Sorrentino: Construção partidária no movimento de Conferências
Importantes consequências advêm da Resolução Política da 8ª reunião do Comitê Central. Nas palavras do presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo, que a considera da mais alta importância, ela “define a primeira posição oficial do Partido Comunista do Brasil acerca desses nove meses do governo da presidente Dilma. É uma resolução que compreende toda a realidade do mundo atual e do Brasil. É um esforço de sintetizar questões importantes que se relacionam".
Por Walter Sorrentino*
Publicado 04/10/2011 14:17
Ele se refere a um “cotovelo da história” com que nos deparamos no país, propício a um avanço nas medidas em defesa da nação, do desenvolvimento soberano, do lugar do Brasil no mundo. E conclui em outro artigo: “Ao PCdoB, diante deste quadro, cabem esforços para a realização de tarefas importantes. Fortalecer o governo Dilma e o núcleo mudancista. Defender o Brasil e sua economia ante os efeitos da crise. Neste sentido, apoiar e estimular as lutas e mobilizações do povo e dos trabalhadores. O aumento da responsabilidade do PCdoB diante da nação e do povo são demandas normais de uma força em crescimento e partícipe do governo nacional. Não nos esquivaremos de nossas obrigações chanceladas há quase 90 anos. Leia em “Renato Rabelo: A crise financeira e a oportunidade histórica”.
Política e construção partidária
Junto com isso, o Comitê Central insta a preparar o partido para pô-lo ao nível da luta política atual. Como se sabe, uma das exigências é a própria construção partidária, dotada com uma linha de estruturação político-organizativa bem definida.
A orientação política ajustada e a linha de construção partidária são sempre construções laboriosas e multilaterais. Os tempos políticos envolvidos são distintos, os fatores objetivos e subjetivos envolvidos são diferenciados, o mesmo quanto aos ritmos de maturação de cada componente no interior da política e da organização. Mas, ou andam ombro a ombro, ou limitam reciprocamente o alcance uma da outra.
A 8ª reunião do Comitê Central pôs tudo isso em cena ao realizar uma primeira avaliação do processo de conferências deste ano em todo o país. Foi muito frutífero debate – já é a quarta vez que se pauta o tema no CC após o 12º Congresso, o que comprova a seriedade estratégica com que encaramos o labor partidário. Na ocasião, o foco foi a mobilização das conferências em quase dois mil municípios dos 27 estados.
Três focos
Ressalta a atividade partidária muito gratificante neste ano não-eleitoral. Há, ao que tudo indica, mais uma ultrapassagem de limiar na vida do PCdoB: um partido aberto à sociedade, com proposta política a um só tempo avançada e que vai ao encontro do senso comum da luta do povo, que fala mais amplamente ao conjunto do povo trabalhador e da sociedade. Nas conferências há um partido em expansão acentuada, com dinamismo político e de ação de massa, e novo patamar de esforços organizativos. Especialmente, parece haver uma maior qualidade da mobilização da base militante, donde uma militância mais satisfeita. Até novembro, fim do prazo das conferências, isso está em jogo e poderá ser confirmado com números.
Foram três questões em foco no debate. Uma é de fundo: estamos encarando a construção partidária como a expressão mais decidida de que na luta política e de massas atuamos por um projeto estratégico autônomo, pelo maior protagonismos e hegemonia no processo em curso. Por isso, política e organização como esferas indissociáveis, uma a serviço da outra, reciprocamente condicionadas. Esse é o ganho mais expressivo da renovação de concepções e práticas de partido vinda desde 1997 e o melhor eco do 7º Encontro Nacional – ele frutificou.
Outra é a evidência crescente de que a expansão e amadurecimento partidário se apóiam no Programa Socialista aprovado há dois anos. Vive-se a onda de choque daquelas ideias, ao lado da onda de o partido se apresentar como alternativa política eleitoral autônoma, no giro de tática eleitoral aprofundado desde 2008. É preciso voltar os olhos para isso: o programa se fez consentâneo com a realidade concreta e é o vértice de formação política, ideológica e organizativa do coletivo partidário.
Por fim, a evidência de que não caminha no mesmo passo o desenvolvimento da Política de Quadros do 12º Congresso. Apesar da onda de choque do 7º encontro, que promove uma saudável reação pela vida militante de base, ainda está relativamente subdesenvolvida a ideia de governar a vida partidária pelos quadros.
