Xilogravura nordestina: Tradição revisitada

Com mais de 100 gravuras, a exposição "Xilogravura Nordestina" sintetiza cinco décadas da arte da xilografia na Região Nordeste do Brasil

Xilogravura

Resultado de uma longa pesquisa do artista plástico, compositor e escritor Bené Fonteles, a exposição "Xilogravura Nordestina" será aberta amanhã, no Memorial da Cultura Cearense. A mostra rememora as últimas cinco décadas da xilografia na Região, por meio de mais de 100 obras de artistas pioneiros e contemporâneos.

A ideia é mostrar aos próprios cearenses – e, posteriormente, ao público de outros estados – toda a riqueza estética e o vasto universo cultural que marca a xilografia nordestina. Para isso, a exposição resgata trabalhos desde a década de 60, a exemplo de Mestre Noza (Juazeiro do Norte), primeiro xilogravador a ser conhecido no Brasil e no exterior.

Noza foi pioneiro na questão de popularizar a técnica, ao trabalhar por encomenda para a Tipografia São Francisco, que desde os anos de 1930 era a mais importante editora e impressora do Cariri. A gráfica foi rebatizada pelo poeta Patativa do Assaré com o nome de Lira Nordestina, tornando-se por muito tempo a mais tradicional editora de cordel do País.

"Desde os anos 80 pesquiso sobre a xilogravura. Estou produzindo um livro sobre o assunto, que será lançado até o final deste ano" revela o curador Bené Fonteles. "90% das obras que compõem a mostra são da minha coleção, voltada aos artistas mais antigos – como, por exemplo, os de Juazeiro e do Crato, dois celeiros de talentos. Outro destaque é J. Borges, de Bezerros (PE), grande gravador pernambucanos".

Segundo Fonteles, a afinidade com xilogravura há muito faz-se presente no seu trabalho. "Como artista plástico, sempre fui ligado à questão das artes gráficas. Nas décadas de 70 e 80 usava a máquina de xerox como um tipo de prensa de gravura contemporânea", recorda.

Ao todo, integram "Xilogravura Nordestina" mais de 30 artistas, de quase todos os estados da região (exceto Rio Grande do Norte e Piauí), distribuídas pelas duas galerias do Memorial. Entre os nomes estão mestres como Antônio Celestino, Arievaldo Viana, Expedito da Silva, Fracorli, Francisco de Almeida, Gilvan Samico, J. Borges, Cícero Lourenço, Mestre Noza, Nilo, Stênio Diniz (mestre da Cultura), entre outros.

"A ideia era fazer uma síntese da xilografia nordestina ao longo das últimas cinco décadas. Ao mesmo tempo, percebe-se a evolução na trajetória dos mestres, que vão depurando sua estética", esclarece Fonteles.

"Para mim, a edição não foi tão difícil, porque já tinha conhecimento do assunto. Mas havia alguns artistas contemporâneos no Ceará cujos trabalhos não conhecia, pois estou afastado do Estado há algum tempo. Em compensação, nos últimos dois anos entrei em contato com artistas de outros lugares, como Sergipe e Alagoas", destaca o pesquisador.

"A hora de editar tem suas complexidades. Na última hora surge a sugestão de alguém, um artista, um catálogo. A coisa vai crescendo e isso é que é legal na curadoria", observa Fonteles. Depois de Fortaleza, a exposição vai circular pelo Brasil, como uma espécie de prévia do lançamento do livro do curador. A mostra deve passar por Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Salvador e Recife.

Em Fortaleza, além das obras, haverá uma sala onde estará montada uma réplica de um pequeno ateliê de xilogravura. "Pelo vidro os visitantes poderão ver todo o material utilizado, como a prensa", orienta o curador. A exposição traz ainda as matrizes das imagens, para o público tocar, inclusive pessoas com deficiência visual.

Para Fonteles, o mais importante em "Xilogravura Nordestina" é compreender como os artistas "assimilaram" sua cultura, transformaram-na e recriaram-na por meio da xilografia. "Eles invadiram o imaginário popular, especialmente por meio do cordel, porque há algumas décadas a xilogravura era a única forma de o ´povão´ ter contato com suas próprias imagens, suas raízes", observa Fonteles.

Segundo o curador, foi somente depois de inspirar os intelectuais que o trabalho dos xilogravadores passou a ser valorizado. "Até hoje muitos não são conhecidos ou inseridos no mercados. As obras custam muito pouco. No Ceará temos bons pesquisadores, como Gilmar de Carvalho, uma sumidade no assunto. Mas a exposição junta todas as pontas da xilografia no Nordeste", ressalta Fonteles.

Serviço

Exposição Xilogravura Nordestina. De amanhã até 12 de junho, no Memorial da Cultura Cearense (Centro Dragão do Mar). Acesso livre. Nos dias 31/03 e 01/04, às 19h, haverá visitas guiadas com o curador Bené Fonteles e os artistas José Lourenço e João Pedro (Juazeiro do Norte). Contato: (85) 3488.8600

Fonte: Diário do Nordeste