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Poluição mata 4 mil paulistanos por ano, alerta especialista

Segundo a Organização Mundial da Saúde, dois milhões de pessoas morrem, por ano, vítimas da poluição do ar no planeta. Somente em São Paulo, são cerca de 4 mil paulistanos que perdem a vida mais cedo, em decorrência deste problema moderno, que assola todas as grande cidades. Trata-se de um número maior que o de falecimentos por doenças tão temidas, como a Aids, por exemplo. Apesar disso, a poluição ainda não é vista como um problema de saúde pública no Brasil.

Por Joana Rozowykwiat

De acordo com o médico e professor Paulo Saldiva – do Laboratório de Poluição da USP -, a poluição faz à saúde, em menor medida, o que o cigarro faz em larga escala. A diferença é que os problemas motivados pela má qualidade do ar atingem toda a população e não apenas os que optam por fumar.

Os problemas cardíacos e respiratórios são os danos mais comuns que a poluição acarreta. E a conta desses malefícios é alta. Estima-se que, na cidade de São Paulo, a poluição do ar custe de 180 a 200 milhões de reais por ano, considerando apenas as internações no SUS, sem incluir gastos com medicamentos, por exemplo.

Para o professor, nessa história, o principal culpado é um modelo equivocado de pensar as cidades, que resultou em um crescimento caótico e que se baseia no individual e não no coletivo. Nesta entrevista ao Vermelho, Saldiva alerta para a ineficiência e os danos da política de mobilidade que privilegia o carro, em detrimento do pedestre, do ciclista e do transporte coletivo.

O médico denuncia ainda a existência de um “racismo ambiental”, que trata de maneira diferenciada os mais pobres ou menos desenvolvidos. Segundo ele, uma mudança na lógica atual exigirá pressão social e vontade política. “Floresta faz parte da agenda ambiental, cidade não”, lamenta. Mas, otimista, o professor avalia que essa situação já está começando a mudar. Leia abaixo:

Portal Vermelho: Quais os impactos da poluição na saúde?
Paulo Saldiva: Basicamente, a poluição faz, em pequena escala, o que o cigarro faz em larga escala. Fumar é muito pior que poluição, a diferença é que toda a população está exposta à poluição e não apenas aquele que fuma. Então, embora o risco seja menor, você acaba chegando a um número razoável de eventos na saúde.

A poluição, em São Paulo, de acordo com as nossas contas, promove a mortalidade precoce de cerca de 4 mil paulistanos por ano. Um em cada dez infartos do miocárdio são deflagrados por exposição a poluentes de tráfego. Também existe redução significativa do peso dos bebês ao nascer.

Portal Vermelho: E o carro é hoje o grande vilão?
Paulo Saldiva: Veículos, incluindo pesados. Mas é também um pouco mais que o carro. É a forma de ter pensado a cidade. Todo o desenvolvimento da mobilidade no Brasil foi baseado em veículos sobre pneus.

Hoje, a gente anda basicamente com uma velocidade igual à dos nossos antepassados. O fato de você ter o trânsito lento lhe coloca mais tempo no pior cenário possível, que é o congestionamento, respirando a maior concentração de poluentes. Então não é só o carro, mas toda a lógica da mobilidade na cidade, o uso e a ocupação do solo.

Portal Vermelho: E esse modelo de cidade não leva em consideração a saúde…
Paulo Saldiva: Eu acho que a cidade está doente, e nós também estamos ficando doentes. Quais os sintomas que São Paulo, por exemplo, tem? Febre, porque tem ilhas de calor; edema, quando chove; obstrução arterial por que as principais artérias estão congestionadas; obstrução das vias aéreas porque o ar está poluído; diabetes, caracterizado pela incapacidade de aproveitar as fontes energéticas.

Há uma série de doenças, e elas, em geral, tiram a gente da zona de conforto e motivam grandes modificações pessoais. Tem mais gente que muda comportamento em UTI que em igreja. Então como está tudo tão ruim você vai ter que pensar a cidade de outro jeito. Acho que a gente vai tirar a energia do caos e não da razão.