Expansão de vulto
Os dados são favoráveis. Por ora, estima-se em 30% o aumento da mobilização partidária em dois anos, em 1840 comitês municipais além de outras centenas de comissões provisórias. O mais relevante tem sido a revisão organizativa, que produziu 2500 assembleias de base nas 150 maiores cidades do país, contra um montante de um terço disso dois anos atrás. É um fator de otimismo. Em apenas quatro meses após o 7º Encontro, falando diretamente a dirigentes municipais de 600 cidades, chegou-se a esse resultado positivo. Mas, ao mesmo tempo, visto com realismo: ainda não foi universal o esforço e, por outro lado, é normal durante as conferências um resultado melhor na mobilização da militância de base. A verdadeira batalha permanecerá: manter atuantes as organizações de base, sob o mantra de que bases ativas demandam quadros pivôs, pauta e agenda regular de ação.
Marcantes também serão os vários milhares de quadros que integrarão as direções eleitas, muitas com grande renovação, que assentou praça na cultura partidária. Avançou a questão de pautar o tema das direções sem espontaneísmos e com a antecedência devida para uma construção laboriosa e unitária.
2012 puxa a perspectiva
A perspectiva de 2012 acelera o encorpamento do PCdoB. Acentua uma realidade da vida interna modificada, inclusive quanto à sua conflitividade, que reflete diretamente a influência dos processos políticos e eleitorais, da institucionalidade da política e também aquela das entidades do movimento social. Naturalmente, promovem-se disputas de interesses no interior do partido, em torno do projeto a ser definido.
Mas é importante não exacerbar visões em contraste. O PCdoB tem uma identidade bem definida. É partido com 90 anos de história, 60 dos quais passados sob feroz perseguição e campanhas anticomunistas primárias. Concorre às eleições com sua legenda comunista, símbolo e cores, com número próprio, e ostenta a legenda permanente de “partido do socialismo”. Não é pouco para os que querem ser candidatos pelo partido, manifestando respeito por esse patrimônio. Para muitos novos aderentes, é uma grande superação para eles tal opção. Longe de “diluir” a imagem do PCdoB, eles ajudam a torná-lo mais próximo da realidade do povo e da política brasileira. Trata-se, sim, de ganhá-los para a perspectiva política programática e educá-los.
Vai envolver cada vez mais capacidade e talento para construir politicamente as soluções, arbitrá-las com o projeto político e a linha política-organizativa e institucionalidade bem definida. Isso sem desconsiderar o principal: desprendimento em prol do projeto coletivamente firmado. E solicitar, na linha político-organizativa, contrapontos para promover a saúde política, ideológica e organizativa partidária. O maior de todos é que no PCdoB somos um todo, ou não somos nada.
A apreciação multilateral e judiciosa dos fenômenos da vida partidária, a cada situação, é fonte para sistematizações políticas e teóricas diante de uma realidade progressiva para o PCdoB e para o aprimoramento da linha de estruturação partidária. A 8ª reunião do Comitê Central registrou e analisou fatos, alguns bem novos, com esse propósito.
A “cara” do PCdoB no país
A configuração do eixo de força partidária nacional está mais equilibrada. Ao lado da força marcante de BA, SP, RJ e MG, mais AM e AC, que marcaram um ciclo até poucos anos atrás, entraram CE e PE, com destaque , e mais decididamente neste momento o RS e MA (junto com SP os que mais cresceram). Mas, em todos os Estados, sem exceção, há notórios avanços, distribuindo melhor as energias do PCdoB em todo o país.
A imagem do PCdoB vai se conformando dentro da realidade política concreta. Estando no centro da arena política, e não à margem, o PCdoB é alvo da luta política contra o governo, contra a esquerda e os comunistas em especial. Pressiona-se pela imagem de “partido como os outros”; a mídia hegemônica faz poderoso assédio contra os quadros comunistas que atuam no governo, mas o alvo é o próprio partido e a perspectiva que representa.
Ao lado disso, avança paulatinamente a imagem de força marxista, que luta com maior autonomia por se apresentar como alternativa política e demarca sua identidade programática. Ideias, estratégia definida, projeto político unitário, ação política e de massas mesmo fora dos períodos eleitorais, e conformação organizativa militante definida: essa a marca que vai se delineando para o partido. E um traço de “caráter”: o partido assume compromissos e os cumpre, “não tem dono”, a não ser seu coletivo militante. Pode, assim, obter a recíproca dos novos membros que aderem à legenda.
Os posicionamentos marcantes em questões estratégicas como o Código Florestal, as opções do país com o pré-sal e a promoção da Copa, nestes dois últimos anos, jogaram forte papel nesse mesmo rumo.
Altera-se a “cara” do PCdoB paulatinamente, com as filiações de grandes lideranças da sociedade e de massas, gente que expressa segmentos emergentes da sociedade muito ligada à realidade do povo, além de quadros políticos já experientes que se candidatam pelo PCdoB. Chama atenção, ainda, o ambiente de liberdade de opção religiosa, orientação sexual, enfim, o respeito do PCdoB pela diversidade que faz com que suas fileiras se identifiquem cada vez mais com as características do povo brasileiro.
