Marcos Pontes diz estar magoado com críticas

A polêmica em torno da decisão de Marcos Pontes, 43 anos, de ir para a reserva da Aeronáutica foi recebida com decepção pelo astronauta.

Em carta publicada em seu site na internet (http://www.marcospontes.net) o astronauta reclama das críticas divulgadas pela imprensa. Pontes disse não esperar esse tipo de tratamento depois de seu "sacrifício e dedicação pelo país". "Estou extremamente magoado", afirmou.

O tenente-coronel foi para a reserva na semana passada e pretende criar um instituto social dedicado à educação de crianças carentes.

Pontes não cita nomes na carta, mas amigos próximos acreditam que ele estaria magoado com as opiniões agressivas emitidas por colunistas de grandes jornais e políticos da oposição interessados em desqualificar a missão espacial da qual participou.

O deputado Alberto Goldman (PSDB-SP), por exemplo, criticou o fato de que Pontes tenha entrado para reserva aos 43 anos. "Muitos imaginaram que o astronauta permaneceria na carreira por patriotismo. Mas, no caso, o que mais importou foram os interesses pessoais." Goldman, que é da mesma comissão, avalia ser indispensável a criação de regras para garantir a permanência de futuros astronautas no serviço público.

Goldman, que integra a Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, avalia ser indispensável a criação de regras para garantir a permanência de novos astronautas no serviço público, depois do investimento realizado. "Pontes seria usado na propaganda do Programa Espacial e também de Lula. Foi uma tentativa frustrada", ironizou o deputado.

Outro oposicionista de ocasião, o deputado Orlando Fantazzini (PSOL-SP), disse temer que o desfecho da história do primeiro astronauta brasileiro acabe respingando no próprio Programa Espacial Brasileiro. "Foi uma esfriada de ânimo. Ele aprendeu bastante com dinheiro público e agora vai dividir experiências com o setor privado. É claro que isso frustra", atacou Fantazzini.

Até mesmo o governista Walter Pinheiro (PT-BA) embarcou na onda da oposição e criticou a decisão do astronauta de ir para a reserva."Foi um dinheiro e tanto. E agora, quando ele poderia partilhar esse aprendizado com colegas, pede o afastamento", observa o deputado Walter Pinheiro (PT-BA). Integrante da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, Pinheiro disse esperar que a frustração com o episódio de Pontes não afete o investimento no Programa Espacial Brasileiro. "É preciso que o governo crie mecanismos de proteção, peça contrapartidas para evitar que o investimento acabe sendo desperdiçado", avalia.
Já o presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstrou solidariedade ao astronauta, alegou que ir para a reserva é um direito e voltou a elogiar Marcos Pontes. Para o presidente, a questão é muito particular e obedece a critérios de carreira da Aeronáutica. "O comandante Marcos é uma figura que ganhou projeção no cenário nacional e certamente será aproveitado pela Aeronáutica ou algum centro tecnológico", disse Lula, preferindo não dar maiores palpites sobre a decisão. 

Confira abaixo a íntegra da longa carta de Marcos Pontes:

PASSAGEM DO SERVIÇO ATIVO PARA A RESERVA DA FORÇA AÉREA 

Apesar de ter escrito outras mensagens anteriores, essa mensagem especificamente tem os seguintes objetivos:

• Acalmar a todos. Eu continuo a atuar no programa espacial exatamente com a mesma garra que sempre estive. Reserva da Força Aérea não é sinônimo de afastamento das funções no Programa Espacial.
• Corrigir uma centena de informações desencontradas e inverdades que aproveitadores de momento tentam usar para fins próprios ou políticos.
• Lembrar a todos que, é absolutamente essencial ouvir as pessoas corretas e conhecer os fatos reais antes de emitir qualquer opinião sobre qualquer assunto. Nesse caso, as únicas fontes corretas de informação por ordem são: Astronauta Brasileiro – Ten.Cel. Marcos Pontes, Comandante da Aeronáutica – Ten. Brig. Bueno, Presidente da Agência Espacial Brasileira – Dr. Sérgio Gaudenzi.

Estou impressionado com a propagação de opiniões oriundas fontes incorretas ou tendenciosas. Isso transforma um processo normal de passagem de oficial da ativa para a reserva em um alvoroço sem sentido. Isso reflete o "medo geral" que ronda atualmente a cabeça das pessoas.

