Lula, com 46% no Ibope, enfrenta entrevista só sobre corrupção

Um Luiz Inácio Lula da Silva chamado sempre de “candidato” e nunca de “presidente” foi o último entrevistado ao vivo pelo Jornal Nacional, na noite desta quinta-feira (10). Dos 12 minutos da entrevista, a última da rodada programada pela Glob

Os números (veja os gráficos ao lado) são tudo que a campanha da reeleição desejaria. É o Ibope, decano dos institutos de pesquisa do Brasil, a confirmar o que a CNT-Sensus e o Datafolha haviam antecipado durante a semana e que o presidenciável conservador, Geraldo Alckmin, inicialmente tratou como “uma piada”, pedindo para os jornalistas falarem de “coisas sérias”.



A única concessão, um presente de grego



Conforme a nova pesquisa, Nas duas semanas entre 25 de julho e ontem o presidente ganhou 2 pontos e seu adversário do bloco PSDB-PFL perdeu 6. A diferença entre os dois se ampliou de 19 para 25 pontos. Em votos válidos, Lula está com 56,8% dos votos válidos, o presidente seria reeleito com folga no primeiro turno se a eleição fosse agora.



Sabedor destes números, Lula se dirigiu a William Bonner e Fátima Bernardes na condição de quem responde para não perder os votos que está ganhando, e não para ganhar os votos não-conquistados. Foi um presidente visivelmente mais tenso e taciturno do que de hábito que apareceu na telinha do telejornal de maior audiência do país.



A única concessão feita ao cargo presidencial — a entrevista foi feita no Palácio do Alvorada e não nos estúdios da Globo — terminou se revelando um presente de grego: a mesa grande encobrindo o presidente baixinho, a câmera aberta, sem concessões à coloquialidade. Compondo o quadro, os jornalistas de emissora, de semblante fechado e também nervosos.



Uma polêmica sobre o “eu afastei”



A julgar pelos primeiros comentários na internet, o trecho que mais espicaçou os analistas foi aquele em que Lula diz que “afastou” os ex-ministros José Dirceu (Casa Civil) e Antonio Palocci (Fazenda) por estarem “envolvidos” nas acusações de corrupção.



“Eu afastei todos que estavam dentro do governo federal foram afastados, todos, sem distinção. Todos os funcionários públicos seja de primeiro, segundo ou terceiro escalão. Eu afastei. Afastei o Zé Dirceu, afastei o Palocci, afastei outros funcionários que estavam envolvidos e vou continuar afastando”, disse um peremptório Lula, usando o “afastei” quatro vezes no passado e uma no futuro.



A revelação é Lula assumir a iniciativa do afastamento dos ministros. Até esta quinta-feira, valia a versão convencional de que os dois haviam pedido demissão, adiantando-se para afastar do governo o ônus de possuir ministros sob bombardeio de denúncias de corrupção. Desta vez, Lula chamou a si a iniciativa.



Uma versão que a entrevista desmente



Já a versão, que também corre na internet, de que na fala do candidato à reeleição “envolvidos” significa um julgamento de culpa dos ex-ministros, conflita com as afirmações explícitas de Lula na entrevista, no trecho seguinte ao citado acima.



“Quando se trata de punir William, punir significa você respeitar o estado de direito. Eu quero pra todo mundo o que eu quero pra mim. O direito de provar que eu sou inocente e o meu acusador provar que eu sou culpado”, disse o presidente. E em outra resposta: “Obviamente que eu lamento profundamente que companheiros tenham feito coisas que ainda vão ser julgadas, porque há outra instância no Supremo Federal…”


Lula ainda citou que foi ele quem escolheu o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, “sem que eu sequer o conhecesse”, com a orientação explícita de agir com independência. “O procurador da República no meu governo indicia, porque em outros governos engavetava”, alfinetou Lula. Isso “foi um discurso, William, que eu fiz na posse dele [procurador], de que jamais durante o meu mandato e o mandato dele haveria qualquer interferência do Poder Executivo para interceder no Ministério Público”.



30 segundos para “o melhor momento”



Fátima Bernardes anunciou que “nosso tempo estourou” e “o senhor tem 30 segundos para encerrar” quando o entrevistado pôde falar do que tem sido a linha mestra do seu discurso de campanha: “Que o Brasil vive o seu melhor momento econômico, no Brasil cresce o emprego, cresce a economia, crescem as exportações e importações, a única coisa que cai é a inflação e os juros”.



