bilhões, ante 87% dos demais, ou 10,1 bilhão de pessoas, num total mundial que poderá chegar a 11,6 bilhões.
O descompasso entre população e alimentos não aconteceu
O desenvolvimento acelerado do capitalismo a partir do século 18 contrariou as expectativas de Malthus. Não ocorreu o descompasso entre a produção de alimentos e a produção de novos seres humanos, pelo menos nos países onde o capitalismo industrial teve seu forte impulso inicial. A indústria, num nível de tecnologia ainda baixo, empregava gigantescos contingentes de mão de obra. A florescente economia dos EUA foi, alias, o grande sorvedouro do excesso populacional europeu.
A partir de meados do século 20, o alto nível de desenvolvimento material nos EUA e países capitalistas europeus repercutiu sobre seus hábitos levando, como se viu, a uma mudança na dinâmica populacional. Enquanto a expectativa de vida se expandia, alcançando os 80 anos; a taxa de nascimentos reduziu-se e a população dos países ricos estagnou então, ou mesmo entrou em declínio, como ocorreu em países como a Alemanha ou a Hungria, que viram o tamanho de suas populações diominuir a partir das últimas décadas do século 20.
Mesmo assim, o crescimento da população mundial vai se manter ainda por algumas décadas, mesmo se todas as mães resolverem ter apenas dois filhos. Em muitos países em desenvolvimento, o número de mulheres jovens que alcança a idade fértil é tão grande quanto antes, diz um balanço publicado pela revista The Economist no início de 1990. Portanto, o número de bebês continuará alto por muito tempo depois que as taxas de nascimento começaram a cair. Isso ocorre porque há uma defasagem entre a desaceleração das taxas de fertilidade e o número de nascimentos. Assim, os especialistas da ONU dizem que somente em meados do século 21 essas taxas se equilibrarão, estabilizando a população mundial.
Limites da Terra ou do modo de produção capitalista?
A mesma defesa da ordem estabelecida, dos interesses da elite dominante, a mesma apologia da forma vigente de organização da produção material e da distribuição da riqueza, move os neomalthusianos atuais, baseados nessa fraude cientifica histórica que está na base de sua matemática, onde a população e a produção de alimentos crescem com diferentes velocidades. Ora, a história mostrou à exaustão que – ao contrário do que pensava Malthus – em condições sociais favoráveis, a produção de alimentos pode crescer mais rapidamente do que a população. Além disso os demógrafos – pelo menos no Brasil – preocupam-se na verdade com a acelerada diminuição no crescimento populacional.
Mas os defensores dos interesses da elite, que querem manter a sociedade como ela está organizada, são incansáveis, e sofisticaram sua argumentação com a ameaça da catástrofe ambiental que o excesso de população poderia provocar.
Na verdade não é a Terra que esgotou sua capacidade de acolher mais gente. É o capitalismo que chega, aceleradamente, aos limites de sua capacidade de suprir, mesmo que em níveis mínimos, as necessidades das populações por ele dominadas.
Em seu desenvolvimento, através de sua própria dinâmica, o capitalismo é um sistema que substitui o emprego direto de mão pelo uso de máquinas cada vez mais sofisticadas. Em conseqüência, diz Marx, no capitalismo a quantidade de força produtiva do trabalho disponível avança muito mais depressa do que o progresso na acumulação e o crescimento da riqueza social. Essa contradição leva, inevitavelmente, à formação de um exército industrial de reserva – essencial para a manutenção do sistema capitalista – e à superpopulação relativa.
“Se uma população trabalhadora é produto necessário da acumulação ou do desenvolvimento da riqueza com base no capitalismo”, escreveu Marx, “essa superpopulação torna-se, por sua vez, a alavanca da produção capitalista. Ela constitui um exército industrial de reserva disponível, que pertence ao capital, de maneira tão absoluta, como se ele o tivesse criado à sua própria custa. Ela proporciona às suas mutáveis necessidades de valorização o material humano sempre pronto para ser explorado, independente dos limites do verdadeiro acréscimo populacional", dando à exploração capitalista a liberdade de ação que o mero crescimento natural da população não oferece. A existência de um exército industrial de reserva permite ao capital superar essa barreira natural. Além disso, "a condenação de uma parcela da classe trabalhadora à ociosidade forçada em virtude do sobretrabalho da outra parte, e vice-versa, torna-se um meio de enriquecimento do capitalista individual e acelera, simultaneamente, a produção do exército industrial de reserva numa escala adequada ao progresso da acumulação social."(In O Capital, Livro Primeiro, Cap. XXIII, seção 3: "Produção progressiva de uma superpopulação relativa ou exército industrial de reserva").
A pobreza, ou o “excesso” de população resultam assim, ensina Marx, das contradições do modo de produção capitalista, de sua dinâmica perversa e desumanizadora e de sua necessidade de dispor de um fornecimento adequado de força de trabalho, seja empregada diretamente em seus empreendimentos, seja relegada ao desemprego e ao subemprego, reforçando o exército industrial de reserva, forçando o preço dos salários para baixo e reforçando a precarização do trabalho.
