Cláudio Ferreira Lima – Responsabilidade eleitoral

O debate político vivifica a democracia. Só ele é capaz de melhor definir os destinos do País. Nesta campanha eleitoral reinou como nunca o marketing em detrimento da política, escondendo os projetos em disputa, o que me levou, no domingo anterior ao do segundo turno, sob o título “As forças em jogo”, a abordar o assunto neste espaço.

Vou bater uma vez mais nessa tecla. Defendo que há, sim, uma diferença essencial entre o que os dois candidatos representam. São rumos alternativos para o País e para o povo brasileiro. E era isso que deveria ter sido acentuado. Mas não foi.

Nos últimos 80 anos, dois projetos de País competem pelo poder e dividem a sociedade brasileira. O primeiro nasce do liberalismo econômico do Império, do Brasil agro-exportador, e a sua formulação atual, nas águas do neoliberalismo, deve-se ao governo Fernando Henrique Cardoso.

Nela, o Estado é figurante. Quem manda é o mercado. A questão social é tratada com o assistencialismo, e a regional sequer existe. A inserção externa caracteriza-se pela dependência e pelo alinhamento automático à potência hegemônica. Não há, em síntese, o objetivo de se construir uma nação, com, por exemplo, um mercado interno que acolha todas as classes sociais.

O outro projeto é o nacional-desenvolvimentista, que, de resposta à Grande Depressão de 1929, sob a Revolução de 1930, transforma-se, já no Estado Novo (1937-1945), por meio da industrialização, em projeto de construção nacional. Ganha força nos anos 50 com Vargas e JK. Procura avançar no começo dos anos 60 com as reformas de base de Jango, porém é contido pelo golpe de 1964. Mas retorna com o II Plano Nacional de Desenvolvimento de Geisel (1975-1979). Depois, incorpora a herança da luta contra a ditadura (1964-1985), assimilada pela Constituição de 1988, de modo que, nos dois governos Lula, evolui para um projeto de desenvolvimento nacional, democrático e popular.

Na peleja entre os dois projetos, é famosa a controvérsia do planejamento (1944-1945) entre Roberto Simonsen, desenvolvimentista, e Eugênio Gudin, liberal. Nos anos 60, a controvérsia são as reformas de base de Jango.

Mais adiante, a globalização, a onda neoliberal e o “pensamento único”, quando, para Celso Furtado, “resistir à visão ideológica dominante seria um gesto quixotesco”. Mas o mundo muda. Nesta campanha, a oposição, diante da popularidade do presidente Lula, renega o seu discurso, adotando no lugar dele um misto de denúncias (em geral, caluniosas) com temas religiosos. Até FHC protesta: “não estou disposto mais a dar endosso a um PSDB que não defenda a sua história”.

O debate político é que vivifica a democracia. Somente ele é capaz de melhor definir os destinos do País e do seu povo. E, aqui, têm papel destacado a imprensa, os intelectuais, a classe política, as representações de classe e os movimentos sociais.

Na campanha, ele é indispensável, devendo mesmo haver uma lei de responsabilidade eleitoral que exija dos candidatos conduta ética e transparência no debate das ideias. Do contrário, deixado ao livre jogo do marketing, só vai aumentar mais ainda o nosso já elevado índice de analfabetismo político.

Cláudio Ferreira Lima é economista.

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