Amazonas e Rabelo recebem de Tarso Genro portaria de anistiado
Uma bela homenagem a João Amazonas e Renato Rabelo foi feita hoje (6) durante a 24ª Caravana da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. O ministro Tarso Genro entregou ao presidente do PCdoB e a Ediria Carneiro, viúva do histórico dirigente comunista, a Portaria de Anistia Política. Além disso, casos envolvendo ex-guerrilheiros e militantes do partido e da esquerda foram julgados nesta que foi a primeira sessão realizada durante um congresso partidário.
Publicado 07/11/2009 03:00
“Não é à toa o fato de a primeira sessão de anistia dentro de um evento partidário ter acontecido num Congresso do PCdoB. Este é um partido que honra a democracia, preserva a Constituição e tem quadros de dirigentes extraordinários”, declarou Tarso.
O ministro voltou a defender a necessidade de se abrir os arquivos e julgar os militares que torturaram e mataram durante a ditadura. “O que está em jogo quando se fala de anistia, de tortura, de assassinatos não é uma revanche contra indivíduos. O que está em jogo é o desnudamento dos métodos usados por nossas elites”, afirmou.
“Sempre que trato desta questão, o grande questionamento que coloco é que os nossos pares foram julgados, presos, torturados e se expõem publicamente porque não têm vergonha do que fizeram, não se escondem do seu passado”, enquanto personagens do campo oposto “não se apresentam para serem julgados perante o poder judiciário porque isso exporia seus crimes perante a sociedade”.
Lembrando o processo que culminou na redemocratização do Brasil feito por meio de uma transição gradual e sem rupturas, o ministro declarou que “a elite política naquele momento, com sua covardia histórica, resolveu compor um processo de transição negociada; assim chegamos ao regime democrático”.
Essa conciliação trouxe sequelas negativas – como o acobertamento de criminosos militares – mas, por outro lado, abriu caminho para um processo que culminou num na primeira eleição de Lula para a presidência da República. “E sua eleição, bem como seu governo, só foi vitoriosa porque partimos de um projeto de esquerda que soube dialogar com o centro”.
Para ele, esse momento abriu as portas para a conquista de uma democracia mais substancial. “Estamos num momento de formação de uma consciência em torno de princípios democráticos”. E neste sentido, destacou que “é preciso que os responsáveis sejam julgados para que crimes como esses nunca mais se repitam”.
Emocionada com o reconhecimento do Estado brasileiro à luta de João Amazonas, um dos mais importantes líderes do PCdoB, Ediria Carneiro subiu ao pequeno palco do auditório 8 do Anhembi, onde acontecia a sessão de anistia, para receber das mãos de Tarso Genro o documento post mortem reconhecendo a perseguição que seu companheiro sofreu. Com a voz embargada, desculpou-se pela emoção e colocou: “este procedimento do Estado é uma forma de pedir perdão aos que sofreram pelas mãos do regime militar e permite que a memória desses que lutaram continue viva em cada um de nós. A história deve ser contada e recontada para que barbaridades como essas não voltem a acontecer”.
Renato Rabelo, por sua vez, disse não contar com a homenagem. “Estava fora do meu script”, brincou. “Para nós, anistia é sempre uma expressão de reconhecimento de pessoas e instituições que contribuíram para o resgate da memória e da verdade”. Segundo Rabelo, o papel que tem sido desempenhado pelo Ministério da Justiça e Comissão de Anistia “eleva nossa condição de nação democrática que procura sua identidade para se fortalecer. A realidade é um cimento indispensável para a construção da identidade de um povo. É um momento especialmente importante porque realizamos o 12º Congresso do PCdoB com o objetivo de contribuir para o resgate da nação rumo a um terceiro salto civilizacional. Na idade média, o grande feito era construir catedrais, monastérios. No capitalismo, é construir grandes conglomerados, grandes bancos. Para nós, o grande feito é abrir caminho para um novo ciclo civilizacional descortinando um novo horizonte para o nosso no país”.
Resgate da história
O dia marcou também a concessão de anistia a onze requerentes. Entre eles, João Batista Drumond, em caráter post mortem, requerido por sua esposa Maria Ester Drumond. O ex-dirigente do Comitê Central do PCdoB foi um dos mortos na chamada “chacina da Lapa”, em 1976. Após ser preso, Drumond foi torturado e assassinado pelos militares. Ainda como anistiada post morten, foi anistiada a guerrilheira do Araguaia Dinalva Teixeira. Igor Grabois, neto de Maurício Grabois, estava entre os anistiados mais jovens.
Iniciado na militância ainda na adolescência, Igor vivia desde criança o ambiente político dos comunistas. “O Amazonas era, para mim, o Tio José”. Mas um dia percebeu que “os homens da família e que freqüentavam minha casa, em São Paulo, estavam desaparecendo”. Na época, não sabia do paradeiro real deles. “Diziam-me que era por conta de trabalho, mas a verdade é que estavam sendo perseguidos, presos, mortos”. Até que um dia leu uma matéria em uma revista semanal em que aparecia João Amazonas e Maurício Grabois. “Foi assim que comecei a descobrir a verdade e tudo aquilo me encantava”, disse.
Para ele, o principal legado dos comunistas se resume em três pontos centrais: a ideia de democracia, o desenvolvimento do estado nacional e, principalmente, a superação do capitalismo. Militante comunista até hoje, ele diz que “infelizmente a sociedade brasileira não tem consciência de quantos são e quais são os seus mortos porque aqui a repressão atingiu uma fatia da população”. Ele critica o fato de “os governos civis pós-ditadura terem contribuído pouco para elucidar os acontecimentos daqueles anos”. Apesar de ser favorável à anistia política, diz que “a anistia de fato só estará concluída quando os arquivos forem abertos, quando soubermos o paradeiro das ossadas de nossos mortos e quando os responsáveis forem julgados”.
Na opinião de Paulo Abrão, presidente da Comissão de Anistia, “o fato de, pela primeira vez, uma sessão ser realizada durante o congresso do PCdoB tem caráter duplo: além de promover a reparação, nossa missão é fortalecer a ideia das liberdades públicas e políticas. E não houve na história de nosso país um grupo de pessoas que tenha sofrido mais perseguição do que os comunistas”. Do ponto de vista institucional, completou, “o PCdoB tem nos apoiado e compreendido o papel educativo que a Comissão tem a cumprir na sociedade”.
De São Paulo,
Priscila Lobregatte