A Rede Globo promete fazer nova rodada de entrevistas com os presidenciáveis ainda antes do primeiro turno.



Confira abaixo a íntegra da entrevista com Lula


William Bonner: O Jornal Nacional encerra hoje a série de entrevistas, ao vivo, com os principais candidatos à presidência. Do Palácio da Alvorada, em Brasília, a última entrevista é com o candidato do PT à reeleição, o presidente Lula. O tempo é o mesmo concedido aos demais: 11min30, com prorrogação máxima de 30 segundos – contados a partir de agora.
Candidato, o Ministério Público denunciou o que ele chamou de uma quadrilha de 40 integrantes, que teria como núcleo central, nas palavras do procurador, o seu ex-ministro chefe da Casa Civil, José Dirceu e dirigentes do PT, José Genuíno, Silvio Pereira, Delúbio Soares. Segundo a denúncia, eu vou ler um trechinho, os objetivos deles, desse núcleo eram: desviar recursos de órgãos públicos e de estatais para pagar dívidas do PT antigas e novas despesas. Tanto da campanha do PT quanto de partidos aliados. E ainda, segundo o procurador. O objetivo deles era garantir que o PT continuasse no poder comprando o apoio de outros partidos, numa referência ao mensalão. Candidato, diante de uma acusação tão dura quanto essa, que parte de um órgão politicamente independente. Como fica a questão ética, uma bandeira, um carro-chefe das suas campanhas eleitorais.


Lula: O órgão independente onde o procurador-geral foi escolhido por mim sem que eu sequer o conhecesse. Uma demonstração de que o combate à ética significa você permitir que as instituições façam as investigações que possam e precisam fazer. E você sabe perfeitamente bem que o nosso governo, a Polícia Federal, a Controladoria-Geral da União têm trabalhado de forma excepcional para desvendar toda e qualquer denúncia. Obviamente que eu lamento profundamente que companheiros tenham feito coisas que ainda vão ser julgadas, porque há outra instância no Supremo Federal, mas nós facilitamos que tudo fosse investigado, afastamos todas as pessoas que estavam na alçada do presidente da República, é o que eu posso fazer, facilitamos o trabalho de todas as CPIs, eu duvido que alguém encontre um deputado que eu procurei para conversar sobre a CPI. A CPI fez seu relatório, mandou para o Ministério Público, o Ministério Público analisou e pediu o indiciamento das pessoas. Agora eu vou ser julgado. 
William Bonner: Ainda não chegaram à conclusão.


Lula: Isso, não chegaram à conclusão e isso não macula o PT, pode macular algumas pessoas do partido.


William Bonner: Na denúncia oferecida pelo procurador-geral, ele faz referência ao ministro no governo Lula, além de integrantes do PT. Mais do que isso, nós sabemos também que um procurador-geral da República só oferece denúncia quando ele está plenamente convencido da culpa de quem ele acusa. Aí então, a pergunta que cabe numa situação como essa é a seguinte: o senhor tem dúvida sobre a idoneidade ou sobre a competência do procurador-geral da República, que como o senhor mesmo disse, foi o senhor que nomeou?


Lula: Se tivesse eu não tinha indicado.Segundo, o procurador da República no meu governo indicia, porque em outros governos engavetava, no meu governo o procurador sabe perfeitamente bem, e foi um discurso William, que eu fiz na posse dele, de que jamais durante o meu mandato e mandato dele, haveria qualquer interferência do Poder Executivo para interceder no Ministério Público. É com esse grau de liberdade que eu quero que ele funcione e é com o grau de liberdade respeitando o estado de direito que eu quero que as pessoas que foram indiciadas por ele vá até o Supremo Tribunal Federal e prove se são ou não inocentes.


Fátima Bernardes: Candidato, durante todo esse tempo o senhor disse que não tinha conhecimento dessas irregularidades. Duas questões então: se o senhor insiste nessa declaração, que garantia o senhor pode oferecer ao eleitor de que o senhor não pode ser surpreendido novamente no caso de um futuro mandato por irregularidades cometidas por colaboradores seus.


Lula: Ah, posso. Deixa eu lhe dizer uma coisa com muita tranqüilidade Fátima. Primeiro, eu tenho a responsabilidade por qualquer erro que qualquer funcionário público cometer no Brasil. São mais de 1,2 milhão. Eu sou o presidente da República, se eles cometerem um erro, direta ou indiretamente eu tenho responsabilidade de agir. Quando eu fico sabendo, eu puno afastando, faço sindicâncias e as pessoas então são investigadas de acordo com a lei. E um ministro não está fora disso e um outro funcionário. Nós temos prendido gente da Polícia Federal.



