Economista adverte: o câmbio continua matando
A questão do câmbio – tendência à valorização do Real frente ao dólar – é o principal problema da atualidade no Brasil, e não é apenas um problema econômico. A avaliação do economista Lecio Morais, assessor técnico na Câmara dos Deputados, é de que o Brasil deve adotar medidas restritivas à entrada de divisas e regulamentar o mercado interno de moeda, de modo a reduzir a livre flutuação do Real, diminuindo o custo fiscal e iniciando uma progressiva desvalorização.
Publicado 28/01/2010 15:57
“Essas iniciativas trarão a tão desejada queda na taxa básica de juros”, alerta o economista, destacando que esse “parece ser o único, embora difícil, caminho para evitar que nosso desenvolvimento seja abortado, condenando-nos à periferia por mais um século.”
Para ele, mantida a situação atual do câmbio, ele pode inviabilizar a oportunidade, recentemente aberta, de sair da pobreza e de ascender na hierarquia do sistema capitalista internacional”. E enfatiza que a questão cambial no Brasil não é apenas um problema econômico, mas sim um problema político estratégico do estado brasileiro.
E cita o também economista Mário Henrique Simonsen, que, no final dos anos 1970, quando se iniciava a crise da dívida e o Brasil vivia a restrição de divisas, dizia que se a inflação aleijava, o câmbio matava. “Hoje, embora em circunstâncias diferentes, continua a matar”, afirma Morais.
Ele alerta ainda que movimentos periódicos de desvalorização brusca do Real, como ocorreu agora em janeiro, também são prejudiciais. Eles não representam nenhuma segurança porque não serão revertidos em poucas semanas ou mesmo meses. "Sem estabilidade na taxa cambial a longo prazo, inviabiliza-se o cálculo econômico e é impossível se planejar novos investimentos, seja para ampliar as exportações seja para produzir internamente aquilo hoje importado".
Alto custo
Ele explica que no Brasil, essa tendência à valorização do Real não decorre de superávits das transações de comércio e de rendas com o exterior, mas sim do fluxo de capitais financeiros de curto prazo e da formação de expectativas por movimentos especulativos dentro e fora do país. A taxa de juros tem importante papel nesse processo.
A flutuação do câmbio tem custado desde 2002 até o final de 2009, só em emissões de títulos compromissados pelo Banco Central R$462 bilhões, 15% do PIB (Produto Interno Bruto). A conta não é barata, diz Lécio Morais, lembrando que mesmo sendo este cálculo um valor subestimado, o ônus da flutuação cambial desde 2002 é o dobro do déficit bruto da Previdência Social de R$236 bilhões, acumulado no mesmo período.
Ele diz ainda que a flutuação propiciou a criação de um novo mercado de derivativos financeiros que se propõe a proteger empresas expostas aos riscos cambiais, abrindo uma nova oportunidade para os agentes financeiros ganharem com a flutuação, em prêmios e taxas de corretagem. Esse ganho vem sendo subsidiado pelo Tesouro, através das operações de swap do BC. Assim, enquanto os mecanismos são de “mercado”, os custos da flutuação cambial são públicos.
Projeto “Ômega”
Para Lecio Morais, esse fracasso, longe de desanimar os defensores do câmbio flutuante, faz com que queiram medidas ainda mais radicais de liberação financeira e até a transformação do Real em moeda livremente conversível.
Ele denuncia a elaboração de um “projeto Ômega”, patrocinado por entidades de instituições financeiras e pela Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F-Bovespa), a ser lançado em março deste ano, para transformar São Paulo em um distrito financeiro internacional para a América Latina. Esse projeto tem como condição necessária a transformação do Real em uma moeda livremente conversível.
A manutenção de um regime de livre flutuação do câmbio se fundamenta na experiência de estabilidade que essa política traz às grandes economias capitalistas. Mas a flutuação cambial só pode fornecer estabilidade cambial se esses países sediarem também grandes centros financeiros onde se determina o valor dessas moedas no mundo. São sistemas financeiros tutelados por seus estados, que os regulam e neles podem atuar como emprestadores de última instância, como vimos na recente crise.
Mas, para países da periferia, como o Brasil, destaca o economista, incapazes de influenciar o preço internacional de suas moedas, um regime de flutuação cambial será sempre artificial e fiscalmente oneroso. “A flutuação será sempre ‘suja’, por falta de instituições financeiras poderosas que suportem os custos da flutuação do valor de sua moeda, ficando para o Bando Central esse papel, mas à custa de recursos públicos.
Problemas externos
Ele explica o que seria a constituição de uma moeda livremente conversível. A conversibilidade significa que transações internacionais possam ser feitas na moeda nacional, o que é vantajoso; e principalmente que essa moeda pode ser emprestada nos grandes centros financeiros mundiais, implicando em criação de moeda fora do sistema financeiro nacional. O Real seria assim como o dólar, uma moeda internacional.
Mas alerta que a política monetária de um estado com moeda conversível pode ser constrangida pela ação de agentes externos, fora de sua área de regulação.
“Para os estados das grandes economias centrais que influenciam a determinação dos movimentos financeiros internacionais e, consequentemente do preço de sua moeda no exterior, manter a sua conversibilidade pode ter um custo possível e compatível com as vantagens que ela traz. Já para os periféricos, como o Brasil, seria uma perda de controle sobre a moeda nacional, o que só geraria desastres”, adverte.
Para Lecio Morais, a solução para o regime cambial do Real deve considerar “essa visão realista da composição de forças existentes no sistema capitalista internacional, mesclando poder econômico e estatal, o que faz com que, a depender da posição que os estados ocupem nesse sistema, eles sejam diferentes, o que demanda, em consequência, diferentes soluções”, afirma, acrescentando que “é isso que explica a artificialidade e a ineficiência, no Brasil, dos mecanismos cambiais adotados pelos países centrais.”
Da sucursal de Brasília
Márcia Xavier