Sem categoria

Paul Krugman: Mentalidades monetárias equivocadas

Uma lição da Grande Depressão é que não se deve subestimar o poder destruidor das más ideias. E algumas más ideias que ajudaram a causar a Depressão mostraram-se, ai de nós, extremamente duráveis: em forma modificada, elas continuam a influenciar o debate econômico hoje.

Por Paul Krugman, do The New York Times, no jornal O Estado de S. Paulo

O historiador econômico Peter Temin argumentou que a principal causa da Depressão foi o que ele chama de “mentalidade de padrão ouro”. Com isso, quer dizer não somente a crença na importância sagrada de manter o valor em ouro de uma moeda, mas um conjunto de atitudes afins: medo obsessivo de inflação, mesmo em face de deflação; oposição ao crédito fácil, mesmo quando a economia precisa desesperadamente dele, com base em que isso seria de alguma forma deturpador; afirmações de que mesmo que o governo pudesse criar empregos, ele não deveria, pois seria uma recuperação “artificial”.

No início dos anos 1930, essa mentalidade levou governos a elevar juros e cortar gastos, a despeito do desemprego em massa, na tentativa de defender as reservas em ouro. E, mesmo quando países ficavam sem ouro, a mentalidade prevalecente os deixava relutantes em cortar impostos e criar empregos.

Os EUA não vão retornar ao padrão ouro. Mas uma versão moderna da mentalidade do padrão ouro esta exercendo uma influência crescente em nosso discurso econômico. E essa nova versão de uma ideia antiga ruim poderá minar nossas chances de recuperação plena.

Considere-se, em primeiro lugar, o alarido sobre o declínio do dólar. A verdade é que isso é uma boa notícia. Por um lado, ela é sobretudo resultado do aumento da confiança: o dólar subiu no auge da crise porque investidores em pânico buscavam proteção nos Estados Unidos, e está caindo agora que o medo está cedendo.

E um dólar mais baixo é bom para os exportadores americanos, ajudando-nos a fazer a transição de déficits comerciais imensos para uma posição internacional mais sustentável. Mas, na página de opiniões do The Wall Street Journal, o que se vê é que a queda do dólar é uma coisa terrível, sinal de que o mundo está perdendo a fé nos EUA (em especial, é claro, no presidente Barack Obama).

Fica-se pensando que alguma coisa precisa ser feita para conter a descida do dólar. E, na prática, o declínio do dólar se tornou uma vara com a qual os conservadores do Congresso pressionam o Federal Reserve (Fed) a recuar no esforço de sustentar a economia. Só podemos esperar que o Fed suporte a pressão. Mas há sinais de uma mentalidade equivocada dentro do próprio Fed. Nas últimas semanas, surgiram declarações, principalmente de presidentes regionais do Fed, mas não só, pedindo o retorno do endurecimento monetário, incluindo juros mais altos.

Funcionários do Fed são, normalmente, cautelosos ao comentar a política monetária futura para não prejudicar os esforços da instituição de moldar as expectativas. Assim, é extraordinário ver esses funcionários quebrando regras, até instruindo a ação do Comitê de Mercado Aberto (Fomc) do Fed, que fixa a taxa de juros.

Mais extraordinária é a ideia de que elevar o juro no curto prazo faz sentido. Afinal, ao desemprego alcançou 9,8% e continua subindo, enquanto a inflação está bem abaixo da meta de longo prazo do Fed.

Para evitar uma “Grande Inflação”, diz Charles Plosser do Fed da Filadélfia, “teremos de agir bem antes que a taxa de desemprego e outras medidas de utilização de recursos tenham voltado a níveis aceitáveis”.

Não sei que análise está por trás desses dedos nervosos no gatilho. Provavelmente, não se tratem de análises, mas de mentalidade. E é crucial que não deixemos essa mentalidade guiar a política.