Para apresentar as informações de forma coerente e eficiente, começo por descrever pelas minhas obrigações com o programa espacial acordadas em 1998. Em seguida descrevo as obrigações da AEB e da FAB segundo o mesmo acordo em 1998. Depois, apresento os meus objetivos pessoais antes e depois da realização da Missão Centenário. Finalmente apresentarei uma série de fatos e considerações a respeito da minha passagem atual da ativa para a reserva da Força Aérea.

1. Funções para as quais fui selecionado em 1998 como astronauta brasileiro

• Treinar e representar o Brasil como astronauta junto aos outros 15 países participantes do Programa da Estação Espacial Internacional (ISS)
• Realizar como tripulante a primeira missão espacial brasileira,
• Realizar experimentos nacionais a bordo da ISS

2. Responsabilidades da Agência Espacial Brasileira no projeto

• Prover e administrar orçamentos para a construção de todas as partes nacionais a serem fornecidas pelo Brasil para a ISS segundo o acordo internacional assinado em 1997.
• Contratar junto a indústria nacional a construção das partes da ISS sob responsabilidade do Brasil.
• Negociar com a NASA as contrapartidas (recursos científicos na ISS para execução de experimentos nacionais embarcados, intercâmbio de cientistas e vôo espacial) da cooperação em troca das partes que seriam construídas no Brasil
• Entregar as partes nacionais
• Intermediar com a NASA e outras agências, gerenciar, prover recursos, coordenar e fornecer meios para todas as atividades técnicas e operacionais relativas ao treinamento e vôo do astronauta brasileiro,
• Gerenciar a definição de prioridades no Programa Espacial
• Definir a finalidade da Missão Centenário para o Programa Espacial conforme o emprego do investimento necessário para a mesma.
• Decidir sobre a execução ou não da Missão Centenário dentro dos seus objetivos para o País.
• Definir o perfil da Missão Centenário
• Definir os experimentos que seriam embarcados e realizados na ISS
• Coordenar a utilização científica e propagação dos resultados dos experimentos realizados na ISS durante a Missão Centenário (finalidade básica do investimento feito)

3. Responsabilidades da Força Aérea Brasileira no projeto

• Ceder um oficial para a representação do Brasil em Houston na função de astronauta e para realizar o primeiro vôo espacial brasileiro
• Conceder, conforme previsto por legislação, a pensão previdenciária para a sua família no caso de morte do oficial durante o treinamento ou vôo espacial
• Manter os custos de remuneração desse oficial no exterior, conforme o previsto por legislação, durante o treinamento e a realização do vôo

4. Meus objetivos pessoais antes do vôo (comparar com o item 1):

• Representar bem o Brasil como astronauta junto aos outros 15 países participantes do Programa da Estação Espacial Internacional (ISS)
• Realizar sem erros operacionais a primeira missão espacial brasileira,
• Levar a nossa bandeira pela primeira vez ao espaço
• Realizar no espaço homenagem a Santos Dumont, perante ao mundo, no ano do Centenário do seu primeiro vôo
• Realizar experimentos nacionais a bordo da ISS
• Motivar jovens brasileiros às carreiras das de C&T e Forças Armadas
• Divulgar o Programa Espacial
• Divulgar a Força Aérea Brasileira
• Manter a participação brasileira na ISS
• Trabalhar em Houston e junto as indústrias brasileiras, na área técnica da participação brasileira na ISS, como elemento de ligação entre o Brasil e a NASA para a construção das partes nacionais da espaçonave.

