Ignacio Ramonet: As Coréias sob pressão

“O teste de arma atômica anunciado em 9 de outrubro por Pyongyang é condenável, por ampliar as tensões numa região já conturbada. Mas não se deve esquecer que as Coréias viviam uma década de reaproximação e paz — até que os EUA decidiram intervir…” Arti

As dissensões se agravaram bruscamente na península coreana depois do lançamento de sete mísseis pela Coréia do Norte, dia 5 de julho último, apesar das repetidas advertências de Washington e Tóquio. Sem transgredir as leis internacionais, esses testes – entre eles o do míssil Taepodong 2, teoricamente capaz de atingir o território dos Estados Unidos, mas que, como os outros seis, afundou no mar do Japão – são condenáveis porque abalam a segurança no nordeste da Ásia, uma das regiões potencialmente mais perigosas do mundo.


 


Entretanto, há um ano, no dia 19 de setembro de 2005, Pyongyang [1] comprometeu-se a abandonar seu programa nuclear militar. Adotado durante a “Reunião dos Seis” (China, Coréia do Norte, Coréia do Sul, Estados Unidos, Japão, Rússia), esta decisão criou muitas esperanças, em particular na Coréia do Sul.


 


Desde o restabelecimento da democracia nos anos 1990, Seul deu prioridade a uma melhor relação com seu vizinho do norte. A visita a Pyongyang do então presidente sul-coreano, Kim Dae-jung, e a assinatura, no dia 15 de junho de 2000, de uma declaração comum com seu homólogo do norte, Kim Jong-il, foram fatos marcantes nas relações entre as duas Coréias.


 


As autoridades do sul deram especial importância ao diálogo, às trocas (particularmente as econômicas) e aos interesses em comum para reduzir as disparidades entre os dois países, prevenir conflitos e preparar uma eventual reunificação. Desde então, o montante de trocas comerciais chegou a um bilhão de dólares, com a Coréia do Sul transformando-se no segundo sócio econômico de Pyongyang, depois da China. Ao norte do paralelo 38, uma zona econômica especial foi criada em Kaesong, onde foram implantadas empresas do sul que empregam cerca de oito mil assalariados do norte. Apesar dos persistentes obstáculos, as duas partes trabalham também na reabertura da conexão ferroviária Seul-Pyongyang, que romperia o isolamento da Coréia do Sul.


 


A situação piorou rapidamente após o acordo de 19 de setembro de 2005, porque o Tesouro norte-americano adotou medidas financeiras contra Pyongyang, sob o pretexto de que um banco de Macau (China), o Banco Delta Asia, teria feito lavagem de dinheiro por conta da Coréia do Norte. Isto não foi comprovado por nenhuma investigação internacional. Pressionado por Washington, o banco congelou, em fevereiro deste ano, 24 milhões de dólares de ativos norte-coreanos. Pyongyang, deste então interrompeu as negociações entre os “Seis”, reafirmou seu direito de ter a bomba atômica e autorizou os tiros de ensaio do último 5 de julho, desaprovados pelo Conselho de Segurança da ONU, incluindo a China.


 


Segundo a Coréia do Norte, o governo dos Estados Unidos não busca uma solução diplomática, mas persegue um único objetivo: a mudança de regime. Na Coréia do Sul, uma parte das autoridades partilha este sentimento.


 


Washington e sua “espiral perigosa”


 


Em sua residência de Seul, no dia 14 de setembro, o ex-presidente Kim Dae-jung, arquiteto da reconciliação com o Norte e Prêmio Nobel da Paz de 2002, condenou os disparos de mísseis, porém considerou que Washington não faz nada para acalmar o jogo: “Os neoconservadores norte-americanos não querem a paz nesta região”, diz ele. “São dogmáticos. Não defendem os interesses dos Estados Unidos, como fazia o presidente Clinton, que sustentava nossos esforços por um diálogo pacífico. Permanecem obcecados por uma ideologia: a das sanções, que nunca funcionou, nem contra Cuba, nem contra o Iraque, o Afeganistão ou o Irã. Eles fazem pressão contra Tóquio, para que imponha também sanções, [2] o que acaba agravando os descontentamentos regionais. Estes, por sua vez, fornecem pretexto à direita japonesa para reclamar o rearmamento japonês. E isto aumenta a desconfiança da China. É uma espiral muito perigosa.”


 


O presidente sul-coreano, Roh Moo-hyun, não está longe de defender este ponto de vista. Quando se encontrou na cúpula de Washington com o presidente Bush, no último dia 15 de setembro, Roh, que deve tratar com respeito seu grande aliado Bush [3], defendeu com desenvoltura os três documentos em debate entre os dois países. Reiterou sua vontade de recuperar o comando militar em tempo de guerra sobre as tropas norte-americanas (30 mil homens) baseadas na Coréia; solicitou mais tempo para negociar o projeto (muito impopular) do Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos; e recusou, finalmente, aumentar as sanções contra a Coréia do Norte.


 


Sobre este assunto, Seul não quer ceder às pressões de Washington. Deseja conservar autonomia para decidir. Como afirma Kim Dae-jung: “Nós não queremos nem uma reunificação pela força, como no Vietnã, nem uma reunificação desastrosa, como na Alemanha. Que a América nos deixe seguir nosso próprio ritmo, lento e pacífico, em direção a uma feliz reunificação.”


 



[1] Capital e maior cidade da Coréia do Norte (N.E.)


[2] Tóquio adotou, no dia 19 de setembro de 2006, novas sanções financeiras contra Pyongyang. Congelaram-se de facto as transferências de dinheiro para a Coréia do Norte feitas pela comunidade coreana no Japão (aproximadamente 300 mil pessoas).


[3] Seul conta especialmente com Washington para apoiar a candidatura de Ban ki-moon, ministro sul-coreano das Relações Exteriores, para secretário-geral da ONU, cuja eleição será antes de 31 de dezembro de 2006.