Fátima Bernardes: O senhor acha então que o senhor também errou, presidente, no caso dessas denúncias, o senhor também teria errado, o que o senhor poderia fazer de diferente no caso de um novo mandato?


Lula: Eu só poderia fazer diferente se eu soubesse antes. Eu soube depois que aconteceu. O dado concreto, Fátima, é que muitas vezes, ou por uma fé, ou quem sabe até porque estamos vivendo uma guerra política, as pessoas ousam dizer o seguinte: ‘olha, mas o presidente deveria saber de tudo’. Ora, vamos ser franco, vamos ser honestos entre nós. Está cheio de famílias que têm problema dentro de casa e a família não sabe. Está cheio de pai e mãe que ficam sabendo que o seu filho cometeu um delito pela imprensa, ou quando a polícia prende. Como é que pode alguém querer que o presidente da República embora tenha que assumir responsabilidade por todos os lados saiba o que está acontecendo agora na Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo ligada ao Ministério da Agricultura. Como é que eu posso saber agora o que está acontecendo com os meus ministros que não estão aqui.



Fátima Bernardes: Mas presidente, comparar com uma mãe zelosa, apaixonada, cega de amor, o senhor acha que o eleitor espera do senhor esse comportamento ou o comportamento de alguém que possa administrar e organizar, coordenar o governo.


Lula: Veja, isso não é administração. Administração você administra fazendo o que nós estamos fazendo. Primeiro, fazendo sindicância, mandando prender. Nunca foi presa tanta gente nesse país e de crimes que começaram em 85, 80, 90, são quadrilhas históricas no governo que estava embaixo do tapete e que nós resolvemos colocar os organismos públicos para funcionar. E a Polícia Federal tem trabalhado de forma excepcional. O Ministério Público tem trabalhado com a maior isenção possível e a Controladoria-Geral da União que é uma coisa criada por nós, com um ministro indicado por mim, tem feito praticamente todos os relatórios de todas as denúncias. Porque nós não queremos esconder absolutamente nada.


William Bonner: Só uma observação candidato. No caso específico do mensalão, esse escândalo da corrupção, na verdade o governo não denunciou nada, a denúncia partiu lá depois daquele escândalo nos Correios e mais tarde com as revelações, as denúncias do ex-deputado Roberto Jefferson. Mas a pergunta que eu queria fazer ao senhor diz respeito à traição. O senhor disse que a todos os brasileiros nesse caso que foi traído, mas até hoje o senhor não disse quem foi que traiu o senhor, não deu os nomes dos traidores. Num outro momento, por outro lado, o senhor manifestou solidariedade abertamente a ex-deputados petistas e a ex-ministros seus. Antes de se tornar presidente, a memória que o Brasil tem candidato, era de alguém que veementemente cobrava punição para quem quer que aparecesse diante de uma câmera de televisão suspeito de alguma coisa, mesmo que as culpas não tivessem sido provadas ainda. O que foi que fez o senhor mudar tanto de comportamento?


Lula: Primeiro você deve estar falando de outra pessoa. Eu nunca pedi para que alguém fosse condenado antes de se provar a sua culpa.


William Bonner: Afastamentos, demissões.


Lula: Eu afastei todos que estavam dentro do governo federal foram afastados, todos, sem distinção. Todos os funcionários públicos seja de primeiro, segundo ou terceiro escalão.
William Bonner: O senhor afastou o ex-ministro da Casa Civil?


Lula: Foi afastado. Foi afastado.


William Bonner: O senhor o afastou?


Lula: Eu o afastei. Afastei o Zé Dirceu, afastei o Palocci, afastei outros funcionários que estavam envolvidos e vou continuar afastando. Agora, quando se trata de punir William, punir significa você respeitar o estado de direito. Eu quero pra todo mundo o que eu quero pra mim. O direito de provar que eu sou inocente e o meu acusador provar que eu sou culpado. O governo não acusa. O governo age. O governo não sai pra imprensa dizendo: ‘olha, tal pessoa cometeu um erro’, não, o governo pune, afasta e abre sindicância. E os órgãos do Poder Judiciário, da Polícia Federal é que vão investigar. E isso é a única forma de nós continuarmos combatendo a corrupção e a mal versação do patrimônio público desse país.


