Sem categoria

Chanceler venezuelano discute "plano de paz" com Lula

Em meio à crise entre Venezuela e Colômbia, o chancelar venezuelano, Nicolás Maduro, esteve nesta segunda (26) com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para propor um "plano de paz" para a América Latina, como forma de solucionar o impasse. Maduro deu início a um rápido giro pelos países vizinhos, com o objetivo de discutir esta estratégia, que deve ser apresentado na quinta, durante reunião da Unasul, em Quito.

A reunião da Unasul foi convocada de forma urgente depois que o presidente venezuelano, Hugo Chávez, rompeu relações diplomáticas com a Colômbia, devido à acusação de Bogotá de que líderes da guerrilha Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) estavam em território venezuelano.

"Queremos iniciar aqui no Brasil uma rede para conversar amplamente com todos e informar aos governos do continente sobre as circunstâncias deste problema. Há a necessidade de um plano para consolidar a paz na região", disse Maduro à imprensa após uma reunião de mais de duas horas com o presidente Lula.

"Como todos sabem, nosso governo é de paz, com vocação sul-americanista, latino-americanista", disse Maduro, após sair da reunião no Centro Cultural Banco do Brasil, sede provisória do governo, enquanto o Palácio do Planalto passa por reformas.

Segundo ele, Hugo Chávez defende a união entre os países sul- americanos e “merece respeito”. “O presidente Chávez é um combatente pela união e integração, que merece o respeito entre os Estados, a paz e o trato entre iguais”, afirmou Maduro.

Em entrevista ao Opera Mundi, reproduzida abaixo, o chanceler foi contundente ao afirmar que, diante de qualquer ação agressiva da administração Uribe, a Venezuela irá responder com “medidas extremas de proteção”. Também acusou os Estados Unidos de serem o “pano de fundo” da crise e repetiu o alerta do presidente Chávez, de que o fornecimento de petróleo e derivados será suspenso em caso de qualquer ataque colombiano.

O secretário-geral do Itamaraty e ministro interino de Relações Exteriores, Antônio Patriota – que também participou do encontro entre Maduro e Lula – disse que o Brasil vai trabalhar pela estabilidade entre Colômbia e Venezuela até que Uribe transmita o cargo para o presidente eleito do país, Juan Manuel dos Santos. A posse está marcada para 7 de agosto. "Estamos trabalhando aqui para construir a confiança entre os dois países e manter a tranquilidade até a transmissão do poder na Colômbia", disse Patriota.

Nicolás Maduro viajaria nesta terça para Buenos Aires para se reunir com a presidente Cristina Kirchner e Néstor Kirchner, atual presidente da União de Nações Sul-Americanas (Unasul). "Temos que trabalhar para construir fortemente a convivência entre os povos da América Latina e do mundo. Não queremos que esse tipo de situação continue ou aconteça novamente", disse Kirchner sobre o conflito Caracas-Bogotá, após ter se reunido com o presidente eleito da Colômbia, Juan Manuel Santos.

O venezuelano deve visitar ainda Chile, Peru, Paraguai, Uruguai e Bolívia para "ampliar a informação" e "levar uma mensagem do presidente Chávez" às autoridades desses países. Segundo ele, o objetivo da viagem é colocar em pauta um plano de paz para tratar da tensão entre Venezuela e Colômbia.

Veja abaixo a entrevista que Maduro concedeu ao Opera Mundi:

Opera Mundi: Qual o objetivo da sua visita ao Brasil?
Nicolás Maduro: Foi uma visita relâmpago, para trazer uma mensagem pessoal do presidente Chávez ao governo brasileiro, além de oferecermos mais informações sobre as ameaças do governo colombiano contra a Venezuela. O presidente Lula teve o gesto honroso de nos receber.

Apresentamos os esboços do plano que vamos levar à Unasul (União das Nações Sul-Americanas), que se reúne na próxima quinta-feira em Quito, focado na necessidade de plano de paz permanente para a região. A guerra civil na Colômbia extravasou suas fronteiras e ameaça a segurança das nações andinas.

Opera Mundi: Mas quais são as propostas centrais desse plano?
Maduro: Estamos em processo de consultas. Vamos apresentá-lo formalmente na quinta-feira. Não queremos adiantar os detalhes neste momento porque acreditamos que deve ser muito discutido previamente à sua apresentação na quinta-feira, para que ganhe viabilidade.

Mas temos insistido que a corrida armamentista que está acontecendo na Colômbia há varias décadas, particularmente a partir do Plano Colômbia, e agora com as bases militares norte-americanas, leva a um transbordamento da violência daquele país na direção dos países vizinhos.

