Por que uma conferência democrática de comunicações?

Por Jonas Valente
O ativista estadunidense Robert McChesney desenvolveu interessante trabalho em seu livro Batle for the Control of US Broadcasting: 1928-1935 ao buscar nos primórdios do rádio em seu país a existência de forte conflito sobre q

Nesta obra ele mostrou que a formação do sistema baseado em grandes cadeias de emissoras comandadas por cabeças-de-rede, como a NBC e a CBS, não foi algo natural e apesar de grande resistência de radiodifusores ligados a universidades que buscavam um equilíbrio entre as rádios comerciais e educativas.


 


Um dos objetivos na empreitada quase arqueológica de McChesney foi mostrar que durante a história dos Estados Unidos já houve embates acerca dos rumos da mídia daquele país nos quais representantes da sociedade civil buscaram questionar a manutenção da lógica mercantil travestida de “única e natural opção”.


 


Uma rigorosa história da mídia brasileira demandaria esforço semelhante, que resgatasse momentos em que diferentes agentes questionaram a simples adequação do modelo estadunidense para a radiodifusão aqui.


 


Sem nos estendermos, vale lembrar os 52 vetos do presidente João Goulart ao projeto de Código Brasileiro de Telecomunicações derrubados em 1962 pelo Congresso Nacional a partir do lobby dos radiodifusores, as emendas populares da Federação Nacional dos Jornalistas na Constituinte, que garantiram a inclusão do Conselho de Comunicação Social e outros artigos progressistas na Carta Magna, e a participação do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação na definição sobre a legislação para a cabodifusão em 1995.


 


Os “não-atores”
 


Em época mais recente, houve ainda o levante dos agentes da sociedade civil na dura batalha pela definição do modelo de televisão digital cobrando que este não significasse apenas a manutenção do oligopólio comercial da mídia no país mas aproveitasse o potencial tecnológico para democratizar a televisão. No entanto, apesar dos esforços as decisões na história do país sempre refletiram, de maneira mais ou menos integral, os interesses dos radiodifusores.


 


Esta situação levou o professor aposentado da UnB e pesquisador Venício Lima a classificar as organizações progressistas da área da comunicação de “não-atores”, dada seu alijamento dos processos de construção e aprovação das políticas para o setor. Agora, os “não-atores” buscam reverter esta situação apostando na realização de uma Conferência Nacional de Comunicações.


 


Assim como em outras áreas, como Saúde, Cidades, Segurança Alimentar e Meio Ambiente, as entidades acreditam que a conferência pode cumprir o papel de colocar a discussão sobre as políticas para o setor em uma arena pública na qual os setores que sempre tiveram acesso privilegiado aos gabinetes da Esplanada dos Ministérios ou se utilizaram de seus potentes instrumentos de difusão de informação e opinião teriam de sentar e disputar com aqueles que sempre no pólo passivo do processo de comunicação o melhor modelo de mídia para o país.


 


Este campo se articulou junto às comissões de Direitos Humanos (CDH) e Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados e organizou nos últimos dias 21 e 22 no Congresso o Encontro Nacional de Comunicação. A idéia era que o encontro funcionasse como fato político para iniciar um debate mais amplo sobre a importância da realização da Conferência.


 


Mas um pequeno fato mostrou como a condição de “não-ator” é resultante de uma ação pró-ativa dos setores pró-radiodifusão para manter as decisões a portas fechadas.


 


O ministro das comunicações, Hélio Costa, notório defensor do empresariado de rádio e televisão, ao saber da realização do encontro e do movimento pró-conferência se adiantou e anunciou um evento para o mês de agosto com o mesmo nome. A versão inicial da programação mostra que a idéia é realizar um ciclo de palestras, muito diferente de todas as outras conferências realizadas e em organização neste governo.


 


A regra, a qual o evento de Costa confirma enquanto exceção, vem sendo a noção de conferência enquanto um processo formado por etapas locais, estaduais e regionais culminando em um momento nacional no qual são debatidas e aprovadas diretrizes para as políticas de cada setor.


 


O lado do governo


 


O documento final do Encontro Nacional de Comunicação destaca muito apropriadamente que para além da necessidade de abrir as políticas de comunicação aos maiores interessados nela, a sociedade, a conferência tem o papel fundamental de realizar um profundo debate sobre os desafios para a mídia em um momento marcado pelo consenso sobre a revisão das regras que organizam os meios no Brasil frente a chegada da Convergência Digital.


 


Mais do que atualizar a legislação para incorporar novos serviços resultantes doa avanço tecnológico, esta revisão deve cumprir a agenda inconclusa de criar um sistema público de comunicação e definir limites ao sistema privado já no ambiente digital para o qual o conjunto destes meios está migrando.


 


Junto a isso, o novo regramento deve garantir que as novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) possam ser efetivamente apropriadas pela população e não somente servirem como novas formas de acumulação dos grandes conglomerados de mídia.


 


A vitória do interesse público sobre os interesses comerciais e da comunicação como direito contra a comunicação como negócio neste cenário passa pela realização da conferência.


 


Se a iniciativa do ministro objetiva manter a condição de “não-atores” da sociedade organizada, cabe ao governo federal ser coerente com os procedimentos realizados em outras áreas e realizar uma legítima e democrática Conferência Nacional de Comunicações. É ao lado destes setores, que apóiam a democratização da mídia brasileira, que uma mudança neste setor é possível.


 


Do contrário, a vigorar as negociatas de gabinetes as forças progressistas podem ganhar governos e ampliar sua força institucional mas sempre estarão marginalizadas na principal arena de disputa ideológica da sociedade atual.


 


A manipulação da cobertura nas eleições presidenciais de 2006 e o boicote das emissoras e jornais ao Congresso do MST realizado em Brasília há duas semanas são exemplos claros de que lado os radiodifusores estão. Cabe ao governo escolher o seu.