Confirma-se um diferencial político de imagem e saúde do PCdoB, citada por muitos aderentes: direção coletiva. Isso foi uma opção política consciente do partido: ter líderes sim, mas à frente de instituições coletivas e a partir de institucionalidade inteiramente democrática. Essa exigência se eleva e deve alcançar nova dimensão. Solicita desenhos institucionais criativos para integrar uma multitude de quadros à elaboração e ação em torno do projeto político e organizativo.
Partido de numerosas lideranças
O PCdoB já é um partido com múltiplas lideranças no plano político e social, não gira mais em torno de única liderança em cada estado. Aliás, muitas delas já têm expressão nacional, o que não é nada simples em nosso país. Esse sempre foi o desejo do PCdoB. Hoje, portanto, exige-se mais maturidade para abarcar todo essa plêiade potencial num projeto político coeso.
A questão de combinar papeis públicos desses quadros com as responsabilidades partidárias, ganha novas dimensões. Cresce, por exemplo, a problemática de acumular cargos em executivos e presidir o partido. É uma realidade contraditória, porque isso abre perspectiva de ação política (para o partido e para o quadro) e dá aos quadros dimensão pública e social. Mas a carência de tempo e concentração para atividade de direção do partido – ou condicionamentos políticos do papel de gestor – onera o partido. Por isso, se deverá reforçar a regra de não acumular tais funções, salvo disposição em contrário da instância superior, mas em casos muito seletivos (e temporários).
Contrapontos garantidores da saúde partidária
Do ponto de vista da inserção e representação social, prima o foco dos trabalhadores, jovens e mulheres. Mas, a questão de fundo, denominador comum de tudo, é fazer o partido refletir mais a realidade do trabalho e do trabalhador.
A atuação dos comunistas na central sindical é um novo centro de ação política nos Estados. Permitirá enfrentar o grande desafio de formação de quadros com pensamento político de primeira linha, armados com a dimensão mais elevada da luta de classes que é a luta política por um novo projeto nacional de desenvolvimento como caminho para o socialismo. Mas, para além do sindicalismo, é garantia estratégica firmar maior representação, em termos sociais, políticos, eleitorais e mesmo quanto à natureza das relações organizativas prioritárias para o partido, junto aos trabalhadores.
Toda essa complexidade apontada, em desenvolvimento, necessita de melhor controle de direção para o desenvolvimento partidário. Um sistema para governar de fato a vida partidária quanto às linhas nacionais traçadas está sendo vitaminado e seu foco é novo estágio de direção coletiva no trabalho de direção nacional, o comitê central e sua comissão política. Essa será, entre muitas outras, das principais conclusões a chegar quando se der o balanço final deste ano rico para a atividade partidária, em dezembro.
O denominador político-organizativo para sustentar uma perspectiva como a que pretende o PCdoB será sempre a questão da política de quadros e maior vida militante de base. Quanto a esta última, a resolução da direção nacional reunião faz a indicação de “Uma Grande Iniciativa” em torno do Programa Socialista, como vértice político e ideológico da educação das fileiras partidárias. Será um teste decisivo para a orientação do 7º Encontro Nacional sobre Questões de Partido, de abril de 2011. Veja a Carta-compromisso.
É na política de quadros, entretanto, que reside a fronteira maior a desbravar. Dois anos passados do 12º Congresso, a ênfase então dada a ela se justifica: a construção partidária é uma garantia estratégica da luta dos comunistas; no núcleo dela está a política de quadros como centro da política organizativa. Isso precisa se desenvolver com radicalidade, enquanto concepção e meios de dirigir de fato a construção partidária por meio da política de quadros.
Ainda há muitas consequências a extrair dessa orientação. Além das duas dimensões orgânicas já citadas da Política de Quadros – direções com autoridade e força, e assegurar vida militante de base a partir de quadros dedicados à vida partidária – há outras: desenvolver canais amplos e múltiplos de participação de quadros que não são das instâncias eletivas e, muito especialmente, encontrar os meios de abarcar todo um “mundo submerso” de quadros por desbravar, uma força não canalizada dos mais variados espectros de ação na sociedade.
A força e poder seminal das ideias do partido se comprovarão na capacidade de atrair não só lutadores dos trabalhadores, jovens e mulheres, mas igualmente talentos nos variados âmbitos da sociedade. A uns e outros a questão maior é pô-los em diferentes órbitas gravitacionais em torno do Programa Socialista do PCdoB, em todos os âmbitos da ação política e elaboração estratégica. A propósito disso, o projeto de “Estudos Estratégicos” voltado para a formação direta de todo o contingente de quadros nacionais em torno dos temas programáticos e teóricos, nascerá em breve, e se somará ao esforço nessa direção. É mais uma alvíssara inovadora.
* Walter Sorrentino é secretário Nacional de Organização do PCdoB