5. Meus objetivos pessoais depois do vôo (comparar com o item 1):

• Motivar jovens brasileiros às carreiras das de C&T e Forças Armadas
• Divulgar o Programa Espacial
• Divulgar a Força Aérea Brasileira
• Continuar a divulgação de Santos Dumont, no ano do Centenário do seu primeiro vôo.
• Manter a participação brasileira na ISS
• Trabalhar em Houston e junto as indústrias brasileiras, na área técnica da participação brasileira na ISS, como elemento de ligação entre o Brasil e a NASA para a construção das partes nacionais da espaçonave. Depois de 8 anos como o único representante do Brasil junto a esse programa no exterior e assim sujeito a ouvir todas as dúvidas dos parceiros sobre a capacidade do Brasil em cumprir sua responsabilidade no acordo internacional, pelo meu amor pelo meu país e o seu bom nome, a construção e entrega dessas partes tornou-se mais do que um objetivo, mas um desafio pessoal. Quem conhece a situação, sabe o que isso significa.
• Trabalhar junto a FAB na relação com o setor privado no Brasil e no exterior, assim como agências governamentais internacionais, para fomentar o desenvolvimento de foguetes nacionais e plataformas de lançamento
• Trabalhar junto a AEB no contato com o setor privado no Brasil e no exterior, assim como agências governamentais internacionais, para fomentar cooperações e projetos de interesse do Brasil na área espacial.
• Ter novos desafios e progressos como profissional, agora na área técnica, e como ser humano.
• Dedicar sérios esforços na área social da educação, não só na motivação e palavras, mas também na criação de uma instituição para fomentar acesso à educação a crianças de baixa renda no Brasil.
• Fomentar a criação de um instituto governamental e/ou privado destinado à pesquisas em microgravidade e desenvolvimento de processos tecnológicos para materiais produtos originados de pesquisas no espaço.
• Fomentar a atividade de vôos tripulados espaciais no Brasil através da iniciativa pública e privada
• Conseguir dar continuidade no programa para termos um segundo astronauta brasileiro
• Prover e estar mais perto da minha família, filhos e esposa, que praticamente abdiquei por 8 anos para me dedicar exclusivamente ao cumprimento de minha missão espacial para o país.

6. Situação atual:

MISSÃO CENTENÁRIO:

• Vôo completado com sucesso
• Não existe mais nenhuma atividade operacional prevista para ser realizada pelo astronauta com relação à missão.
• Experimentos realizados e entregues aos pesquisadores
• Relatório técnico do vôo completado pela tripulação em Moscou
• Fase de recuperação fisiológica do Cosmonauta pós-vôo em andamento
• A partir de Julho, o astronauta iniciará a fase de divulgação pós-vôo da missão Centenário em diversas cidades espalhadas pelo Brasil.
• Em data e local a serem marcados pela AEB, os resultados dos experimentos, razão da execução da Missão Científica Centenário, serão apresentados em congresso pelos pesquisadores. O astronauta estará presente no evento.

PROJETO DE PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA NA ISS:

