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Protesto estudantil na Itália: geração irada após o crescimento

É insuportável para mim a forma como nestes dias são qualificados o movimento dos estudantes e as formas de insurgência que vão surgindo. Se faz muito barulho pelo menor gesto anômalo como se nos movêssemos em um ambiente político institucional perfeito, correto, eticamente irrepreensível. Mas não serei quem vai atirar a primeira pedra contra os estudantes.

Por Marco Revelli*

Creio que é um movimento pós político. Os migrantes também se levantam, os operários de Pomigliano rebelados contra a chantagem. É uma parte da sociedade que vai pelos ares, desconectada, que compreendeu que as dinâmicas político institucionais e suas vidas são dois mundos separados.

É um movimento que se mede com a inédita dureza da vida contemporânea enquanto o resto da sociedade se m ove dentro da bolha narrativa da sociedade do bem-estar. Isso os distingue de todos os sujeitos coletivos do século 20, que cabiam no projeto de desenvolvimento. Estes novos movimentos habitam na decadência.

Os protagonistas de terça feira eram em grande parte menores de idade que não podem ser entendidos com nenhuma das chaves da análise política e social anterior. São filhos do bem estar interrompido, a geração “futuro zero”. O mesmo se podia dizer de Genova, embora então, por trás do movimento, estava a acumulação política anterior. Estes, por sua vez, têm uma linguagem inédita e nem sequer levam o Che em suas bandeiras. São o produto da Segunda República e da tábula rasa de todas as culturas políticas.

Colocarei um exemplo. Em Turim, o Politécnico sempre havia sido uma escola de elite e um lugar da ordem. De lá saiam engenheiros formados dentro do horizonte da grande empresa, que assumiam seus códigos de funcionamento. Eram os guardiães do conhecimento do grande capitalismo.

Pois bem, hoje o Politécnico é o mais radicalizado. Tenho ouvido pesquisadores e engenheiros e me parece estar ouvindo os operários de Mirafiori dos anos oitenta. Força de trabalho usada em grande escala e que de repente é privada de direitos e de autoestima para ser jogada em um segmento periférico. Os garotos formados no Politécnico descrevem um panorama de privação da função social, de status e controle sobre sua própria vida.

E eles são a elite. Outro dia, diante de uma aula magna, havia um banner que dizia: “Vocês tiraram muito de nós, agora queremos tudo”. Os recursos que se esfumaram nos grandes circuitos financeiros globais estão deslocalizados. A dimensão da política atual é transversalmente indecente, com sua máxima degradação na direita. É uma dimensão em que é fácil perder-se. Pode haver exceções, mas são animais raros. O espetáculo que se representou outro dia na Câmara dos Deputados e no Senado indica que o parlamento não é um lugar onde o movimento possa encontrar apoio. É o deserto dos tártaros.

A eficácia deste movimento não passa por sua capacidade de empoleirar-se na política, mas consiste no fato mesmo de existir. Hoje em dia já é um triunfo que os movimentos existam como corpo que enchem as ruas. Sua linguagem pode ser desarticulada, mas não pode se reduzir ao discurso oficial, à narração dominante.

Como evoluirá, Não sei. A crise pode gerar situações imprevisíveis em uma sociedade que se baseou no mito da opulência e do consumo. O empobrecimento também pode produzir rancor e ódio

* Reproduzido do site http://www.megachipdue.info/