Eric Hobsbawm: crise econômica explica deriva à direita na Europa
O blog do italiano Beppe Grillo entrevistou Eric Hobsbawm, um dos maiores historiadores marxistas vivo. A entrevista aconteceu no dia do seu 94º aniversário, quando esteve em Roma para o lançamento da tradução italiana de seu livro How to Change the World – Why rediscover the inheritance of Marxism.
Publicado 19/06/2011 10:56
Hobsbawm analisa a possibilidade de uma deriva rumo à direita nos próximos anos na Europa, por razões relacionadas com a depressão econômica, a ânsia por segurança e a estagnação da União Europeia, arcada sob o peso da obrigação de ser cada vez maior e maior e pela falta de visão política comum. Além disso, os movimentos de resistência têm crescido mais em regiões onde há um maior número de jovens – por exemplo no norte da África e nos países em desenvolvimento, não na Europa. Mas, acima de tudo, Hobsbawm, que faz questão de dizer que é um historiador, não um futurologista – fala-nos sobre o que é hoje o marxismo e sobre os seus efeitos.
Marxismo hoje
Eric Hobsbawm: Sou o Eric Hobsbawm. Sou um historiador muito velho. Como tal, telefona-me no dia do meu 94º aniversário. Durante toda a minha vida escrevi principalmente sobre a história dos movimentos sociais, a história geral da Europa e do mundo dos séculos 19 e 20. Acho que todos os meus livros estão traduzidos para italiano e alguns foram até bastante bem recebidos.
Blog de Beppe Grillo: A nossa primeira pergunta é sobre o seu livro. O marxismo é considerado um fenômeno pós-ideológico. Poderia explicar-nos porquê? E quais serão as consequências dessa mudança?
Eric Hobsbawm: Eu não usei exatamente a expressão “fenômeno pós-ideológico” para marxismo, mas é verdade que, no momento, o marxismo deixou de ser o principal sistema de crenças associado aos grandes movimentos políticos de massa em toda a Europa. Apesar disso, acho que sobrevivem alguns pequenos movimentos marxistas. Nesse sentido, houve uma grande mudança no papel político que o marxismo desempenha na política da Europa. Há algumas partes do mundo, por exemplo, a América Latina, em que as coisas não se passaram do mesmo modo. A consequência daquela mudança, na minha opinião, é que agora todos podemos concentrar-nos mais e melhor nas mudanças permanentes que o marxismo provocou, nas conquistas permanentes do marxismo.
Essas conquistas permanentes, na minha opinião, são as seguintes: Primeiro, Marx introduziu algo que foi considerado novidade e ainda não se realizou completamente, a saber, a crença de que o sistema econômico que conhecemos não é permanente nem destinado a durar eternamente; que é apenas uma fase, uma etapa no desenvolvimento histórico que acontece de um determinado modo e deixará de existir e converter-se-á noutra coisa ao longo do tempo.
Segundo, acho que Marx concentrou-se na análise do específico modus operandi, do modo como o sistema operou e se desenvolveu. Em particular, concentrou-se no curioso e descontinuo modo através do qual o sistema cresceu e desenvolveu contradições, que por sua vez produziram grandes crises.
A principal vantagem da análise que o marxismo permite fazer é que considera o capitalismo como um sistema que origina periodicamente contradições internas que geram crises de diferentes tipos que, por sua vez, têm de ser superadas mediante uma transformação básica ou alguma modificação menor do sistema. Trata-se desta descontinuidade, deste reconhecimento de que o capitalismo opera não como sistema que tende a se auto-estabilizar, mas que é sempre instável e eventualmente, portanto, requere grandes mudanças. Esse é o principal elemento que ainda sobrevive do marxismo.
Terceiro, e acho que aí está a preciosidade do que se poderá chamar de fenômeno ideológico, o marxismo é baseado, para muitos marxistas, num senso profundo de injustiça social, de indignação contra a desigualdade social entre os pobres e os ricos e poderosos.
Quarto, e último, acho que talvez se deva considerar um elemento – que Marx talvez não reconhecesse – mas que esteve sempre presente no marxismo: um elemento de utopia. A crença de que, de um modo ou de outro, a sociedade chegará a uma sociedade melhor, mais humana, do que a sociedade na qual todos vivemos atualmente.
Deriva à direita na Europa
Blog: No norte da África e em alguns países europeus – Espanha, Grécia e Irlanda – alguns movimentos de jovens que nasceram na internet e usam redes, por exemplo Twitter e Facebook, estão aproximando-se da política. São movimentos que exigem mais envolvimento e mudanças radicais nas escolhas das sociedades. Mas, ao mesmo tempo, a Espanha tende à direita; a Dinamarca votou pelo encerramento das fronteiras com a Hungria; e na Finlândia, e até mesmo na França, com Marie Le Pen, estão surgindo partidos nacionalistas de extrema-direita. Não é isto uma contradição?
Eric Hobsbawm: Não, não acho. Acho que são fenômenos diferentes. Acho que, na maioria dos países ocidentais, hoje, os jovens são uma minoria politicamente ativa, largamente por efeito de como a educação é construída. Por exemplo: os estudantes sempre foram, ao longo dos séculos, elementos ativistas. Ao mesmo tempo, a juventude educada hoje é muito mais familiarizada com modernas tecnologias de informação, que transformaram a agitação política transnacional e a mobilização política transnacional.
