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Egípcios não desistem da conquista de direitos e liberdade

Tal como aconteceu na Tunísia, também no Egito o povo não desiste de conquistar o futuro. Na segunda-feira (7), de acordo com a Al Jazeera, pelo menos dois milhões de pessoas exigiam nas ruas das principais cidades do país – com destaque para o Cairo, Alexandria ou Suez – os direitos sociais e laborais, a justiça social, a democracia e a liberdade negadas durante décadas de ditadura, como refere a nota de solidariedade divulgada pelo PCP.

A capital, e mais concretamente a praça Tahrir (Libertação), era o centro mais visível da revolta, mas em toda a área metropolitana da cidade a televisão do Qatar estima em um milhão o total de manifestantes.

Tal como os tunisinos, também os egípcios conquistaram a pulso não apenas a simbólica praça, tomada definitivamente às autoridades na sexta-feira, dia 29, após quatro dias de confrontos e repressão policial que deixaram cerca de 140 mortos, milhares de feridos e detidos – mas sobretudo o direito de fazerem ouvir a sua voz de exigência de mudança.

Foi a força imparável das massas em movimento que, na Tunísia, forçou, em 14 de janeiro, o déspota Ben Ali a fugir para a Arábia Saudita. A data empresta o nome à Frente que forças democráticas e progressistas, entre as quais o Partido Comunista da Tunísia, constituíram com o objetivo de conduzir o processo revolucionário.

É também o caudal imenso de vontade popular que no Egito impõe a dinâmica transformadora e recusa negociações com Mubarak e os seus partidários, desconfia de caudilhos e salvadores da pátria como o recentemente regressado El Barahdei, e obriga as Forças Armadas a abandonar a fidelidade para com o regime.

O fato das cúpulas militares terem vindo a público considerar “legítimas as reivindicações populares”, garantindo a não interferência nas movimentações de massas, indica que Mubarak pode ter já perdido um dos pilares que sustentavam o seu poder, mas confirma, igualmente, uma prática que o curso dos acontecimentos vinha revelando.

Após o abandono das ruas por parte da polícia, os militares não só não colocaram obstáculos como até em alguns casos colaboraram com a constituição dos comitês populares que nas cidades asseguram a ordem pública. Alexandria foi um dos primeiros e, porventura, o exemplo máximo, da inevitabilidade do controlo popular sobre os acontecimentos, já que as forças da ordem foram expulsas da cidade, embora, como noutros pontos do país, mantenham unidades mecanizadas nas vias de comunicação.

Alternativa, e não alternância

Tal como na Tunísia, também Hosni Mubarak procurou afogar a revolta, primeiro pela repressão e depois pela ilusão da mudança. Mas o recolher obrigatório nunca foi atendido pelo povo egípcio. Por cada trabalhador que caía morto, dois pareciam levantar as bandeiras do combate à fome, à miséria, ao desemprego, à submissão, mostrando ser impossível aplacar a rebelião.

No final da semana passada, o partido de Mubarak disse cinicamente estar ao lado das reivindicações populares e disposto ao diálogo. Horas depois, o presidente anunciou um novo governo e a intenção de proceder a um alargado conjunto de reformas econômicas, políticas e sociais. As promessas acabaram por parir um executivo onde Mahmud Wagdi, ex-responsável pelos serviços carcerários e de investigação criminal, era o ministro do Interior; onde os ministros dos Negócios Estrangeiros e da Defesa, Ahmed Abul Gheit e Husein Tantaui, se mantinham; onde o ex-chefe dos serviços secretos, Omar Suleimán, passava de torcionário máximo a vice-presidente. Tal como os tunisinos, também os egípcios rejeitaram a farsas e a alternância sem alternativa.

Razões profundas

No Egito, a exemplo do que acontecera na Tunísia, o governo, crente de que o levantamento não tinha raízes profundas nas condições concretas de vida do povo e na situação do país, tentou bloquear a circulação de informação.

O último servidor de internet a funcionar foi encerrado segunda-feira, mas, tal como nos dias precedentes o bloqueio de outros servidores havia deixado claro, confirmou-se que as redes sociais eram uma (eficaz) forma de dinamização dos protestos, mas as causas profundas para que cada vez mais milhões de pessoas se manifestassem nas ruas não se encontravam na web. Também não se encontravam nas reportagens da Al Jazeera, da Telesur ou de outros meios de comunicação social, cujos profissionais e cobertura noticiosa foram abafados. Encontravam-se e encontram-se na vida que cada um e todos os egípcios já não aceitam seguir do mesmo modo e, por isso, quem os oprimiu e explorou também já não o pode continuar a fazer.

Imperialismo em ação

Desesperados pelo vórtice dos acontecimentos, os imperialistas tentaram meter água na fervura enquanto manobravam. O vice-presidente dos EUA, Joe Biden, sublinhou que “Mubarak não é um ditador”, uma vez que tem sido aliado dos EUA na região assegurando os interesses geopolíticos norte-americanos. Posição idêntica assumiu a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, para quem o executivo de Mubarak é “estável” e dá resposta “às necessidades e interesses legítimos dos egípcios”.

Quando o movimento se tornou imparável, os EUA passaram a apoiar a “transição ordeira”, abstendo-se, no entanto, de condenar as repetidas violações dos direitos humanos cometidas pelo regime durante três décadas e a repressão contra os manifestantes.

Na segunda-feira, os norte-americanos ainda enviaram o ex-embaixador Frank Wisner (homem experiente no Egito, dado que ali esteve entre 1986 e 1991, mas também no Kosovo onde acompanhou o processo de secessão da Sérvia) para contactos nas costuras do poder egípcio; com a missão de transmitir “a perspectiva de Washington sobre os acontecimentos” e levar aos “atores políticos centrais” que tão bem conhece [domina] a visão do presidente Obama de que Mubarak deve mostrar ao povo “ações e não apenas proclamações”.

Mas este parece ser um processo no qual, para já, o imperialismo não detém todo o controlo (as declarações de Shimon Peres, presidente de Israel, apoiando abertamente Mubarak expressam alto e bom som que, para o Estado sionista, os EUA deveriam ter intervido “profilaticamente” contra a revolução), e talvez por isso Hillary Clinton tenha convocado para uma reunião de trabalho sobre política externa no Departamento de Estado todos os 260 representantes diplomáticos dos EUA no mundo.

É que no Sudão, Jordânia, Iêmen ou Argélia os povos levantam-se, e a julgar pelo que está a acontecer na Tunísia e Egito, os EUA não pretendem ir a reboque dos acontecimentos, fazendo a triste figura da Internacional Socialista que, após anos de convivência com o Partido Constitucional Democrático de Ben Ali e como Partido Nacional Democrático de Mubarak, os renegou por mau comportamento.

Fonte: Jornal Avante!