Obrador diz que enfrenta uma máfia no México

A edição de quinta-feira (24/8) do jornal francês Le Monde traz uma reportagem sobre a delicada situação no México após as eleições presidenciais de 2 de julho, na qual o candidato progressista López Obrador fala de suas dificuldades e planos, al

Confira abaixo a íntegra do texto:



O seu semblante é de cansaço, mas a sua determinação continua inabalável. ''Se a fraude for consumada, eu prosseguirei a luta até a restauração da República'', afirma ele, com uma voz calma, porém firme. Já faz várias semanas, Andrés Manuel Lopez Obrador, o candidato da esquerda na eleição presidencial que ocorreu em 2 de julho no México, está acampado junto com vários milhares dos seus partidários no Zocalo, a vasta praça no coração da capital.



Desde o anúncio dos resultados preliminares que davam uma vantagem de 244.000 votos, ou seja, 0,58% do total das cédulas válidas, ao seu adversário conservador, Felipe Calderón, Obrador exige que todas as cédulas sejam recontadas e denuncia a fraude. ''Nós vencemos, mas é difícil levar a melhor sobre uma máfia, um grupo de poder que age sem nenhum escrúpulo moral'', diz ele, em entrevista ao ''Le Monde'', que ele concede numa pequena barraca que lhe serve de domicílio e de escritório.



A mobília é austera, à imagem de Andrés Manuel Lopez Obrador, com freqüência chamado pelo apelido de ''AMLO'': uma cama de campanha, uma pequena mesa de camping, duas cadeiras e uma grande bandeira do México. ''Nos últimos três anos, nós estamos sendo vítimas de uma campanha do aparelho de Estado, com a participação direta do presidente da República (Vicente Fox) para nos destruir politicamente, isso porque nós representamos um projeto alternativo. Eles tomaram a decisão de me impedir por todos os meios de ser eleito'', argumenta.



Uma nova recontagem parcial dos resultados em 9% das circunscrições eleitorais, que foi autorizada no início de agosto pelo tribunal eleitoral, confirma, segundo o candidato do Partido da Revolução Democrática (PRD, de esquerda), a amplidão das irregularidades.



Democracia?



''No total, esta nova recontagem fez aparecerem 120.000 cédulas de votação em falta ou em excesso, dependendo das circunscrições. Uma projeção para o conjunto das circunscrições evidencia a existência de cerca de um milhão de votos em falta ou excedentes'', afirma. Este número não foi confirmado pelo tribunal eleitoral que não divulgou os resultados da nova recontagem parcial. No Partido da Ação Nacional (PAN, de direita), os membros da assessoria de Felipe Calderón afirmam que este número é falso e que a variação estabelecida pela nova recontagem ''diz respeito, no máximo, a 1.500 votos''.



''Nós estamos assistindo no México a uma recomposição das forças políticas com a formação de dois blocos, de direita e de esquerda. A realidade é que não existe democracia. A direita quer impor um simulacro de democracia que atenda aos interesses da elite de privilegiados que domina o país. O candidato da direita é a marionete desses grupos que seqüestraram as instituições'', prossegue Obrador.



Por muito tempo na frente das pesquisas, não teria ele dado mostras da síndrome do ''já ganhou'' ao se recusar, por exemplo, a participar do primeiro debate da campanha? ''Nós sabíamos que as cartas estavam marcadas, mas, apesar dos seus ataques de baixo nível, nós pensávamos ganhar e nós ganhamos'', avalia. ''Nós achávamos que a guerra suja iria terminar no dia das eleições e que eles iriam respeitar a votação''.



Ilegitimidade



O tribunal eleitoral deve anunciar o nome do vencedor no mais tardar em 6 de setembro, ou pronunciar a anulação das eleições. O que fará o PRD caso a vitória de Felipe Calderón for confirmada? ''Se o tribunal validar a fraude, nós não reconheceremos um presidente sem legitimidade. Nós já convocamos uma convenção nacional democrática em virtude do artigo 39 da Constituição que estipula que o povo tem o direito inalienável de mudar a forma do seu governo'', avisa.



Mais de um milhão de delegados, vindos do México inteiro, deverão se reunir em 16 de setembro na praça do Zócalo para participar desta convenção, uma espécie de assembléia constituinte ''que poderá nomear um presidente legítimo além de uma coordenação de resistência popular''. Assim, o México poderia acordar em 17 de setembro com dois presidentes. ''Esta é uma possibilidade que dependerá da votação dos delegados na convenção'', admite Obrador.



Os adversários de AMLO argumentam que ele só está contestando os resultados da eleição presidencial, e não os das eleições legislativas que viram a vitória de um número recorde de deputados e senadores do PRD. É pouco provável que estes se recusem a assumir suas funções para protestar contra ''a fraude'' e alguns emissários de Felipe Calderón já estão tentando dar início a negociações com vários dentre eles.



''Nós não somos políticos tradicionais e nós não iremos negociar os nossos princípios em troca de empregos públicos ou de prebendas. Negociar um acordo com um governo sem legitimidade equivaleria a legalizar a simulação democrática e este país não mudaria nunca'', afirma o candidato da esquerda.



''Num país como o nosso, marcado por enormes desigualdades econômicas e sociais, a democracia é uma questão de sobrevivência; é a única maneira para os pobres de terem um governo que cuide deles'', acrescenta.



Acusado pelos seus adversários e por vários jornais estrangeiros de ser um mau perdedor que está colocando em perigo as frágeis instituições mexicanas, Obrador replica que o problema fundamental não é a sua candidatura à presidência e sim ''a salvação da democracia''. ''Eu não sou um ambicioso vulgar, mas trata-se de um problema de princípios, de ideal e de convicção''.