O papel do Casagrande

Nada mais natural a proclamação do governador Renato Casagrande (PSB), na posse dele, de que iria ouvir o povo no exercício do mandato. Afinal, ele teve quase 90 por cento dos votos, recomendados oficialmente por 16 partidos políticos – a maior aliança já edificada no Espírito Santo, sem contar com as dissidências do DEM e do PSDB, que formalmente tinham outro candidato.
Por Namy Chequer

Meses antes, e isto está na memória política do Espírito Santo, Casagrande e seu partido giravam em torno do toco, sozinhos. De um dia para outro, os 15 partidos que até então erguiam a candidatura de Ricardo Ferraço (PMDB), acompanharam Paulo Hartung (PMDB) na troca do candidato a governador. Portanto, a aliança não fora montada pelo Casagrande. Ela já estava pronta e era resultado de anos de esforço para harmonizar a política capixaba.

Dez anos antes as forças políticas estavam muito divididas no Espírito Santo. Parte dos políticos representava tão somente a eles próprios. Para estar na Assembléia Legislativa, por exemplo, não era necessário corresponder a qualquer segmento social organizado. Em inúmeras prefeituras havia prefeitos eleitos por esquemas utilitaristas. Era a época da eleição amealhada no festival de sinecuras disfarçadas de boca-de-urna. O desbotamento da política capixaba decorrera do desarranjo no sistema local, atingido pela crise que se seguiu a aplicação do projeto neoliberal no País. Projeto que, em especial, no Espírito Santo, apresentou sua mais dura conseqüência – as privatizações das maiores empresas, com a transferência dos seus controles para centros inacessíveis aos capixabas. Era a época que o governador só ia saber da aquisição da Garoto pela Nestlé, ou do Grupo Ronceti pelo Carrefour, pela Internet. O Estado e seus representados pouco valiam concretamente.

Com a crise jogando a aventura neoliberal às cordas, o Brasil de Lula logo abriu perspectiva para um outro caminho, pelo qual enveredariam quase todos os países sul-americanos. Antenado, Hartung operou na mesma sintonia. Mudanças no mundo, no continente, no Brasil e no Espírito Santo, com agendas comuns e também específicas. Na impossibilidade da união de forças tão heterogêneas, Hartung buscou uma política de harmonização. Assim, os grupos municipais puderam manter as disputas tradicionais, sem que isto comprometesse o apoio de todos ao governo estadual. Foi quase que uma refundação da política capixaba, com adesões espontâneas. Ganhou forma um sistema que deixou poucos de fora: os Mauro e o Gratz, num primeiro momento, e depois Psol e Vidigal, que se recomporia em seguida. A eleição de Renato Casagrande para o Senado em 2006, unindo PSDB e PT é prova eloqüente da política de harmonização.

Esta harmonização, é claro, não foi algo neutro. Nem foi uma harmonização pela harmonização. Tinha, e certamente ainda tem apenas um valor tático. Se for tático, serve a algo estratégico. E o que seria este objetivo estratégico. Bom, aí é que começa a discussão. Este é o ponto. Qual é o projeto? A que classe ele serve? O que se pretende do Espírito Santo? Do ponto de vista histórico, todos sabemos, são inconciliáveis os interesses dos trabalhadores com os da burguesia, o capitalismo está superado, etc. Mas do ponto de vista político o tempo é outro. Vivemos o tempo da construção de consensos para superação de atrasos herdados da nossa história de estado com desenvolvimento retardatário. Nossa industrialização brusca deixou déficits sociais, ambientais, desigualdades…

Da mesma forma que o Brasil não pode continuar sendo a sétima economia mundial mantendo 30 milhões de brasileiros na pobreza extrema – daí a prioridade da presidenta Dilma -, o Espírito Santo tem um dever de casa a fazer. Casagrande foi escalado para liderar um projeto que não nasceu dele, mas que a ele foi entregue por totalidade das forças políticas e dos capixabas. Sob pena da harmonização que lhe deu a eleição mais fácil que se tem notícia não ter valido para nada. Está entrando na agenda do Brasil o debate sobre um novo projeto nacional de desenvolvimento. Ao contrário de outros que já tivemos, este se daria nos marcos de uma democracia consolidada. Poderá ser o nosso próprio projeto de nação para o século XXI. O Espírito Santo tem importante papel a jogar. Todos sabemos onde Casagrande nasceu, estudou, leu e se exercitou como gestor público. Ninguém cobra dele nenhum governo olímpico.

Além dos problemas do dia-a-dia relacionados à segurança, educação e saúde, o governador tem pela frente três desafios que dependem da sinergia com as forças políticas, sociais e econômicas do Espírito Santo e de fora. A primeira questão é melhorar a relação com o Governo Federal – já que é notório o distanciamento dele com a presidenta. Afinal, não obstante a eleição de Casagrande ter se dado no primeiro turno, Dilma perdeu aqui. O outro desafio é não deixar o estado em desvantagem na mudança tributária (Fundap) pretendida no Brasil. A terceira questão, e a mais séria, é a que diz respeito aos disputados royalties do pré-sal. Os capixabas conhecem bem o que está na agenda do Espírito Santo e sabem que dela não faz parte a invenção da roda. Capixabas… Incluindo os estudantes.

*Namy Chequer é jornalista e vereador do PCdoB

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