• Desde 1997 o Brasil ainda não conseguiu construir nenhuma parte nacional, conforme sua responsabilidade, segundo o acordo assinado e revisado de participação brasileira no programa ISS
• Atualmente a imagem do país no acordo é muito ruim na área técnica.
• Existem sérias dúvidas dos participantes com relação à capacidade do país em construir tais componentes ou da sua seriedade no cumprimento do acordo internacional.
• A participação brasileira na cooperação internacional esteve várias vezes em risco. No início do ano passado, sem recursos possíveis para o projeto, durante um período de discussões dos parceiros sobre a continuidade do Brasil ou não no projeto, resolvi contatar diretamente a indústria brasileira através do SENAI-SP para solicitar um possível apoio na construção das partes nacionais e, assim, conseguirmos mantê-lo ativo.
• Dada a importância do assunto para o respeito e nome do Brasil e da sua indústria no exterior, o SENAI-SP e FIESP assumiram o compromisso de desenvolver e fabricar, sem custo para o programa espacial, os protótipos dos componentes brasileiros para a ISS. Depois de desenvolvidos, a tecnologia desenvolvida de fabricação seria passada às indústrias a serem contratadas pela AEB para a fabricação das partes de vôo, propriamente ditas, da ISS.
• Isso permite então a homologação em qualidade do SENAI-SP e para as indústrias contratadas, de forma que podem, tendo esse selo de qualidade, exportar outros componentes diretamente para o mercado de tecnologia espacial. Ser parte de uma pequena lista de fornecedores para esse mercado super importante para o Brasil (desenvolvimento, tecnologia, empregos, etc…)
• Através de acordo firmado entre AEB e FIESP esse processo foi iniciado.
• Paralelamente dei início junto a NASA no processo de inclusão (registro) do SENAI-SP na documentação técnica da cooperação (MLA – Multi-Lateral Agreement), de forma que o SENAI-SP pudesse então receber os dados técnicos necessários para a fabricação e teste dos citados protótipos.
• Como resultado da informação da entrada do SENAI-SP e FIESP no projeto, a situação do Brasil junto aos parceiros melhorou (acalmou) um pouco.
• Durante o período de treinamento na Rússia, vôo espacial e recuperação inicial, estive fora do processo técnico, executando apenas as minhas reais funções no projeto (ver item 1).
• Ao retornar a Houston após o vôo, verifiquei a situação atual do projeto.
• O processo de assinatura e inclusão do SENAI no MLA ainda não está completo. Portanto até o momento, o SENAI-SP pode preparar toda a infra-estrutura necessária de máquinas, pessoal, desenvolver a tecnologia de usinagem, mas precisa esperar por esse documento para ter acesso aos dados técnicos necessários para dar continuidade no processo de fabricação e teste dos protótipos.
• O Brasil deve apresentar urgentemente para a NASA o cronograma de fabricação e entrega das partes. Caso contrário, devido ao cronograma de construção da ISS, a NASA terá que descartar a participação do Brasil na construção desses componentes e contratar essas partes de outros fabricantes (indústrias que já estão homologadas para isso). Estaríamos fora da cooperação.
• Portanto, isso exige novamente nossa ação rápida junto a NASA e parceiros para o adiamento dessa decisão, assim como a documentação necessária e o trabalho intenso junto a indústria nacional (SENAI-SP e FIESP) para a fabricação dos protótipos. É isso que estou tentando fazer no momento. Fora todo esse tempo despendido para contornar os estragos dessas opiniões completamente erradas noticiadas sobre o assunto de minha ida para a reserva!
• Considerando que teremos sucesso em manter o Brasil na cooperação internacional, o próximo passo, além da fabricação das partes, é a negociação com a NASA da contrapartida para o Brasil das partes nacionais.
• Com o nível de participação brasileira (33 plataformas adaptadoras), o Brasil poderá ter em troca: 1 – Uma certa quantidade de tempo de utilização da ISS, transporte de experimentos e recursos científicos de bordo para a execução de experimentos nacionais em microgravidade a bordo da ISS; 2 – Intercâmbio de pesquisadores com a NASA e outros centros de pesquisa ligados ao programa da ISS.
• No nível atual de participação do Brasil, está descartada a possibilidade de um vôo espacial, como inicialmente previsto em 1997, quando o nível da participação brasileira era com componentes da ordem de U$120 milhões.
• Portanto, na situação atual, eu não terei mais utilização operacional como tripulante. Assim, a Força Aérea já concluiu e cumpriu a sua parte conforme acordada em 1997, deixando, nesse contexto lógico, de ser responsável pela minha manutenção e remuneração no exterior para o programa.
• Contudo, conforme meus objetivos pós-vôo, eu estarei lutando para que tenhamos outro astronauta brasileiro. Ter continuidade! Para isso, precisamos manter a participação do Brasil na ISS e ampliarmos essa cooperação com o auxílio da indústria privada. Depois disso, negociarmos um segundo vôo. Isso pode ocorrer, se conseguirmos trabalhar em paz e tudo der certo, por volta de 2010. Embora eu gostaria muito, esse segundo vôo não será realizado por mim, mas eu quero ser uma peça importante para que ele ocorra (veja meus objetivos no item 5). Eu quero acompanhar o treinamento dessa pessoa e conduzi-lo ao foguete, assim como Valentina Tereshkova (primeira cosmonauta mulher) me conduziu ao Soyuz.
• Conversei com o Presidente da AEB, durante o processo de minha passagem para a reserva, a respeito dessa situação atual do projeto. Como é lógico, confirmei a continuidade das minhas funções técnicas normais em Houston para o Programa Espacial para o sucesso da participação brasileira na ISS, em especial nessa situação emergencial, deixando os ajustes administrativos para posterior conversação em conjunto com um possível acerto com a FIESP. Isso não é importante agora. O importante é a continuidade do projeto (veja item 5). Para isso eu trabalho!

CENÁRIO BRASILEIRO:

• Esse ano teremos eleições no Brasil
• Isso significa disputas de todo o jeito e inúmeras pessoas querendo utilizar qualquer coisa que dê algum destaque na imprensa para tentar "convencer" o público sobre um ou outro lado da disputa. Também existem pessoas que aproveitam o "embalo" para tentar resolver seus traumas pessoais.
• Procuram por "qualquer coisa" que possa ser visto (não importa se seja verdade ou não) e se transformar em uma polêmica ou escândalo. Qualquer coisa serve. Não importa a quem, não importa o futuro, importa apenas agora. Triste.
• Embora eu tenha falado muitas vezes, infelizmente, por mais que eu tenha repetido da minha insatisfação da possibilidade de ser a minha missão pelo país no espaço utilizada para fins políticos para qualquer lado da disputa, observo que todo esse "desencontro" de informações atual parece ter sido propulsionado por isso. Sofrem as boas ações. Sofrem os ideais pelas futuras gerações.
• O público, todos nós, ficamos assustados com todas essas coisas acontecendo e sentimo-nos coagidos no canto, reagindo com impulso e sem saber em quem acreditar.
• Mas nós, o povo, somos sábios e sabemos julgar. Confio nisso, e o tempo está do lado da verdade.

