Marcos Ruy: Quem tem medo dos homossexuais?
Os direitos dos homossexuais vieram à tona, por que os demotucanos, aliados a fundamentalistas religiosos, cínicos e neonazistas, disseram ser contra o projeto de lei 122/2006 que criminaliza a homofobia. Discurso que fortalece o preconceito, dissemina o ódio e divide a sociedade, como fez Hitler para ascender ao poder
Por Marcos Aurélio Ruy*
Publicado 31/10/2010 16:42
Para G. Weinberg a homofobia como “o receio de estar com um homossexual em um espaço fechado.” Já J. Boswell define o termo como “receio do semelhante” em vez de “receio do homossexual”. No livro Homofobia: História e Crítica de um Preconceito, do pesquisador Daniel Borrillo, analisa causas e efeitos da homofobia através dos tempos. “A homofobia é um fenômeno complexo e variado que pode ser percebido nas piadas vulgares que ridicularizam o indivíduo efeminado, mas ela pode também assumir formas mais brutais, chegando até a vontade de extermínio, como foi o caso da Alemanha nazista.” Ele diz que a opção sexual de uma pessoa, “deve ser considerada um dado não pertinente na construção política do cidadão e na qualificação do sujeito de direitos”, assim como a cor da pele ou a filiação religiosa.
Marco Aurélio Prado, afirma que “a homofobia tem se revelado como um sistema de humilhação, exclusão e violência”. Explica que “o autor nos ajuda a pensar o preconceito como um paradoxo que busca esconder outro paradoxo: a historicidade e a contingência das relações sexuais.” Para Borrillo “do mesmo modo que a xenofobia, o racismo ou o antissemitismo, a homofobia é uma manifestação arbitrária que consiste em designar o outro como contrário, inferior ou anormal.”
Origem do termo
O autor explica que “a invenção da palavra pertence a K. T. Smith que, em um artigo publicado em 1971, tentava analisar os traços da personalidade homofóbica.” Borrillo compara a homofobia a outras formas de preconceito: “a ideologia que preconiza a superioridade da raça branca é designada sob o termo ‘racismo’; a que promove a superioridade de um gênero em relação ao outro se chama ‘sexismo’”, portanto, diz ele, “em função do sexo, da cor da pele, da filiação religiosa ou da origem étnica é que se instaura, tradicionalmente, um dispositivo intelectual e político de discriminação”, acentua.
Afirma ainda que “desde o berço, as cores azul e rosa marcam territórios dessa summa divisio que, de maneira implacável, fixa o indivíduo seja à masculinidade, seja à feminilidade”. Isso mostra o enraizamento cultural do preconceito difundido pela sociedade patriarcal. De acordo com esse pensamento, “as mulheres existem enquanto objetos acolhedores, atraentes e disponíveis. Espera-se que elas sejam ‘femininas’, sorridentes, simpáticas, atenciosas, submissas, discretas, reservadas e, até mesmo, invisíveis. E a pretensa ‘feminilidade’ não passa, na maior parte das vezes, de uma forma de complacência em relação ás expectativas masculinas”, sublinha P. Bourdieu. Foram essas teorias, segundo Borrillo, que justiçaram “um tratamento diferenciado de gays e lésbicas, privando-os, em particular, do direito ao casamento, à adoção ou as técnicas de reprodução assistida.”
Medo do debate
Toda forma de preconceito é disseminada sobre a tríade da ignorância, do medo e do ódio. A ideia é “desumanizar o outro e torná-lo inexoravelmente diferente”, conclui. Os nazistas agiram assim disseminando o ódio para promover a guerra e o extermínio pura e simples de quem atrapalhasse a suposição da superioridade ariana. Foram perseguidos os judeus, os negros, os deficientes físicos e mentais, os comunistas, os homossexuais e todos os que pensavam diferente dos nazistas. Serra copia essa tática. Une-se a grupos fundamentalistas cristãos minoritários e exacerbam-se com o discurso homofóbico e contra o aborto. Temas usados na campanha demotucana para fugir do debate político.
Os protestos são contra o projeto de lei 122/2006 que criminaliza a homofobia. Para o presidente da ABGLT (Associação dos Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais), Toni Reis, “o que não pode é fazer apologia à violência. E quem assume a Presidência deve cumprir a Constituição e garantir que ninguém seja discriminado.” Borrillo diz que “à semelhança do racismo ou da misoginia, a hostilidade contra os gays e as lésbicas é, antes de qualquer coisa, o resultado da impossibilidade vivenciada por alguém para se representar a diferença, sobretudo, quando esta é percebida como ameaçadora ou, simplesmente incômoda.”
Medo do desejo
Para o autor, “na realidade, a homofobia constitui uma ameaça aos valores democráticos de compreensão e respeito por outrem, no sentido em que ela promove a desigualdade entre os indivíduos em função de seus simples desejos, incentiva a rigidez dos gêneros e favorece a hostilidade contra o outro.” Borrillo acentua que “à semelhança de qualquer outra forma de intolerância, a homofobia articula-se em torno de emoções (crenças, preconceitos, convicções, fantasmas…), de condutas (atos, práticas, procedimentos, leis…) e um dispositivo ideológico (teorias, mitos, doutrinas, argumentos de autoridade…).”
Diz ele que “a mulher tem sido pensada como um homem incompleto” e por isso inferior. Assim, os homossexuais são considerados transgressores da natureza e da ordem vigentes por serem efeminados e as lésbicas por se recusarem ao papel destinado naturalmente às mulheres. “A ordem (chamada ‘natural’) dos sexos determina uma ordem social em que o feminino deve ser complementar do masculino pelo viés de sua subordinação psicológica e cultural.”
Na época de Stalin, afirma Borrillo, “para a ideologia comunista, a homossexualidade devia ser tratada como um fenômeno político, resultante da decomposição moral própria ao sistema capitalista.” Mas que na Alemanha nazista, “na mesma época, um plano de perseguição e de extermínio dos homossexuais”, os equiparava aos comunistas. Na sociedade atual “ser homem implica menosprezar as mulheres e detestar os homossexuais”, diz ele, “porque a homofobia permite recalcar o medo enrustido do desejo homossexual.”
“Homofobia designa dois aspectos diferentes da mesma realidade: a dimensão pessoal, de natureza afetiva, que se manifesta pela rejeição dos homossexuais; e a dimensão cultural, de natureza cognitiva, em que o objeto da rejeição não é o homossexual enquanto indivíduo, mas a homossexualidade como fenômeno psicológico e social”, diz Borrillo. A delimitação desses dois campos, entretanto, é difícil e a “homofobia descreve os gays e lésbicas como criaturas grotescas, objetos de escárnio”. Basta assistir a programas “humorísticos” da TV. Em entrevista concedida ao jornal mexicano La Jornada, Fidel Castro lamentou não ter prestado “atenção suficiente” a uma perseguição que ocorreu em momentos de “grande injustiça” e de não ter corrigido essa situação na Revolução Cubana. O líder cubano reconheceu um erro e desculpou-se por ele. Exemplo que deveria ser seguido por todos.
*Marcos Aurélio Ruy é jornalista