Novo ombudsman admite que ''Folha'' se tornou previsível
Por André Cintra
Oitavo ombudsman na história da Folha de S.Paulo, o jornalista Mário Magalhães estreou sua coluna semanal neste domingo (8). O texto tenta analisar o que mudou no veículo paulista desde setembro de 1989 — data em que a Fol
Publicado 08/04/2007 09:47
“É difícil saber se a Folha é hoje um jornal melhor ou pior do que há quase 18 anos, quando instituiu o ombudsman e Caio Túlio Costa publicou sua primeira coluna”, escreve Mário Magalhães, para depois traçar sua primeira conclusão: “Mais fácil é constatar que se tornou mais previsível”.
Na opinião do novo ombudsman, de bom o jornalismo previsível corresponderia a certas expectativas do leitor em termos de “assuntos, abordagens, serviços, até idiossincrasias. Oferece — ao menos busca oferecer — informações com os padrões a que se habituou”. Mas a previsibilidade, alerta Magalhães, pode também comprometer o jornal, que ficaria com poucas surpresas.
O impasse é que não existe jornalismo sem novidades. Em pelo menos dez línguas, por sinal, as palavras “notícia” e “novo” têm a mesma grafia. Arthur Sulzberg Jr., publisher do New York Times, é didático de sobra quando comenta o termo newspaper: “Os jornais não se definem pela segunda parte da palavra (paper = papel). Têm de ser definidos pela primeira parte (news = notícia)”.
Tucanismo
É ao se despreocupar com essa premissa da imprensa que a Folha de S.Paulo se perde. Um jornal previsível “não é curioso ou provocador. Soa tristonho, apático e sem graça”, afirma Mário Magalhães. “Ao primeiro olhar, reage-se a ele com a impressão de que se pode adiá-lo para mais tarde”. E não há nada mais velho, segundo Luis Fernando Veríssimo, do que o jornal de ontem.
A crítica de Magalhães coincide, nesse ponto, com a opinião de seu antecessor no cargo, Marcelo Beraba. Na última coluna que escreveu para o jornal, há uma semana, Beraba apresentou queixas dos dez leitores que mais contribuíram com mensagens para o ombudsman. Um dos leitores afirmava, em 2004, que a questão maior era de credibilidade. Ele até confiava na imprensa há três anos, “mas com um pé atrás, desconfiando muito”.
Agora o mesmo leitor volta a responder à pergunta e diz que já não confia “nada”. A Folha — que ao lado da revista Veja simboliza o que há de mais panfletário e conservador na chamada “imprensa de prestígio” — está doentiamente identificada com o núcleo duro da política brasileira. Um só parágrafo escrito por Beraba desnuda esse viés.
“Entre os dez comentários que recebi, quatro acham que o jornal é antipetista ou pró-PSDB. ‘Incomoda o eterno antipetismo, o eterno viés negativo de tudo que diga respeito ao PT e a Lula’, diz José Augusto. A pergunta de Celso Balloti vai na mesma direção: ‘Assumindo (…) que o tratamento dado aos petistas seja o correto, por que não houve o mesmo carnaval quando dos muitos e não menos cabeludos escândalos do governo tucano?’ Márcia Meireles acha que é ‘evidente o desequilíbrio na cobertura entre as administrações petistas e as de outros partidos’. Sylvia Manzano destaca a diversidade de assuntos tratados pela Folha, mas avalia que o jornal ‘quer a todo custo desqualificar o presidente Lula’.”
Sem saída?
Muitos dos detratores de um veículo são, inevitavelmente, seus leitores mais assíduos. Eles até reconhecem os impactos de um jornal na opinião pública — mas têm cada vez mais condições de julgar a confiabilidade do que lêem. “Impulsionada pelas facilidades da internet e da telefonia, a crescente participação dos leitores está transformando a produção jornalística”, conclui Beraba.
“Não é possível fazer mais o jornalismo como entendíamos há uma ou duas décadas, de mão única. Os leitores têm mais informações, estão mais preparados para questionar e têm canais que facilitam as intervenções”, acrescenta o ex-ombudsman. As mudanças marcam a crise da mídia escrita e ajudam a entender por que os jornais respondem por apenas 15,46% dos investimentos publicitários em mídia. Em 1996, esse índice era de 25,64 %.
Só que a última análise de Beraba confunde ao dizer que a intervenção do leitor “veio para ficar”. Não se trata de “intervenção”. É fato que os ombusdsmans da Folha parecem ostentar mais liberdade para criticas. Ainda que publicada apenas aos domingos, a coluna da ouvidoria vai ganhando maior vigor e musculatura à medida que o “Painel do Leitor” se tornou aberrante — um espaço destinado menos às críticas aos leitores, mais às réplicas de pessoas não-ouvidas e acusadas em textos do jornal.
Daí que a identidade entre ombudsman e leitor da Folha pode, sim, crescer — mas num momento em que isso é irrelevante. Em quase 18 anos, a coluna do ombudsman é divulgada, pela Folha, como símbolo da “transparência”, da “aceitação da crítica”. São palavras ao léu, bobagens que não ajudam, na prática e no dia-a-dia, a pluralização da pauta ou a credibilidade das matérias.
Mau jornalismo
Não é de estranhar que Mário Magalhães seja o primeiro ombudsman a assumir o cargo admitindo publicamente — embora, repita-se, inutilmente — a falência da Folha. O jornalista diz que a publicação da família Frias “se fez mais previsível” de tempos para cá, “no sentido jornalístico indesejável”. A Folha é que não tem honradez para voltar atrás e se tornar um jornal de feições democráticas.
Se levar o cargo a sério, Magalhães terá trabalho para selecionar os assuntos que merecem avaliação da Folha. Não é exagero dizer que, da capa do jornal à última página do último caderno, a publicação paulista é uma longa trilha de mau jornalismo. A Folha — já reconhece o novo ombudsman — “relaxa na aplicação do projeto editorial que cultiva o jornalismo crítico (falha ao ser ingênua), apartidário (tropeça no noticiário enviesado) e pluralista (quando não vai além do pensamento único)”.
A um jornal sério, não basta dizer que errou — e aí está a melhor síntese de Mário Magalhães em sua estréia como ouvidor. “Hoje a Folha reconhece seus erros mais vezes e com mais rapidez do que antes de ter um ombudsman. É pouco: respeitar o leitor é, sobretudo, informar com correção.”