CARREIRA NA FORÇA AÉREA:

• Completei os anos regulamentares de serviço ativo na RFFSA e na Força Aérea
• Nunca tive nenhum demérito na minha ficha militar durante todas as décadas de serviço.
• Durante os anos de dedicação à realização da missão espacial para a qual fui designado, tive que deixar de realizar os cursos de carreira necessários. Sabia das conseqüências, mas optei pela missão pelo país ao invés do meu interesse pessoal de carreira.
• Minha carreira como oficial da ativa não teria mais progressos.
• Não tenho os requisitos para ser comandante de nenhuma unidade da FAB.
• Não tenho atuado como oficial dentro da Força há muitos anos
• As insinuações maldosas de que eu teria qualquer atividade comercial com empresas ou palestras foram todas averiguadas pelo Comando da Aeronáutica que constatou e confirmou oficialmente que nunca infringi o regulamento militar.
• Fui criado dentro da FAB e mantenho minha grande paixão de menino, cadete, pela minha Força, mas reconheço que no momento, depois de ter tido uma carreira paralela, sou mais útil a ela atuando "por ela" em outras organizações.
• A passagem para a reserva permite o meu trânsito fora e dentro da FAB, podendo usar meus conhecimentos para os programas e projetos espaciais da FAB e ao mesmo tempo fomentar por meios externos de auxílios e cooperações para os mesmos.

PESSOAL:

• Nesses tempos tento recuperar um pouco da minha vida, depois de ter dedicado 100% à missão que fui designado e cumpri até o final, sacrificando vida social, carreira militar, lazer, saúde, amigos, família, etc.
• Detesto falar dessas coisas, visto que minha missão eu fiz pelo amor pelo meu país, mas vejo que às vezes é necessário colocar pontos nos "is".
• Quando eu estava sentado naquela cápsula, nas condições que existiam, e nos momentos mais críticos, aonde estavam essas pessoas que hoje falam tantas besteiras para o público? Orando para alguma "entidade"e pedindo a ele que a cápsula explodisse e assim ficassem demonstrados suas "teorias"?
• Aonde estavam essas pessoas quando alguma coisa precisava ser feita para manter o respeito e o nome do Brasil na cooperação internacional?
• Aonde estão os compromissos dessas pessoas com o futuro? Aonde estão suas contribuições com o futuro? Será que alguém tem coragem de encarar comigo o desafio para lutar pela educação das nossas crianças?
• Acho que não. É preciso obras para serem criticadas. É a natureza do escorpião e do monge.
• Até ontem, eu estava muito motivado e trabalhando exatamente conforme os objetivos pessoais de pós-vôo que apresentei no item 5.
• Hoje, fui surpreendido pela maldade e incompreensão. Hoje, penso sobre o assunto, sobre as minhas convicções pelo país e busco forças na minha perseverança e determinação para continuar lutando pelos meus ideais de nação, essa batalha enorme, mesmo com flechas amigas atingindo minhas costas. Decepção.
• Pergunto a mim mesmo, onde estão todas aquelas pessoas boas que vi outro dia? Será que esqueceram de tudo? Será que uma palavra maldosa de qualquer irresponsável vale mais que uma história de vida? Será que vale a pena? Até quando milhões de pessoas boas ficarão omissas perante as ações, palavras e desserviços à nação por dessas poucas pessoas maliciosas? O que seria preciso para toda essa gente boa, esses milhões de pessoas, saberem e usarem do poder que têm para limpar a sociedade desse tipo de câncer?
• Interessante…eu estava assistindo outro dia, em Moscou durante o tempo de recuperação no hospital, ao filme "Coração Valente". Hoje lembrei exatamente de uma cena desse filme na qual, após uma batalha terrível e ferido, o Escocês William Wallace vence e tira o capacete do cavaleiro "Inglês" que o atacara para defender o Rei da Inglaterra em fuga. O "Inglês" não era inglês, mas sim o próprio nobre que o protagonista escocês defendia com a própria vida nas batalhas para libertar o país e colocá-lo (aquele mesmo nobre) no trono da Escócia como Rei. Interessante lembrar o rosto de decepção dos Escoceses a sua falta de palavras naquele instante. Interessante, hoje, eu me sinto exatamente como aquele escocês.
• Em termos de família estou tentando aproveitar o período para ficar um pouco junto dos meus e recuperar um pouco a relação do desgaste de todos esses anos de afastamento.
• A saúde se recupera. Certamente não é, nem de perto, a mesma do início do treinamento em 1998. A idade e o stress cobraram tributos altos. Nos próximos anos terei que ficar de olho na pressão sanguínea, na pressão ocular e nos pequenos tumores encontrados no intestino (retirado) e nos rins. Contudo, é bastante improvável que eu tenha condições de preencher os difíceis requisitos médicos de uma segunda missão espacial que só pode ocorrer depois do ano 2010. Por isso, e pela necessidade de continuidade, também é mais lógico que passe agora a lutar para um segundo vôo realizado por outro brasileiro, conforme descrito nos meus objetivos pessoais pós-vôo.

