Alan García polariza sociedade peruana, diz Humala
De Lima, para o Vermelho,
Mônica Simioni
Em sua última coletiva de imprensa, Ollanta Humala parecia estar na cova dos leões. Diante de cerca de 50 jornalistas de vários países do mundo, o candidato r
Publicado 03/06/2006 21:01
Os peruanos elegem amanhã seu novo presidente. De um lado está Alan García, ex-presidente, do Partido Aprista, que tenta pela segunda vez se reeleger. García é conhecido por sua gestão (1985-1990) que afundou o país numa crise econômica sem precedentes e por ter roubado dos cofres públicos milhões de dólares. Contra ele, os peruanos elegeram o presidente mais impopular de sua história, Alejandro Toledo. Sabendo do risco de que isso se repita, García inverteu sua estratégia e tem feito uma campanha bastante conhecida dos brasileiros: a do medo, que também direcionou o adversário do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2002. Para os apristas, Humala é terrorista, autoritário e fará um governo militarista ao lado do presidente venezuelano Hugo Chávez.
Do outro, está o presidente do Partido Nacionalista Peruano, Ollanta Humala, candidato da União Pelo Peru. Tenente-coronel aposentado, Humala tem um programa de governo avançado, apoiado pelo Partido Comunista do Peru-Pátria Roja e pelo Partido Comunista Peruano, entre outros de esquerda. Isto inclui: uma nova Constituição, um modelo econômico alternativo ao neoliberalismo, reforma do Estado, luta frontal contra a corrupção, uma relação internacional impulsionadora da Comunidade Sul-americana de Nações e a revisão do TLC (Tratado de Livre Comércio) com os Estados Unidos, que já foi assinado por Toledo.
“Tarefa dura para qualquer um”
“O Peru tem futuro, várias potencialidades. E qualquer um dos adversários que ganhe neste domingo vai ter uma tarefa muito dura”, disse Humala ao iniciar a coletiva. E por isso, “para nós, a construção deste projeto político não se limita apenas ao processo eleitoral”. O partido continuará investindo no fortalecimento de sua organização política: “Uma tarefa de gerar lideranças regionais e municipais, e isso envolve o fortalecimento das organizações sociais no interior do país para poder construir uma unidade dos setores sociais para, de alguma maneira, retomar sua responsabilidade pelo poder, o que as organizações devem ter”, explicou o candidato.
Mas à imprensa não interessa muito uma análise política. Mas manter em pauta a polarização e o clima de tensão entre os adversários e de medo na população.
“Revolução Humalista”?
Pela manhã, García também concedeu sua coletiva de imprensa – difundida praticamente na íntegra e ao vivo por algumas emissoras de rádio e televisão. “Nós, peruanos, repudiamos esses ativistas internacionais”, disse ao se referir aos supostos militares venezuelanos que teriam vindo fazer revoltas no país no dia da votação. “É a Revolução Humalista”, disse. “O voto em nós é contra o egoísmo de setores econômicos, contra a elite”, afirmou o candidato apoiado pela direita peruana. “Nós defendemos o nosso Bolívar, não é o grotesco de alguns governantes”.
A resposta veio no final do dia: “O tema internacional se polarizou muito entre Venezuela e Bolívia. Mas não por minha culpa. Mas assim o fez o senhor Alan García, como parte de sua estratégia de campanha para polarizar a sociedade peruana em que ele supostamente defende os interesses nacionais”, disse Humala. “Alan Garcia está mentindo. Tentando convencer a população de que eu seria um militarismo de direita. Não sei de onde tirou isso. Ele também disse que tenho a ideologia senderista. Jamais exaltei a luta armada, muito menos a do Sendero. Mas, sim, lembro de Garcia na tumba de um senderista e dele ter pedido a seus militantes que repitam esse comportamento”.
“Só falei uma vez com Chávez na minha vida. Tudo isso que dizem por aí são mentiras. Esse apadrinhamento não existe. Há, sim, com o outro candidato, que foi apadrinhado pelo presidente Alejandro Toledo”, disse o tenente-coronel. Toledo chegou a fazer campanha aberta para Alan García, principalmente depois que o presidente venezuelano manifestou seu apoio a Humala, o que tensionou a relação entre os dois países. Chávez chegou a anunciar que, se García vencer, irá retirar seu embaixador do país.
Vai haver fraude?
Apesar das acusações dos apristas, o candidato nacionalista reafirmou que não irá oefender a democracia e a liberdade de expressão. Também reforçou a denúncia de que existe a possibilidade de uma fraude neste pleito. “A nossa resposta a isso foi reforçar a nossa organização de fiscais para poder dar uma cobertura a toda as mesas de votação”, disse.
Na verdade, a existência de fraude no processo parece ser um consenso entre a população. Muitos peruanos acreditam que de fato exista a manipulação dos números, principalmente nas províncias (estados) no interior do país. Apesar do Escritório Nacional de Processos Eleitorais (Onpe, na sigla em espanhol), órgão responsável pela eleição, garantir que não existe espaço para isso, além da participação de observadores internacionais da Organização dos Estados Americanos (OEA) e do Parlamento Europeu – 65 do primeiro, 14 do segundo e 20 de dez países do continente –, os partidos devem aumentar a fiscalização das mesas de votação.
Paralelamente, o clima de incerteza aumentou nos últimos dias com a divulgação da pesquisa do instituto Apoyo, que revelou que a diferença de votos entre os candidatos não era tão grande como as outras sondagens vinham apontando. Durante as três últimas semanas, todas pesquisas afirmavam que García tinha entre dez e vinte pontos percentuais a mais que Humala. Segundo a última sondagem, a diferença era na verdade de quatro pontos, o que significa que existe um empate técnico.
Vale lembrar que Humala foi o vencedor no primeiro turno, com uma votação significativa no interior do país – principalmente em Cusco e Arequipa – com 3.470.115 de votos (30%). García acabou indo para o segundo turno após uma acirrada disputa voto a voto com a candidata da ultradireita peruana, Lourdes Flores, da Aliança Unidade Nacional. Ao final, García teve apenas 64 mil votos a mais que ela.
A disputa entre Humala e García, na verdade, significa que o peruano anseia por mudanças. A direita ficou fora da disputa, isolada e parece ter ingressado numa profunda crise. O apoio a García não foi declarado, mas diversos dirigentes da Aliança apareceram nos comícios do aprista. Outros partidos, como a Concertación, estão defendendo o voto nulo.
Neste segundo turno, García, por sua vez, tem sustentado o voto útil nele, contra o autoritarismo, pela democracia e pela liberdade de expressão. A estratégia é procurar convencer o cidadão de que, apesar de García ser ruim, é menos mau que Humala.
A Onpe garantiu ontem maior agilidade na contabilização dos votos no domingo. As urnas são abertas às 6 horas e fecham às 16. O órgão eleitoral iniciará a divulgação dos primeiros números imediatamente depois.