Mas há uma diferença entre esses movimentos de jovens educados nos países do ocidente, onde, em geral, toda a juventude é fenômeno de minoria, e movimentos similares de jovens em países islâmicos e em outros lugares, nos quais a maioria da população tem entre 25 e 30 anos. Nesses países, portanto, muito mais do que na Europa, os movimentos de jovens são politicamente muito mais massivos e podem ter maior impacto político. O impacto adicional na radicalização dos movimentos de juventude acontece porque os jovens hoje, em período de crise econômica, são desproporcionalmente afetados pelo desemprego e, portanto, estão desproporcionalmente insatisfeitos. Mas não se pode adivinhar que rumos tomarão esses movimentos. No todo, os movimentos dessa juventude educada não são, politicamente falando, movimentos da direita. Mas eles só, eles pelos seus próprios meios, não são capazes de definir o formato da política nacional e todo o futuro. Creio que, nos próximos dois meses, assistiremos aos desdobramentos desse processo.
Os jovens iniciaram grandes revoluções, mas não serão eles que necessariamente decidirão a direção geral pela qual andarão aquelas revoluções. Cada direção, claro, depende do país e da região. Obviamente as revoluções serão muito diferentes nos países islâmicos, do que são na Europa ou, claro, nos EUA.
E é verdade que na Europa e provavelmente nos EUA pode haver uma deriva para a direita, na política. Mas isso, parece-me, será assunto da terceira pergunta.
Crise econômica
Blog: Sim, a próxima pergunta é sobre a crise econômica em que vivemos desde 2008. As crises de 29, 33, levaram o fascismo ao poder. Prevê algum risco de a crise atual ter os efeitos que tiveram as crises de 28, 29, 33?
Eric Hobsbawm: Bem, não há dúvidas de que a crise, a crise econômica que se arrasta desde 2008, tem muito a ver com a deriva à direita na Europa. Acho que, hoje, só quatro economias na Europa, na União Europeia, estão sob governos de centro ou de esquerda. Algumas daquelas devem perder. A Espanha provavelmente também se moverá em direção à direita. Nesse sentido, parece verdade. Não acho que haja aí qualquer risco de ascensão do fascismo, como nos anos 1930s. O perigo do fascismo nos anos 1930s foi, em grande medida, resultado da conversão de um país em particular, um país decisivo politicamente, nomeadamente a Alemanha sob a alçada de Hitler.
Não há sinal de que nada disso esteja a acontecer hoje. Nenhum dos países importantes, segundo me parece, dá qualquer sinal nessa direção. Nem nos EUA, onde há um forte movimento direitista, pode-se concluir que aquele movimento ganhe poder nas urnas. Nem, tampouco, no caso dos partidos e movimentos de extrema-direita nos países europeus. Apesar de serem fortes, têm-se mantido como fortes minorias sem grandes hipóteses de se tornarem maiorias. Mas, sim, creio que, no futuro próximo, praticamente todos ou quase todos os países europeus serão governados por governos de direita, de um tipo ou de outro. Recorde-se que um dos efeitos logo termo da crise econômica dos anos 1930 foi que praticamente toda a Europa tornou-se democrata e de esquerda, como jamais antes acontecera. Mas isso levou algum tempo. Portanto, há um risco, mas não é o mesmo risco que havia nos anos 1930. O risco é antes o de não se agir o suficiente para lidar com os problemas básicos, enaltecidos pelo capitalismo dos últimos 40 e enfatizados pelo renascimento dos estudos marxistas.
Blog: O que pensa sobre a União Europeia e sobre o que já foi conseguido? A União Europeia conseguirá consolidar-se ou voltará a ser uma simples reunião de estados?
Eric Hobsbawm: Acho que a esperança de que a União Europeia venha a ser algo mais que uma aliança de estados e área de livre comércio, essa, não tem grande futuro. Não irá muito além do que já foi até aqui, mas não acho que seja destruída.
Acho que o que já se fez, um grau de livre comércio, um grau muito mais importante de jurisprudência comum e lei comum permanecerão. A principal fraqueza da União Europeia, parece-me, razão do fracasso, foi o conflito entre a economia e a base social da União Europeia. Um conflito que resultou da tentativa para eliminar a guerra entre a França e a Alemanha e unificar economicamente as partes mais ricas e desenvolvidas da Europa. Esse objetivo foi alcançado. Tal foi misturado em seguida com um objetivo político associado à Guerra Fria e ao desenvolvimento após o fim deste período, nomeadamente o objetivo de extensão das fronteiras a todo o continente e mais além. Este processo dividiu a Europa em partes que já não são facilmente coordenáveis.
Economicamente, as grandes crises são ambas muito parecidas no que diz respeito às aquisições para a União Europeia desde os anos 1970, na Grécia, em Portugal e na Irlanda, por exemplo. Mesmo politicamente, as diferenças entre os antigos estados comunistas e os antigos estados não comunistas da Europa enfraqueceram a capacidade de a Europa continuar a desenvolver-se. Se a Europa continuará a conseguir manter-se como está, eu não o sei. Não creio, contudo, que a União Europeia deixe de existir e acho que continuaremos a viver numa Europa mais coordenada do que a que conhecemos, digamos, desde a II Guerra Mundial.
De qualquer modo, devo dizer que está fazendo-me perguntas enquanto historiador mas sobre o futuro. Infelizmente, os historiadores sabem tanto sobre o futuro quanto qualquer outra pessoa. Por isso, as minhas previsões não são fundadas em nenhuma especial vocação que eu tenha para prever o futuro.
Fonte: Carta Maior
Publicado originalmente no Blog de Beppe Grillo
Tradução: Coletivo Vila Vudu