7. Considerações Finais:

• A minha passagem do serviço ativo para a reserva da Força Aérea foi feita após longo aconselhamento com o Comandante da Aeronáutica, Ten.Brig. Bueno, e o Presidente da AEB, O Dr. Sérgio Gaudenzi também foi contatado por mim durante o processo administrativo, proferindo-se completamente a favor da decisão.
• Obviamente, a ida para a reserva da Força Aérea não significa de modo algum afastamento ou saída do Programa Espacial, muito pelo contrário!
• Este fato foi informado e acertado nos contatos com o Presidente da AEB, assim como o status atual do programa da ISS.
• Também ficou acertado que eu o acompanharei em todas as negociações entre AEB e NASA para o programa da ISS.
• O ajuste administrativo da situação, com a minha ligação à FIESP e/ou AEB, será feito assim que a situação emergencial de manutenção do país no programa (segundo carta da NASA) seja resolvida.
• Existe um contato normal e permanente na situação atual com a AEB, FAB, FIESP e SENAI-SP
• O conceito atual utilizado pelos programas espaciais desenvolvidos não pode separar o setor privado dos esforços governamentais na área espacial. Portanto o setor privado e o governo devem ser parceiros inseparáveis para o sucesso desse setor.
• A minha ida para reserva faz essa união e atende diretamente aos interesses do País, da Força Aérea, da AEB, das indústrias brasileiras e do programa espacial, sendo todos esses setores beneficiados pela situação:

O país
– Ganha um defensor persistente e atuante no campo social da educação com possibilidade de criar infra-estrutura, administrar, gerenciar, unir-se a esforços existentes, expressar opiniões e atuar no Brasil e exterior
– Ganha um profissional na área técnica para o esforço de manter a participação e o bom nome do país no programa da ISS
– Mantém um divulgador efetivo da C&T, história e cultura do país envolvido em diversas instituições de grande importância no exterior.
– Mantém um elemento de motivação e obstinado pela juventude no Brasil

A Força Aérea
– Ganha um integrante (oficial da reserva), com conhecimento técnico, com conhecimento da instituição e comprometido com a causa dos projetos espaciais e de defesa desenvolvidos pela instituição, trabalhando diretamente dentro do setor privado no Brasil e no exterior, podendo promover integração de projetos e recursos para o setor.
– Cumprida sua obrigação junto ao acordo assumido em 1997 para o vôo espacial, deixa de ter despesas de remuneração no exterior com o astronauta.
– Mantém um divulgador efetivo e ativo das atividades e competência da Força Aérea.

A AEB
– Ganha um conhecedor profundo do programa da ISS (com mais tempo de trabalho direto no projeto) trabalhando diretamente dentro do setor privado, onde existe no momento, a única ferramenta possível para resolver a questão técnica da participação brasileira na ISS. Desse modo, poder defender o seu próprio nome como agência e, mais do que isso, o nome do Brasil no programa internacional. Isto é, funciona como se automaticamente tivesse ganhado uma integração direta, um braço ativo com a indústria, justamente no momento mais crítico, quando era necessário isso ou o risco sério de sermos cortados da cooperação sob responsabilidade direta da AEB (acertos e falhas!).
– Ganha agilidade administração – execução técnica, imprescindível nesse momento do programa da ISS.
– Mantém seu elemento de contato, já de tantos anos, no programa internacional em Houston junto aos outros 15 países participantes da ISS. Agora fortalecido pelo reconhecimento internacional pelo trabalho bem concluído como astronauta na missão centenário.
– Tem um elemento no cenário internacional com conhecimento de Agências, empresas e Programas espaciais de forma acompanhar e facilitar negociações futuras para outras cooperações desejadas pela AEB no mundo. Tudo isso já com a conexão direta e imediata com a indústria nacional.

