David Brooks: EUA – Luxo, fome e fúria
A demanda por artigos de luxo – desde sapatos de 800 dólares e cremes cosméticos de 1.300, até Mercedes Benz de 200 mil – vive um auge, enquanto quase 46 milhões de estadunidenses dependem mais do que nunca da assistência federal para comprar alimentos básicos e evitar a fome. Isto resume os Estados Unidos hoje em dia.
Por David Brooks, no La Jornada
Publicado 09/08/2011 07:30
O mercado de artigos de luxo registrou por 10 meses seguidos um incremento de vendas, reportou o jornal The New York Times. As cifras de vendas da joalheria Tiffany’s, Givenchy, Louis Vuitton, Gucci, BMW, Porsche e Mercedes Benz, e outros, registraram fortes aumentos.
Por outro lado, o governo federal informou que quase 15% da população depende de assistência alimentar, isto é, 45,8 milhões de pessoas, o nível mais alto registrado, 12% mais que há um ano e 34% mais que há dois anos. Para obter assistência alimentar federal (food stamps), a renda de um indivíduo deve ser em torno de US$ 1.174 ao mês (mais ou menos o que alguns ricos gastam com um par de sapatos Louis Vuitton).
A desigualdade econômica não se esconde. O economista prêmio Nobel, Joseph Stiglitz, indica que só nos últimos 10 anos, a renda dos 1% mais ricos se elevou 18%, enquanto a dos trabalhadores industriais caiu 12%. Segundo uma análise do Instituto de Política Econômica, a riqueza é ainda mais concentrada no setor mais rico: mais de um terço da riqueza nacional é concentrada por esses 1%; 20% dos lares na parte média da escala econômica só contavam com 4% da riqueza nacional em 2007, e perderam parte disso na última recessão. De fato, em 2009, os domicílios dos 1% mais ricos tinham um valor líquido 225 vezes maior que o do lar típico: uma desigualdade jamais vista.
Enquanto isso, os ricos pagam menos impostos que em qualquer período do último meio século, reconheceu o próprio Barack Obama. Um novo informe do Center for American Progress descobriu que os milionários pagam 25% menos impostos hoje do que em meados dos anos 1990, e 1.400 milionários não pagaram nem um centavo de impostos em 2009. Isto ocorre em grande parte graças às reduções fiscais impulsionadas pelo governo de George W. Bush e prolongadas pelo de Obama.
A ira popular contra os representantes do povo em Washington segue fervendo, segundo as pesquisas, precisamente porque eles são responsabilizados por aplicar políticas que beneficiam uns quantos às custas de quase todos os demais. 82% dos estadunidenses desaprovam o desempenho do Congresso, o nível mais alto registrado pela pesquisa da CBS News/New York Times; uma sondagem da CNN descobriu quase a mesma coisa. Mais de 4 em cada 5 opinaram que o debate sobre a dívida tinha a ver mais com manobras políticas do que com a busca do melhor para o país.
As pesquisas também demonstram que Washington faz exatamente o oposto ao que o povo deseja. Por mais de dois contra um, os estadunidenses afirmam que a geração de empregos deveria ser uma prioridade mais alta que a redução do gasto federal. 63% são a favor de elevar impostos sobre os mais ricos.
Mas, além de reprovar seus líderes, haverá consequências políticas? Alguns dizem que todos os políticos eleitos enfrentarão a ira popular em 2012. Contudo, outros creem que Obama, embora tenha gerado enorme desilusão entre suas bases, não terá graves problemas, por um simples e cínico cálculo. Como disse um estrategista democrata ao jornal Washington Post: o fato é que os liberais e progressistas não têm alternativa a não ser votar em Obama e seu partido. Igualmente, um pesquisador democrata comentou ao New York Times que, no caso de Obama, apesar de críticas de suas bases liberais a uma ou outra de suas iniciativas, no terreno eleitoral, no final das contas, estão seguros de uma coisa: vão odiar os candidatos republicanos. "Então, sinceramente não me preocupa muito uma base sólida ou entusiasta", disse. Ou seja, o cálculo é que para as bases progressistas, não há alternativas no terreno eleitoral.
Necessitamos de uma praça Tahrir não violenta, opina o ex-vice-presidente Al Gore. Em face do acordo para cortar bilhões no gasto público, exigido pelos republicanos, e diante das necessidades sociais, se requer uma primavera estadunidense (em referência à primavera árabe) para resgatar o país das mãos dos direitistas, disse no canal Current TV. Mas para isso, disse a seu entrevistador, primeiro é preciso haver fúria.
“Eu creio que o público está furioso, mas também deprimido pela falta de liderança e a ausência de um sentimento de que pode ganhar. Os chamados populares a que Wall Street preste contas não levaram a lugar algum, enquanto o dinheiro de Wall Street mantém disciplinados os políticos e os ativistas se tuitam entre si até o ponto de se distraírem. Os ativistas condenam o presidente on line, mas fazem pouco para enfrentá-lo e demandar outro tipo de ação”, considerou o veterano jornalista Danny Schechter em sua coluna em Reader Supported News.
A imagem da classe política em mãos dos mais ricos é documentada por todas as partes, com doadores milionários que financiam candidatos de ambos os partidos. De fato, um novo informe do Center for Responsive Politics demonstra que Obama recebe ainda mais de Wall Street para sua reeleição do que o obtido em 2008.
Para alguns, as políticas econômicas de Obama até o momento não são tão diferentes das de seu antecessor, como tampoco a continuação que deu às duas guerras lançadas por ele, e a omissão em exigir contas aos financistas e empresários que levaram a esta crise.
Talvez por isso, não surpreende tanto que Obama dance no compasso da mesma música que seu antecessor, literalmente. Mark Knoller, da CBS News, reportou que a campanha eleitoral de Obama está usando a canção Só na América, de Brooks e Dunn, em seus atos. George W. Bush a usou muito em sua campanha de reeleição em 2004.
Fonte: Cubadebate