Portal Vermelho: Houve recentemente uma mudança nos padrões de medição da qualidade do ar em São Paulo.
Paulo Saldiva: É, depois de cinco anos que a Organização Mundial de Saúde publicou os padrões, a gente seguiu. Eu acho que é um primeiro passo e foi por razão de saúde mesmo. Quem define essa regulamentação não é a agência ambiental, é uma agência de saúde. Então acho que existe sim a necessidade de pensar a saúde humana no pensar a cidade. É um bicho que merece preservação.

Portal Vermelho: Que medidas o senhor aponta para melhorar essa situação?
Paulo Saldiva: As que outras cidades já estão implementando. E não falo de Zurique, Amsterdã ou de nenhuma cidade de presépio. Falo de cidades com perfis parecidos com o nosso, como Bogotá, que fez corredores de tráfego, tipo o BRT de Curitiba, às custas de espaço de veículos.

Hoje o paulistano não tem plano B. Se está congestionado na Radial, ele não consegue entrar no metrô também, na Zona Leste. Em Bogotá, eles ofereceram o plano B, e a melhor propaganda do transporte coletivo foi a velocidade e a eficiência. Devemos pensar na expansão dos corredores, em ocupar o espaço urbano de novo, dando preferência ao coletivo e não ao individual – a antítese de tudo que foi feito.

Portal Vermelho: Mas o senhor acha que esse problema da dependência do carro é só porque falta alternativa ou é uma questão cultural também?
Paulo Saldiva: Ah, também tem a questão cultural, lógico. Não tem aqueles filmes em que você faz um robô e o robô se volta contra você e te domina? A mesma coisa aconteceu com o carro. O que era para ser um servo mecânico passou a ser algo muito maior. O carro passa a ser o lugar em que você escuta música, conversa com as pessoas, medita.

Só que hoje, se uma área está congestionada para o carro, também está para o ônibus. Então, ruim por ruim, lento por lento, eu vou no meu conforto. Essa é a história. Enquanto não dermos nenhuma vantagem para as pessoas, elas não vão abdicar do carro.

Portal Vermelho: E os investimentos públicos nessa área?
Paulo Saldiva: Ainda suspeito que – embora o discurso seja o de favorecer o transporte coletivo – o maior investimento ainda seja em ponte, viaduto, manutenção de viário, o próprio Rodoanel, que é praticamente um estímulo ao transporte individual.

Portal Vermelho: Então há recursos, mas eles são aplicados de forma inadequada?
Paulo Saldiva: Não existe uma política consistente unificada no país. A gente fala muito em sustentabilidade ambiental, mas a gente projeta nosso futuro na exploração do petróleo, por exemplo. Existe toda uma política de incentivo ao transporte individual, independentemente do tipo de emissão. Há toda uma ideia de que a indústria automobilística é geradora de emprego e riqueza e, por isso, não se pode mexer nela. Então você não leva em conta os custos de saúde desse tipo de política institucionalizada.

Falta uma política consistente de investimento em transporte coletivo nas regiões metropolitanas do Brasil. O problema é que o transporte coletivo está no andar de baixo (atinge as classes mais baixas).

Assim que o indivíduo melhora de vida, ele quer comprar a sua solução individual. E não adianta esperarmos uma solução tecnológica, tipo os Jetsons. Não vai acontecer. O que vai existir é uma mudança na forma de pensar o uso e a ocupação do solo e pensar a mobilidade da cidade, mas desde que você dê ao indivíduo uma alternativa.

Portal Vermelho: Há também um componente político?
Paulo Saldiva: O que impede, por exemplo, o prefeito de São Paulo de dividir a Avenida Paulista em duas metades? Uma metade que vai ônibus andando depressa e outra que vai carro? Do ponto de vista de engenharia, não demora mais que uma noite. Porque ele não faz? Porque não tem suporte político para isso. Se fizer, ele não se elege nem para síndico de prédio. Esse é o problema central.