Vistas as coisas dessa maneira mais realista, as leis da demografia precisam são encontradas, claro, no movimento próprio da população mas também nas imposições objetivas do modo de produção que é o cenário desse desenvolvimento. Neste sentido, as leis da população fazem parte das leis de funcionamento desse modo de produção (hoje, o capitalista). Não será através da biologia – como pensava Malthus e pensam seus seguidores – que se poderá decifrar este enigma; a solução da charada está na prática humana concreta, nas relações contraditórias entre os a classe dominante capitalista e os trabalhadores que se enfrentam com ela. Está no campo do capital e suas contradições, e não no campo da natureza.
Referências:
Bell, John Fred. História do Pensamento Econômico. Rio de Janeiro, Editora Zahar, 1976.
Brown, Lester (org.). Qualidade de vida – Salve o Planeta. São Paulo, Editora Globo, 1990, 1991 e 1992.
Cardoso, Fernando Henrique. "Comentário sobre os conceitos de superpopulação relativa e marginalidade". In O modelo político brasileiro. São Paulo, Difel, 1977.
Carvalho, José Alberto Magno e Martine, George. "Retrato de um Brasil infecundo". Jornal da Tarde, 6/5/1989 (versão condensada da comunicação apresentada ao Seminário Brasil Século XXI, Unicamp, outubro/1988).
Centro de Documentação de Honduras. “A fome não é um mito”. Boletim Informativo do CEDOH, Set/1991, reproduzido em Quinzena, publicação do Centro Pastoral Vergueiro, 1/12/1991.
Comissão Sul. O Desafio ao Sul – Relatório da Comissão Sul. Porto, Edições Afrontamento, 1991.
CONTAG, CPT, CIMI, CNBB, ABRA e IBASE. Campanha Nacional pela Reforma Agrária. Rio de Janeiro, Editora Codecri, 1983.
Figueiredo, Regina. “O Uso de Métodos Contraceptivos”. In Regional Noticias. Ano 2, edição 16, maio de 2004. Na internet: www.regionalnoticias.com.br, acessado em 31.10.2011
Girardi, Eduardo Paulon. Atlas da Questão Agrária Brasileira. Programa de Pós-Graduação em Geografia e Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (NERA), Unesp / Presidente Prudente (SP), 2008. Acessado pela internet (http://www2.fct.unesp.br/nera/atlas/estrutura_fundiaria.htm) em 31.10.2011.
IBGE. Anuário Estatístico do Brasil, 1989. Rio de Janeiro, Fundação IBGE, 1989.
Leakey, Richard. Origens. São Paulo / Brasília, Melhoramentos/ Editora UNB, 1980.
Lorena, Carlos, e Oliveira Jr, Paulo H. “A Força dos Pequenos”. In Retrato do Brasil. São Paulo, Política Editora, 1984.
Malthus, Thomas Robert. Economia. Coletânea organizada por Tamás Szmrecsanyi. São Paulo, Editora Ática, 1982.
Marx, Karl. História critica de la teoria de la plusvalia. Buenos Aires, Editora Brumario, 1974.
Marx, Karl. O Capital. Vol. I (cap XXIII); São Paulo, Abril Cultural, 1984
Marx, Karl. Elemetos fundamentales para la critica de la economia política (Grundrisse), 1857-1858. Vol. 2. México DF, Siglo Veintiuno Editora, 1978.
Núcleo de Análise de Conjuntura 13 de Maio (NEP). “Brasil: terra estuprada, terra desempregada”. In Quinzena. Centro Pastoral Vergueiro, 1/12/1991.
Organização das Nações Unidas. Global Outlook 2000, an economic, social and environmental perspective. 1990.
Organização das Nações Unidas. Relatório sobre a Situação da População Mundial 2011. Divisão de Informações e Relações Externas do Fundo de População das Nações Unidas, 2011. In http://www.unfpa.org.br/swop2011/swop_2011.pdf (acessado em 21.10.2011).
Patarra, Neide Lopes. “Rumo a um novo perfil demográfico”. In revista São Paulo em Perspectiva, 2 (4), out/dez 1988.
Retrato do Brasil. Vol. 1 (Cap. “Controle na pobreza”) e vol. 3 (Cap. “População e subdesenvolvimento”). São Paulo, Política Editorial, 1984.
Silva, Nelson do Valle. “O potencial de crescimento da população brasileira”. In Ciência Hoje, n° 1, jul/ago, 1982.
Souza, Guaraci Deodato A. de. "Crescimento populacional e transição da fertilidade em países subdesenvolvidos". In Cadernos do CEAS. Nº. 34, nov/dez, 1974.
Trewartha, Glenn T. Geografia da População – Padrão Mundial. São Paulo, Atlas, 1974 (contém uma história da população desde a pré-história).
Vários Autores. Critica de las concepciones no marxistas de la ensenãnza de la economia política. Moscou, Editorial Progreso, 1984.
(*) Publicado originalmente em Princípios, nº 26, 1992. Atualizado em outubro de 2011.