Fátima Bernardes: Antes da gente mudar então de assunto, o seu amigo Paulo Okamoto disse que teria pago uma dívida do senhor de R$ 30 mil, uma dívida que o senhor nem reconhece. Pelas sua declarações entregues à Justiça Eleitoral o senhor poderia até ter pago essa dívida. Por que o senhor deixou então ele arcar com esse prejuízo?


Lula: Primeiro, porque ele admite que cometeu um erro de não ter descontado na minha indenização quando eu me afastei do PT. Segundo, eu não devo ao PT, portanto eu não deveria pagar. O que eu disse é o seguinte: quer pagar você paga porque eu não vou pagar porque não devo ao PT.



Fátima Bernardes: Mas o fato dele, de aliados dele, terem tentado tanto bloquear aquela quebra de sigilo, não pode levar o eleitor a pensar que havia algo a esconder?


Lula: É um direito dele não querer quebrar o sigilo dele. É um direito de qualquer cidadão. Amanhã isso pode estar acontecendo com você, pode estar acontecendo comigo, pode estar acontecendo com o William e nós vamos utilizar todos os mecanismos que o direito nos dá para que nós possamos nos defender.


William Bonner: Ainda que fosse uma questão indelicada, que indiretamente envolvesse o nome do presidente.


Lula: Ainda que alguém pudesse imaginar que nesse país um presidente da República, sabe, se entendesse que tivesse qualquer culpa ficaria muito mais barato ter pago os R$ 29, R$ 28 ou R$ 27 mil. E eu continuo dizendo, quero aproveitar até a pergunta para dizer o seguinte: olha, não devo, não tomei dinheiro emprestado e por isso não paguei.


William Bonner: Presidente, vamos falar um pouquinho de segurança pública. Antes do senhor assumir a presidência, quando candidato, o senhor repetia: o Brasil não produz cocaína. Pra gente combater tráfico de cocaína, tráfico de arma tem que fechar as fronteiras, tem que reforçar a Polícia Federal, é um trabalho da Polícia Federal, nas fronteiras, nos portos, nos aeroportos do Brasil. Há quatro anos, o senhor é o comandante maior da Polícia Federal brasileira e, no entanto, o que se percebe hoje é que o tráfico aterroriza ainda mais a população brasileira. Onde é que o senhor errou?


 


Lula: Eu penso que nós precisamos conversar esse assunto com a maior seriedade. Em primeiro lugar, o Brasil tem praticamente 17 mil quilômetros de fronteira, não são 17 metros. São 17 milhões, 7,760 milhões de costa marítima e quase 9 milhões de fronteira seca. Se você tivesse um exército de 3 milhões de soldados, ou a Polícia Federal com 4 milhões, ainda assim você não controlaria toda a nossa fronteira.


William Bonner: Mas o senhor como candidato parecia desenhar um quadro mais fácil.


Lula: A Polícia Federal está desbaratando quadrilha e prendendo quadrilha vinculada ao narcotráfico como jamais foi preso nesse país. Quando terminar a entrevista, eu vou entregar para você um relatório do trabalho que a Polícia Federal fez.
William Bonner: Nós acompanhamos como jornalistas.


Lula: Para vocês perceberem o seguinte: que quando sai a notícia, sai a notícia que a polícia desbaratou uma quadrilha, mas não diz desde quando funcionava essa quadrilha. Dá a impressão que aconteceu ontem, não, aconteceu há muito tempo. E nós estamos não apenas investindo de forma excepcional na inteligência da Polícia Federal, como estamos investindo em criar condições para que ela tenha instrumento para trabalhar.



Fátima Bernardes: O nosso tempo estourou candidato. O senhor tem 30 segundos para encerrar. Se o senhor se reeleger o que o senhor considera que terá cumprido a sua meta se o senhor tiver feito.



Lula: Veja, eu pretendo continuar dando seqüência ao que nós estamos fazendo. Que o Brasil vive o seu melhor momento econômico, no Brasil cresce o emprego, cresce a economia, crescem as exportações e importações, a única coisa que cai é o salário, digo, é a inflação e os juros que estão caindo. O resto, os trabalhadores tiveram aumento de salário, os aposentados tiveram aumento de salário e o nosso tempo acabou, é uma coisa que está baixando também.



Com informações de http://jornalnacional.globo.com e agências