O sujeito de Bogotá, (ex-prefeito) Enrique Peñalosa, sabia que não ia se reeleger, mas resolveu fazer o que era preciso, independentemente do seu futuro imediato. Cada vez que você mexe nessa questão, se não tem um convencimento, acabou. A maior solução não é tecnológica, é política.

Portal Vermelho: O senhor tem falado em racismo ambiental. O que é isso?
Paulo Saldiva: É a forma como você trata as pessoas de regiões ou níveis socioeconômicos diferentes com diferentes padrões ambientais. Por exemplo, uma moto ou um carro vendido no Brasil polui mais que aqueles fabricados pelas mesmas empresas em países da Europa ou nos Estados Unidos.

Outro exemplo: Você não tem mais aterro sanitário em São Paulo, mas você exporta esse lixo para cidades mais pobres. Um ônibus que não consegue mais andar em São Paulo é vendido para a periferia, depois sobe para Minas Gerais e vai acabar morrendo no Nordeste ou no Norte.

Isso significa que existem vários padrões de atendimento de cidadania e de serviços ambientais, à medida que você é mais pobre ou que as estruturas de fiscalização são mais frouxas. Todo mundo se diz sustentável, mas para fora da cidade: é o mico, a tartaruga, quer dizer, sustentabilidade sim, desde que não interfira na estratégia central de negócios.

Portal Vermelho: E há solução à vista para essa forma desigual de tratar a questão?
Paulo Saldiva: Cidadania e informação. É isso que a gente está tentando fazer. No dia em que você conseguir ter um brasileiro perguntando por que o ônibus aqui polui dez vezes mais que aquele vendido na Europa pela mesma empresa, e se ele começar a reclamar que certos países exportam para nós processos industriais sujos que não podem ser feitos na Europa, aí você começa a questionar essa situação.

Portal Vermelho: A legislação ambiental brasileira contempla essa questão dos impactos da poluição na saúde?
Paulo Saldiva: A nossa legislação ambiental é muito melhor na área de florestas que na cidade. Acho que falta fazermos a sociedade protetora do homem.

Portal Vermelho: O senhor tem uma experiência no exterior. Como essa questão é tratada em outros países?
Paulo Saldiva: Se você entrar na página da Environmental Protection Agency ou da Comissão Europeia de Meio Ambiente, vai aparecer mãe, bebê e velhinho. Se entrar na nossa página do Ministério de Meio Ambiente, vai aparecer floresta e tal. Eu acho que tem que preservar floresta, quero deixar isso claro, mas você não pode excluir o homem da fotografia.

Como temos muitas áreas remotas a preservar, é importante que tenhamos uma ação efetiva nisso. Mas aqui a gente separou saúde e meio ambiente. Floresta faz parte da agenda ambiental, e cidade não. O serviço que cuida dos assentamentos urbanos no Ministério deve ter meia dúzia de pessoas abnegadas, mas com uma mínima infra-estrutura.

Portal Vermelho: E diante de todo esse cenário desolador…
Paulo Saldiva: Desolador não, eu sou otimista. Tanto que mudou o padrão em São Paulo, a despeito da resistência da Fiesp. Existe um progresso, melhor do que era há 10 anos.

Portal Vermelho: O senhor ainda se locomove de bicicleta?
Paulo Saldiva: Sim, ainda. Sou um sobrevivente do ciclismo. Volta e meia mudam a segurança da Faculdade e eu não consigo entrar de bicicleta. Pode entrar moto, carro, disco voador, mas bicicleta não. No meu local de trabalho e justamente onde a gente diz que fazer exercício faz bem, que poluição faz mal, não pode. Isso mostra que há um problema cultural grande. Então não existe uma solução só, mas várias, e todas passam por fazer um uso mais racional dos carros, só isso.