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Experiências comparadas de regulação: o Brasil frente à Europa

Chama a atenção a situação porque passam dois grupos de países, identificados por dois acrônimos, BRIC e PIGS. Os do primeiro grupo estão entre os que mais se desenvolvem no mundo, com o destaque da China, o país de maior crescimento do planeta, e os do segundo estão ameaçados de “quebrar”, com a Grécia perto de uma comoção social.

Por Haroldo Lima e Luíz Dutra

Nos anos oitenta, quando o neoliberalismo se espraiou, o comportamento dos dois blocos foi diferente. No primeiro, o realce é para a China, que continuou com a construção do seu socialismo com peculiaridades chinesas, com controle estatal dos meios de produção e dos bancos. A Índia e a Rússia foram atingidas, mas resistiram. E o Brasil, que foi atingido profundamente, conseguiu manter sua maior estatal, a Petrobrás, alguns dos principais bancos, empresas de eletricidade e, no início do século, enveredou por um caminho desenvolvimentista. Já os países do PIGS embarcaram na onda neoliberal, e se deram mal, Aliás, a Islândia, campeã do neoliberalismo, teve o maior IDH do mundo em 2007 e, ao final de 2008, faliu.

A crise, que agora se abate sobre os países europeus que mais liberaram suas economias, teve seu início há dois anos. No setor energético, ela é anterior, surgiu com o colapso elétrico na Califórnia, em 2001. Na seqüência veio a falência da Enron, o “apagão” no Brasil e, depois disto, os diversos “blackouts” na Europa. Patenteou-se a ausência de uma regulação eficaz. No mesmo sentido, ocorre a recente crise da banca, também creditada à regulação “frouxa”. As hipotecas imobiliárias, a alavancagem dos bancos de investimento e as operações fora de balanço careciam de controle.

Contudo, dois anos após o início da crise e quase dez da fraude da Enron, a conotação liberal não foi inteiramente superada. O objetivo da regulação, para alguns, continua o de atrair investimento, e o mercado continua como o meio mais eficaz de se obter eficiência regulatória. Mas, na Europa, a população ainda padece de um mercado comum de eletricidade e gás natural. E não foram atingidas as metas para os biocombustíveis e outras fontes renováveis de eletricidade.

Embora ainda presente residualmente, a busca do Estado Mínimo não faz mais sentido e, diferentemente do que se dizia no I Fórum Mundial de Regulação (Montreal, 2000), quando se proclamava “menos regulação e mais mercado livre”, agora fica claro ser necessário o aprofundamento do que se falou no II Fórum (Roma, 2003) – “mais regulação e menos mercado livre”.

Comparada a outras, a regulação brasileira segue caminhos mais consistentes e contribui para o papel de destaque do país. Os convites para participar de discussões sobre geopolítica da energia são cada vez mais freqüentes. Tem a ver com o que conseguimos na nossa matriz energética. A participação majoritária da hidroeletricidade – Itaipu é um ícone; o pioneirismo e a liderança na produção de etanol de cana; a rapidez da introdução do biodiesel; a inserção do gás natural nos últimos quinze anos; a implantação de um programa de Pesquisa e Desenvolvimento (P & D) e de capacitação aplicados ao petróleo, único no mundo; a qualidade de nosso combustível, recuperada depois de décadas de abandono, graças ao monitoramento e à fiscalização inteligentes são conquistas que revelam uma nova “regulação”, sintonizada com a política, a serviço do desenvolvimento,, voltada para a diversificação energética, a defesa do meio ambiente, do consumidor e comprometida com o capital local.

As descobertas do pré-sal contribuirão para mudar o status geopolítico brasileiro e reforçarão o interesse pela experiência nacional. Ter mantido a estatal do petróleo e simultaneamente aberto o mercado, regulando-o efetiva-mente, foram as marcas de um modelo aderente às mudanças que ocorrem no mundo, modelo eficaz e garantidor da soberania do país. O Brasil se distanciou da experiência européia recente, tanto em termos de política de regulação, quanto em termos de resultado, tanto para a regulação bancária e financeira, quanto para o petróleo, gás e biocombustíveis. Ainda presente, a crise é a oportunidade de confrontar as práticas, suas filosofias, seus conteúdos ideológicos e políticos, seus códigos e resultados. A relativa rapidez com que o Brasil superou a crise internacional atual, os acertos recentes e a nova posição brasileira, em termos energéticos, permitem ao país contribuir para adequar a arte de regular ao século XXI; sem dúvida, aí reside parte da resposta sobre qual é o necessário tamanho do Estado.

Fonte: Tribuna da Bahia