A FIESP
– Ganha o apoio técnico de um conhecedor profundo do programa da ISS (com mais tempo de trabalho direto no projeto), com relação com vários programas e projetos espaciais, agências como a NASA e Roscosmos e companhias gigantes na área espacial como Boeing, Mitshubish Heavy Industries, etc.
– Ganha possibilidade de ligação direta com os centros de desenvolvimento de tecnologia e produtos oriundos da pesquisa espacial.
– Ganha agilidade no processo de homologação de qualidade de empresas brasileiras na área espacial (selo de qualidade NASA).
– Suporte técnico direto para cumprir o seu compromisso assumido com o programa espacial (AEB) para o desenvolvimento e fabricação dos protótipos nacionais das partes da ISS.

O Programa Espacial
– Ganha impulso para fomentar integração entre esforços privados e governamentais
– Ganha apoio para termos o primeiro centro dedicado a pesquisas em microgravidade no país.
– Ganha um divulgador efetivo no Brasil e exterior
– Ganha agilidade entre processos técnicos e administrativos (grande "gargalo" atual)

• Quanto a mim, eu ganho a chance de continuar fazendo o trabalho que gosto e defender minhas idéias sociais, agora com mais liberdade e possibilidades de realizá-los por completo.
• Dedicar sérios esforços na área social da educação, não só na motivação e palavras, mas também na criação de uma instituição para fomentar acesso à educação a crianças de baixa renda no Brasil. Essa é a verdadeira retribuição de futuro para o país pela educação que tive como criança pobre.
• Por outro lado, caso não tivesse ido para a reserva, sem a possibilidade de outro vôo espacial, no presente momento a minha opção teria sido o retorno ao Brasil para o Instituto de Aeronáutica e Espaço em São José dos Campos, onde eu trabalharia como engenheiro no projeto de desenvolvimento do VLS. É uma opção interessante, por isso eu a escolheria, contudo, deixaria de lado outras inúmeras utilizações de minha experiência para o Brasil e para o programa espacial, visto que o tempo necessário, atividades e viagens necessárias para essas outras funções (ISS no Brasil e exterior, divulgação da FAB e do programa espacial, trabalho social, etc) não seriam compatíveis com a função militar de Ten.Cel.Av. Portanto, eu teria que me ater apenas às funções militares para não gerar conflitos para a organização.
• É essencial separar as idéias do custo da Missão Centenário pago pela AEB à Rússia da minha participação operacional na missão.
• Primeiro a decisão em executar a Missão é função exclusiva da parte administrativa (AEB). Minha função é apenas operacional (tripulante e executor dos experimentos) , com participação muito reduzida percentualmente nos custos da missão.
• Na verdade, os únicos custos reais que podem ser atribuídos à execução da função de astronauta foram: o valor do treinamento para o vôo espacial, pago pela AEB, e o pagamento de manutenção empregatícia (remuneração, seguro saúde etc…) durante o treinamento e o vôo, pago pela FAB.
• Como é evidente, o investimento financeiro efetuado pela AEB, com o treinamento de astronauta na NASA e na Rússia, tinha a finalidade exclusiva de me preparar unicamente para a realização de um vôo espacial para o Brasil. Assim, a execução operacional da Missão Centenário (primeiro vôo espacial brasileiro) com sucesso e absolutamente sem nenhum erro, representa o retorno integral de todo o investimento feito pela AEB.
• Esse investimento seria perdido caso, por alguma razão, o vôo não fosse realizado, como poderia ocorrer caso desistíssemos de lutar pelo vôo, quando o programa foi praticamente abandonado em prioridade pelas instituições entre 2002 e 2004.
• É absolutamente essencial e claro a diferença entre o valor do investimento com o treinamento para a execução do vôo espacial (previsto nos custos do programa da ISS e aberto a consulta de qualquer pessoa) e o pagamento total à Rússia pela Missão Centenário.
• Quanto aos custos de manutenção (remuneração, custos empregatícios, seguro saúde…), como militar da ativa em serviço no exterior, foram pagos mensalmente, durante estes 08 anos, conforme lei de remuneração dos militares, pela FAB, sem qualquer alteração, cumprindo a rigor as obrigações estabelecidas no acordo de 1998.
• A finalidade primária da Missão era científica e não para que "eu" voasse. Lembrar que, se eu tivesse tido qualquer problema de saúde ou técnico antes da missão (no dia do lançamento por exemplo), teria voado no meu lugar um Cosmonauta Russo (Sergei Volkov). Ele poderia executar os experimentos Brasileiros na ISS. E ai? O governo estava investindo na missão para um Russo voar, ou para realizar os experimentos?
• A impressão que eu tenho no momento é que procura-se justificar a mim o custo da missão. É claro que isso é um absurdo que só pode sair de mentes distorcidas ou tendenciosas. O governo investiu na realização de uma missão que julgou ser de importância para a ciência do programa espacial e para a visibilidade do mesmo. Eu cumpri a minha parte, como funcionário do governo, treinando e executando, em vôo, o perfil definido pela gerência para a missão. É óbvio que a missão nunca seria "minha", eu não tive nem sequer o direito de opinar sobre como seria o seu plano de vôo a bordo da ISS! A missão é do governo do Brasil.
• Para ilustrar essa abordagem absurda de custo da missão (tipo "O governo gastou US$ 10 milhões com o astronauta") exemplifico da seguinte forma: Imagine que a Marinha do Brasil ache necessário, decida e compre um novo porta-aviões ao custo de US$ 500 milhões. O navio será empregado para a defesa do nosso litoral. Para comandá-lo, a Marinha designa um de seus bons oficiais, o Comandante Cláudio! Seria um absurdo semelhante se, contrários e inconformados com o gasto do governo na compra do navio, anunciassem "O governo gastou US$ 500 milhões com o Comandante Cláudio!". Deu para sentir o fato!
• Bem, a despeito de tudo isso, eu gostaria de agradecer a todas as pessoas e organizações que sabem distinguir entre a verdade da história e dos fatos contra as palavras de maldade e, assim confiam a mim, me apoiando e mandando tantas mensagens de apoio e motivação. Sei que todos vocês estarão sempre junto comigo pelo Brasil. Obrigado especial ao apoio dos amigos das associações dos radioamadores, aeronautas, astrônomos amadores, trabalhadores, militares, comitê, clubes militares, clube do astronauta, etc. Seria muito bom que pudéssemos juntos fazer valer a nossa força contra as pessoas que tentam destruir o que há de bom no nosso país e espalham o medo em ações e em palavras maliciosas.