Queremos encerrar essa situação com um plano de paz que possa superar a guerra na Colômbia, que já causou um ataque, em março de 2008, ao território do Equador e que representa uma ameaça permanente à revolução democrática na Venezuela.

Opera Mundi: O senhor avalia que a crise entre os dois países pode levar a um conflito militar?
Maduro:
É isso que queremos evitar. Já estamos em conflito político e diplomático contra uma doutrina que causou os ataques ao Equador. Uma doutrina que viola o direito internacional em relação à soberania e à inviolabilidade territorial dos países. Faremos todos os esforços para impedir seu desdobramento militar. Mas repudiamos a agressão diplomática do governo colombiano e defenderemos nosso território diante de qualquer tentativa de violação.

Opera Mundi: Após a eleição de Juan Manuel Santos para presidir a Colômbia, parecia que as relações com a Venezuela poderiam entrar em distensão. A que o senhor atribui a súbita mudança de situação?
Maduro:
Temos que relembrar que o presidente Chávez, no dia 14 de julho, anunciou o desejo de normalizar relações diplomáticas com a Colômbia, determinando que eu procurasse a futura chanceler do país vizinho para tratarmos dos termos de reaproximação.

No dia seguinte apareceram notícias, na imprensa colombiana, de que o presidente Uribe apresentaria provas contundentes de presença guerrilheira em território venezuelano. A partir daí foi deslanchada campanha intensa contra nosso governo, repercutindo também na mídia internacional, por meio da CNN e outras empresas de comunicação.

Uma semana depois o embaixador colombiano foi à OEA (Organização dos Estados Americanos) e passou horas ofendendo o presidente Chávez e nossas instituições democráticas. Mostrou umas fotos e simplesmente afirmou que guerrilheiros estavam escondidos na Venezuela, sem provar nada.

O presidente Uribe parece movido pelo interesse de manter seu espaço como chefe dos grupos mais conservadores e belicistas de seu país. Não tivemos outra opção que não o rompimento das relações diplomáticas.

Opera Mundi: Mas o próprio presidente Chávez disse que os grupos paramilitares e guerrilheiros de fato cruzam as fronteiras venezuelanas.
Maduro: Nós somos vítimas da guerra colombiana há 60 anos. Temos quatro milhões de colombianos vivendo na Venezuela, foragidos de guerra. E por que não voltam para a Colômbia? Porque se sentem inseguros, enquanto na Venezuela, a partir do governo Chávez, reconhecemos seus direitos ao trabalho e à seguridade social, ao progresso e à proteção do Estado.

Nessas décadas todas fomos constantemente invadidos por guerrilheiros, paramilitares e narcotraficantes, que se apropriaram de terras nossas. Mas usamos nossas forças armadas e policiais, comandadas pelo presidente Chávez, e hoje todos os 2,3 mil quilômetros que temos de fronteira com a Colômbia estão livres da produção de drogas ou laboratórios de processamento.

Foi um esforço que fizemos no combate também aos grupos armados. Mas esses quilômetros de fronteiras estão abandonados pela Colômbia. É muito difícil que não soframos mais risco de invasões enquanto não acabar a guerra na Colômbia.

Opera Mundi: O presidente Chávez anunciou que, se houver agressão militar da Colômbia contra a Venezuela, haverá medidas contra os EUA.
Maduro:
O presidente Chávez há muito tempo denuncia a agressiva movimentação norte-americana contra a Venezuela, com o apoio da Colômbia. As sete bases instaladas na Colômbia estão estrategicamente voltadas contra nosso território, para não falar na reativação da 4ª Frota e outras medidas.

Não temos dúvidas de que existe uma estratégia elaborada pelo Pentágono e pelo Departamento de Estado norte-americano para recuperar a hegemonia política que os EUA perderam na região por conta do avanço das correntes progressitas. Todas essas provocações da Colômbia e todas essas intenções agressivas têm, como pano de fundo, esse plano norte-americano. Se a Venezuela for agredida, tomaremos medidas de proteção, a começar pelo cancelamento do comércio de petróleo e derivados com os EUA.

Opera Mundi: O senhor não acha que a postura de seu governo pode aprofundar a tensão?
Maduro: Nós queremos ter as melhores relações com o governo da Colômbia e estamos trabalhando nesse sentido. Mas não se pode continuar essa campanha permanente contra o chefe de estado, as instituições e a democracia venezuelana.

A revolução bolivariana tem de ser respeitada assim como o governo da Colômbia. Queremos voltar a desenvolver o comércio, os investimentos conjuntos, o intercâmbio em todas as áreas — cultural, energética etc. Mas a partir de uma retificação profunda, do respeito mútuo e absoluto. Se isso não existir, não temos como fazer o diálogo avançar.

Com agências