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Outorga e mandato: como reconhecer um barão da mídia no Congresso

A divulgação dos sócios nos contratos de concessão de rádio e TV por meio de uma lista pelo Ministério das Comunicações (Minicom) deflagrou nova corrida para identificar políticos que integram os contratos em desrespeito a Constituição Federal. Até o momento, os membros do Congresso Nacional são os mais visados por infringirem a Carta Magna de forma mais contundente, já que são responsáveis pelos processos de liberação e renovação das outorgas.

No projeto Excelências da ONG Transparência Brasil são identificados 69 parlamentares do Congresso com posse de licenças. Os dados foram obtidos nas declarações de bens à Justiça Eleitoral, a partir do que eles informam em seus perfis nas respectivas Casas legislativas e em outras fontes.

O próximo que pode figurar nessa lista é o senador Aécio Neves (PSDB-MG) que depende de aval do Minicom para integrar diretamente o quadro societário da Rádio Arco-Íris ao lado de sua mãe e uma irmã. A rádio é associada à rede Jovem Pan e licenciada para operar em Betim, mas a sede é na capital Belo Horizonte. O caso de Aécio é emblemático porque o fato de ele entrar efetivamente na sociedade da rádio não impede de exercer influência desproporcional sob a programação.

O Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social emitiu nota nesta terça-feira, dia 31 de maio, na qual reivindica revisão dos artigos da Constituição que impedem a posse de concessão para políticos ao incluir proibição explicita também a cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau. No caso dos membros do Congresso, o Intervozes reforça o argumento da ilegalidade ao alegar nepotismo.

Falta transparência

O consultor internacional da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Toby Mendel, ao analisar o panorama brasileiro, identificou a necessidade de coibir a propriedade de fachada das emissoras e foi explícito sob caso evolvendo familiares, no Seminário Internacional Convergência de Mídias em novembro de 2010. Mendel citou a impossibilidade de definir quando familiares atuam de forma conjunta para controlar o conteúdo das emissoras e os impactos negativos desse modelo na concentração da propriedade dos meios de comunicação no país.

A professora da Pós-Graduação da Escola de Comunicação da UFRJ, Suzy dos Santos, endossa o coro daqueles que encontram dificuldades para encontrar os reais donos das empresas de radiodifusão brasileiras. Ao analisar a nova lista publicada pelo Minicom, Santos já conseguiu identificar problemas que atrapalham a transparência, como: a ausência das percentagens de cotas dos acionistas; o fato da relação das entidades por localidades não separar ativos e inativos; a falta de informações sobre os prazos das concessões; e o fato de os nomes das entidades serem apenas pela razão social e ocultar o nome fantasia.

Além desses entraves, Santos também cita erros na lista, como o fato de a TV Itapoan na Bahia ter o falecido senador Antônio Carlos Magalhães como sócio: "Mesmo se atualizassem para espólio, é uma TV que ele perseguiu". Em relação à lista publicada e retirada em 2003, ela vê poucas diferenças entre as quais a qualidade da diagramação e o fato de atualizar alguns falecidos para espólio, como é o caso do Pedro Affonso Collor de Mello nas empresas da família Collor em Alagoas.

Parentes são incluídos nos trabalhos da pesquisadora, bem como deputados estaduais, prefeitos, vereadores, suplentes de senadores e líderes partidários. Ela acha que nessa linha consegue algo mais abrangente, apesar das dificuldades nos atuais mecanismos de busca: "O maior problema é detectar afilhados e parentes. Também continua o problema das associações que só vêm com diretores e não com todos os associados".

Os dados utilizados por Suzy Santos para sua tese de doutorado defendida em 2004 apontavam que 33,6% das geradoras e 18,03% das retransmissoras são controladas por políticos, na maioria, dos partidos PMDB, PSDB e DEM. Já o projeto Excelências identifica 51 deputados estaduais em atividade que detêm concessão de rádio e/ou televisão em 22 casas legislativas.

Atualmente, Santos busca atualizar seus números sobre políticos com outorgas e aprofundar a compreensão sobre fluxo entre radiodifusores regionais e o poder federal. Porém, a pesquisadora deixa o alerta que o foco nos números pode escamotear uma visão mais complexa do fenômeno: "Não dá pra simplesmente entender que o poder da radiodifusão nas mãos dos políticos se dá apenas pelas outorgas que eles detêm, temos que perceber que há alianças mais fortes neste processo".

Velocidade

É possível mensurar a velocidade com que os dados nesse campo são alterados nas reuniões da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados. No último dia 1º de junho, quarta-feira, foi aprovada por unanimidade na Comissão a renovação de duas concessões cujos sócios são políticos. A primeira é a da Rádio Pérola do Turi, no município de Santa Helena (MA), e tem como sócia a prefeita da cidade, Helena Maria Lobato Pavão. A outra é a da Rádio Tempo FM de Juazeiro do Norte (CE) e tem como sócio o primeiro vice-presidente do PMDB-CE, Gaudêncio Gonçalves de Lucena.

O deputado federal Emiliano José (PT-BA) reforça os problemas desse tipo de associação: "Existe um claro abuso no mundo das emissoras de rádio e televisão pelos políticos locais. A gente sabe que, quando políticos detêm concessões públicas de radiodifusão, os veículos de que eles são sócios só vão defender seus interesses, esmagando outras opiniões".

Emiliano integra a coordenação da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e Direito à Comunicação e responsabiliza a fragilidade da legislação por perpetuar essa anomalia: "Isso acontece porque há brechas na legislação quanto às concessões. O Congresso precisa se debruçar sobre esse assunto para criar mecanismos legais que impeçam esse uso inapropriado das concessões públicas de radiodifusão".

Fonte: Observatório do Direito à Comunicação