Aldo Rebelo: Miriam Leitão, por que mentir?
O artigo “Código do Erro”, assinado por Miriam Leitão, expressa a pilhéria de Charles Dana de que o “jornalista separa o joio do trigo, e publica o joio”. Miriam é tida como jornalista bem informada mas seu texto sobre o Código Florestal é uma sucessão de inverdades e erros carregados de má-fé e piores intenções.
Por Aldo Rebelo*
Publicado 08/04/2011 09:59
Produtividade inativa – Miriam Leitão fala de “61 mil hectares de área já desmatada de alta e média produtividade agrícola e que não está sendo usada”, quando deveria dizer 61 milhões, erro que pode ser atribuído, talvez, ao desconhecimento da jornalista sobre o valor do hectare (10.000 m²). Aguardo com ansiedade o suposto estudo de “especialistas da USP” que vai nos revelar essa medida cabalística de produtividade em terra inativa…Espero que tal eldorado verde não sejam, obviamente, pastagens degradadas.
Caricatura e realidade – A possibilidade de um brasileiro ser preso por tirar uma minhoca da terra está prevista na lei n.º 9.605, de 1998 e no decreto n.º 6.514, de 2008. O que Miriam chama de caricatura em minhas citações é uma fotografia da realidade: o lavrador Josias Francisco dos Anjos foi cercado a tiros pela Polícia Florestal e preso por raspar a casca de uma árvore medicinal na beira do córrego Pindaíba, em Planaltina, perto de Brasília. Josias usava raspas do caule para fazer chá para sua mulher vítima da doença de Chagas. Foi algemado e encarcerado na delegacia. Por essa e outras, o jurista e ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr. classificou a lei ambiental do Brasil como “um desastre. É a legislação mais envergonhante do Direito brasileiro. Eu a chamei de a lei hedionda dos crimes ambientais´”. E deu um exemplo tão burlesco quanto perturbador: “Se você escorrega e amassa a begônia do jardim do vizinho é crime.”
Mudanças alopradas na lei – O Código Florestal não tem 50 anos. Foi promulgado há 77, em 1934, reformado em 1965 e sucessivamente adulterado por decretos, leis, medidas provisórias, portarias, resoluções da burocracia ambientalista encastelada no Estado. Boa parte dos produtores rurais foi posta na ilegalidade por supostos crimes cometidos antes da tipificação. A reserva legal de 80% na zona de floresta da Amazônia, por exemplo, é de 2000, mas antes disso o próprio Estado incentivava o pequeno lavrador que ele próprio levava como colono a derrubar a mata para ter direito ao lote e acesso a crédito. Com a mudança na lei, virou delinquente.
Audiências pluralistas – Soa como insulto desqualificar as 64 audiências públicas que realizamos. Foram ouvidas todas as correntes de opinião. Grupos como o Greenpeace foram a quase todas e falaram à vontade. Aliás, em matéria de pluralismo, o artigo de Miriam Leitão é um caso acabado de uniopinião: ouviu um pesquisador do Imazon, contra meu projeto, evidentemente. Tal ONG é financiada por organizações como Fundação Ford, WWF-Usaid, Banco Mundial e Comissão Européia/Joint Research Center. Daí minha insistência em apontar a relação comercial e geopolítica entre essas entidades e os interesses econômicos que movem os Estados.
O papel dos militares – Não me cabe convencer a ninguém de que a versão do código de 1965 correspondeu a uma “obsessão radical do governo militar”. A reforma do Código de 1934, que gerou a lei n.º 4.771, de 15 de setembro de 1965, não foi uma iniciativa dos militares, mas da presidência democrática de João Goulart. Com base em propostas formuladas desde 1950, o governo do primeiro-ministro Tancredo Neves encaminhou o projeto ao Congresso em 1962. Para a aprovação da lei em 1965, não havia, naturalmente, conluio entre caserna e ONGs, que são um produto contemporâneo da globalização e do neoliberalismo com a pretensão de ao menos influir nas decisões dos Estados nacionais. Para os militares, a pior poluição era pobreza, e daí se inferem suas preocupações ambientais.
Terra não é problema – Não defendo o desmatamento de terras virgens para uso da agropecuária. A Confederação Nacional da Agricultura é que diz defender o “desmatamento zero”, com o que não concordo completamente, pois há estados do Nordeste com porções de Cerrado que podem ser exploradas de forma sustentável para a produção de alimentos. Fixei em meu projeto uma moratória de cinco anos, que corresponderia ao período estabelecido para a regularização das propriedades postas fora da lei. Mas há pressões, até do Executivo, para que esta salvaguarda seja retirada. O problema é impedir o agricultor de usar a terra que tem e está diminuindo. Os censos do IBGE registram que entre 1996 e 2006 foram expropriados da agropecuária 23,7 milhões de hectares.
Anistia é para erro – Quando a redatora afirma que “o erro principal da mudança do Código Florestal é se basear na tese de que é preciso anistiar o que foi feito errado” segue o padrão de não saber o que diz. À situação dos agricultores aplica-se o chiste do Barão de Itararé: “Anistia é um ato pelo qual os governos resolvem perdoar generosamente as injustiças e os crimes que eles mesmos cometeram”. Ademais, meu projeto não inventou anistia alguma. Ela foi concebida e concedida pelo governo do presidente Lula e seu ministro ambientalista Carlos Minc, pelo decreto n.º 7029, de 10 de dezembro de 2009, promulgado sem nenhum debate.
Massacre dos 5 ha – Metade das propriedades do Nordeste tem até 5 hectares, e apenas 0,6% da área com APP e Reserva Legal. Miriam e seus aliados querem confiscar 20% desse espaço para Reserva Legal e se um riachinho cruzar a propriedade (30 metros de mata ciliar de cada lado) mais 60% da área. Ao infeliz restaria quase nada para cultivar e sobreviver. Comigo, não, senhora jornalista.
* Aldo Rebelo é deputado federal (PCdoB-SP) e relator do novo Código Florestal