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Pacificação desagrada criminosos, que reagem com violência no Rio

Há quase dois anos, o governo do Rio de Janeiro implantava no morro Santa Marta, em Botafogo, a primeira Unidade de Polícia Pacificadora. Se no início a novidade parecia mais um programa fadado ao fracasso ou à mera pirotecnia política, hoje – quando 12 comunidades contam com UPPs e cerca de 200 mil pessoas são beneficiadas – seus resultados podem ter sido suficientemente incômodos ao ponto de se transformarem no foco da onda de violência que tem alarmado cariocas e fluminenses.

 
Policiais reagem contra ataques (por Sérgio Moraes/Reuters)  

A recente sequência de crimes teve início no domingo (21), quando homens atearam fogo em dois veículos na Linha Vermelha depois de assaltar os motoristas. Nos dias subseqüentes, outros atentados, roubos, incêndios, arrastões etc. mudaram a rotina da população, espalhando pânico pelas ruas do Rio. Nesses últimos quatro dias, 21 pessoas morreram e houve 150 detenções. Mas, há dois meses o estado tem registrado ações como essas. 

O tipo de crime e sua concentração nestes últimos tempos fizeram com que as autoridades do estado apontassem os acontecimentos como reação de facções criminosas à atuação do aparato de segurança pública, em especial as UPPs, que teriam expulsado traficantes de comunidades onde antes reinavam absolutos.

Nesta quarta-feira (24), o governador Sérgio Cabral declarou em entrevista à rádio CBN que "nós, desde o primeiro dia, enfrentamos a marginalidade, seja ela qual for, com intensa firmeza e coragem. Evidente que, nesses quatro anos que se encerram no mês de dezembro, esses marginais perceberam, lutaram, sofreram e se prejudicaram com a nossa política. Portanto, essa ação que acontece na Região Metropolitana não é de ameaça, mas, sim de desespero da marginalidade, percebendo que há uma política de retomada de territórios que fragiliza cada vez mais essa marginalidade, o tráfico de drogas, o contrabando de arma".

O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, tem dado declarações na mesma direção e nesta quarta dirigiu-se à população dizendo que “as pessoas estão assustadas e, sem dúvida nenhuma, essas questões assustam, mas nós temos um propósito, temos um lugar a se chegar. Obviamente que enquanto não chegarmos ao lugar que a gente pretende vamos ter que continuar convivendo com ações do Rio de Janeiro antigo, não há mágica para isso”.

Beltrame lembrou que “a transformação que se quer fazer no Rio não vai ser feita de uma hora para outra porque lideranças criminosas estão instaladas aqui há muito tempo. A solução definitiva desses problemas é a execução de um plano concreto.”

Ações rápidas e orquestradas?

 
  Motorista e cobradora saem feridos de van incendiada em Santa Cruz (por Marcia Foletto/O Globo)

Na avaliação do jurista Wálter Fanganiello Maierovitch, em artigo publicado no portal Terra, o comando para a execução de “ações rápidas” partiu dos presídios por parte de lideranças do Comando Vermelho e Amigo dos Amigos, como forma de “difundir medo na população, desmoralizar as forças de ordem e abrir caminho para um acordo com o governo do estado”.

Segundo Maierovitch, no Rio “essas duas organizações criminosas conseguem se unir, como se percebe no momento, numa confederação criminal. E as milícias paramilitares, que também têm controle de território e social, dão apoio velado porque muitos dos seus membros são policiais”. As UPPs, até agora, “conseguiram, embora de forma lenta, reconquistar território e retomar o controle social nos morros do Rio de Janeiro. Por evidente, essas retomadas geram prejuízos financeiros para as organizações, cujo lucro é a sua única ideologia. Mais ainda, geraram, como esperado, a migração para outras localidades”, explica.

O coordenador de pesquisas do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Marcos Bretas, relativiza a união de grupos rivais. “Essa união é algo que não se sabe exatamente se acontece porque está se começando a falar nisso. Acho surpreendente que possam se unir porque há diferenças grandes, históricas entre eles, mas talvez, em nome de uma crise eles, tentem se unir”, declarou ao Vermelho. No entanto, Bretas diz que os atos de violência podem ser “parte de uma estratégia de grupos que estão perdendo força”.

Na avaliação de Bretas, nunca houve por parte do estado do Rio de Janeiro uma política deste tipo. “É bastante ousada e o governo mostrou grande capacidade de formular, executar e aprender com as circunstâncias”.

Ele ressalta como aspectos positivos das UPPs o fato de o programa ter tido continuidade desde sua criação e de ter proporcionado “a afirmação de direitos a grupos que nunca tiveram acesso à segurança pública”. Bretas diz que o cenário atual “pode ser mais penoso para uma classe média localizada, a imprensa faz um enorme alarde porque as coisas estão acontecendo na Zona Sul, nos bairros da classe média. A violência era uma coisa ficcionalizada, imaginada e relacionada aos outros, só que ela saiu do mundo da favela”.

Investimento em inteligência

 
Posto da PM é atacado em Del Castilho (por Marco Antonio Teixeira/O Globo)  

Crítico à política de segurança pública do Rio de Janeiro, o deputado estadual Marcelo Freixo (PSol) declarou à CartaCapital que “dizer que qualquer coisa que aconteça é uma reação a essa política é precipitado. O serviço de inteligência deve trabalhar para dar a real dimensão do que está acontecendo”. Porém, reconhece que “a chance disso tudo estar acontecendo como reação as UPPs e a dificuldade que o tráfico vem enfrentando há bastante tempo, é provável e um tanto quanto evidente, inclusive. É nesse momento, mais do que nunca, que o serviço de inteligência da Secretaria de Segurança Pública precisa agir”.

Ana Rocha, presidente do PCdoB-RJ, também vê como essencial o investimento em inteligência. “A questão da segurança é nevrálgica no Rio de Janeiro e seu enfrentamento não é fácil porque implica também lidar com a questão das drogas, das armas etc. Uma política de segurança tem que levar em conta medidas de enfrentamento como as UPPs – que são bastante positivas, mas não são suficientes –, como também medidas de inteligência para ver como enfrentar tais questões de maneira mais abrangente e eficiente”.

A opinião do PCdoB, expressa em seu Programa Socialista, é de que a política de segurança deve ser fundada “na integração entre União, estados e municípios, constituindo um Sistema Único de Segurança Pública que tenha a participação solidária e o controle da sociedade”. Coloca também que é necessário “realizar ações prioritariamente preventivas e de repressão à violência criminal” e combater “o crime organizado e o narcotráfico”.

Com base nesses princípios, os comunistas têm defendido, inclusive em documento apresentado recentemente pelo partido à equipe de transição do governo Dilma Rousseff, que a segurança deve ser “orientada por uma nova política nacional que assegure o direito fundamental do cidadão a uma vida com paz e segurança”.

Da redação,
Priscila Lobregatte