Sem categoria

Kerry Kennedy: O tsunami da British Petroleum

O público americano não tem voz nem voto no colossal experimento da British Petroleum para deter a contaminação com petróleo no Golfo do México, denuncia neste artigo a ativista Kerry Kennedy.

As imagens de aves marinhas cobertas de óleo distraem da tragédia humana que se vive na costa norte-americana do Golfo do México desde que começou o vazamento da British Petroleum (BP). Quando Louise Bosarge, uma mulher da região, ouviu que o presidente Barack Obama qualificava sua comunidade de “resiliente’, sua resposta foi poética: “Resistimos. Resistiremos. Mas dói fazer uma e outra vez”.

Por Kerry Kennedy*

Com minha filha Mariah e uma equipe de especialistas do Centro Roberto F. Kennedy para a Justiça e os Direitos Humanos, passei os últimos dias no Mississippi, na Louisiana e no Alabama. Conversei com pescadores, marinheiros, donos de restaurantes, ecologistas, fazendeiros, fornecedores de serviços, trabalhadores portuários, hoteleiros, jovens e muitas outras pessoas cujas vidas estão afetadas pelo tsunami tóxico da BP.

O desastre começou em 20 de abril, com a explosão de uma plataforma petroleira que converteu a costa do Golfo do México em um lamaçal oleoso e deixa na ruína as indústrias pesqueira e turística, sustento das comunidades locais. “O petróleo será a única coisa que nos restará”, disse um antigo morador. “E com os políticos que as companhias de petróleo têm no bolso, a única coisa que haverá será mais pressão para continuar perfurando”, acrescentou. As fotografias de aves marinhas cobertas de óleo distraem da tragédia humana.

Preocupada com sua imagem, a BP já gastou US$ 50 milhões em uma campanha publicitária. Entretanto, a maré negra estrangula os meios de subsistência dos moradores e prejudica os ecossistemas da região. Em um barco a motor, viajamos cerca de 13 quilômetros mar adentro. Apesar da distância, tínhamos a sensação de estar sobre um colossal colchão de óleo furta-cor, que cobria a água de horizonte a horizonte. Apesar de todos usarmos máscara antigás, os olhos ardiam, a garganta fechava e a cabeça doía.

Nosso pequeno bote logo se transformou, para as aves, em uma espécie de santuário rodeado por barreiras flutuantes que tentavam conter o avanço do petróleo. Mas o óleo, ajudado por produtos dispersantes, deslizava debaixo das barreiras, invadia as límpidas águas e se convertia em um anel marrom e viscoso que rodeava uma ilha da qual nos aproximamos. Vimos um pelicano coberto por uma gosma pegajosa, que lutava para encontrar um ponto de apoio na costa rochosa, também suja de petróleo, mas escorregava aqui e ali.

Quando retornamos ao porto, o capitão disse: “esta noite sonharei com o pobre pelicano. Espero que não aconteça o mesmo comigo”. Os pescadores, já endividados por empréstimos para melhorar seus barcos que agora estão parados, temem que suas redes fiquem guardadas para sempre. A BP tenta “comprá-los” com promessas de pagamento da renda ou salários perdidos, mas, na realidade, arquitetou cinicamente um sistema que torna impossível à maioria dos pescadores concretizar suas reclamações ou ter sucesso nelas.

A BP forçou muitos dos que apresentaram denúncias a assinar documentos eximindo a empresa de futuras responsabilidades. Apenas por meio da pressão pública a empresa britânica aceitou anular esses acordos forçados. A máquina de relações públicas da BP disse que protegeria as equipes de limpeza da maré negra. Entretanto, os trabalhadores foram privados do equipamento necessário, e quando quizeram trabalhar com máscaras antigas foram ameaçados com demissão se insistissem em usar esses “desnecessários” aparelhos que, segundo a empresa, “servem apenas para espalhar histeria”.

Aos trabalhadores que se queixam de mal-estar, dor de cabeça ou dificuldade para respirar, a BP disse que têm “intoxicação alimentar” ou “golpes de calor”. A empresa advertiu que se quiserem tratamento médico devem procurar os médicos da companhia, e não os serviços de saúde pública. Os pescadores, habitantes e o público norte-americano em geral não têm voz nem voto na decisão de uma empresa privada de conduzir um colossal experimento para frear, até agora sem sucesso, o vazamento de milhares de milhões de litros de substâncias cancerígenas em uma das áreas pesqueiras mais ricas do planeta.

A BP se nega a revelar a lista de agentes químicos que utiliza nessa operação, de modo que pacientes e médicos não podem identificar e tratar adequadamente as doenças vinculadas ao desastre. Devido ao virtual silêncio sobre os impactos sanitários desses produtos químicos, nada se fez para preparar uma eventual evacuação dos moradores. Passadas muitas semanas, o retrocesso econômico se manifesta no aumento de problemas de saúde mental naqueles que perderam tudo o que tinham e temem pelo futuro.

As pessoas que vivem na costa do Golfo do México têm uma ideia clara do que é preciso fazer:

  • enviar todas as doações ao Gulf Coast Fund, mantido por organizações comunitárias ao longo de toda a região;
  • a BP deve cumprir sua promessa e pagar rapidamente compensações justas a todos os pescadores, trabalhadores ou empresários que sofreram perdas;
  • a BP deve dar uma bonificação equivalente a 30% do valor das capturas aos pescadores que continuam trabalhando em águas ainda autorizadas;
  • o governo deve desenvolver um plano de evacuação das comunidades costeiras de acordo com padrões internacionais para o tratamento de refugiados internos, como a unidade familiar, o respeito por seus direitos eleitorais e de retornar aos seus lares originais;
  • o governo deve destinar uma parte dos US$ 19 bilhões doados – e ainda não gastos – às vítimas do Furacão Katrina de 2005, à criação de cem mil empregos “verdes’, com salários adequados, na costa do Golfo.

Talvez leve décadas para a BP conseguir recuperar a normalidade da área. Mas, após este tsunami petrolífero, o mais urgente são as ações para respeitar os direitos dos que vivem ali.

*A autora é presidente do Centro Robert F. Kennedy para a Justiça e os Direitos Humanos. Direitos exclusivos IPS.

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.