Depois de concluída a missão centenário e assim as minhas obrigações oficiais no programa (conforme item 1), talvez eu pudesse ficar mais tranqüilo e descansar mais. "Cuidar mais de minha vida", como dizem. Talvez muita gente fizesse isso. Mas eu resolvi continuar lutando pelo programa e pelo meu país. Desafios e decepções fazem parte da luta também. Olho nesse instante para a parede, em frente da minha mesa de trabalho e vejo a foto de Jesus que tenho aqui a tanto tempo para me lembrar nesse tipo de momento do que realmente importa: "Jesus é o único amigo que nunca abandona amigo no meio do caminho!"

Hoje pela manhã acordei bem cedo, ouvi barulhos e caminhei até a sala. Encontrei minha filha chorando no sofá. Perguntei a ela o que havia acontecido. Ela disse: "Pai, depois de tudo que fez, por que as pessoas estão te tratando tão mal no Brasil? Será que valeu a pena? Será que vale a pena continuar esse seu "ideal" pelas outras pessoas?". Eu a abracei e chorei junto. Não sabia o que dizer.
Na minha alma de combatente eu sinto, eu sei, que preciso continuar a lutar sempre para o bem de todas as pessoas no meu país, inclusive aqueles que tentam me atacar. Difícil, nesse momento, é expressar esse sentimento com palavras. Apenas com um coração ferido.

Paz e Felicidade a todos.

Houston, 25 de Maio de 2006

Marcos Pontes, Ten.Cel.RR

Primeiro astronauta brasileiro

Representante do Programa Espacial Brasileiro no Programa da Estação Espacial Internacional

NASA JSC, Houston, TX.