O Conselho Mundial pela Paz e o Projeto de Reforma da ONU
“Devemos fazer com que o mundo saiba o quanto a ONU é importante para o êxito do movimento internacional pela paz – e que desastre seria, para todos nós, caso a reforma da ONU siga o plano dos EUA”. A posiç&atil
Publicado 27/05/2006 18:02
“Uma centena de nações na ONU não concordou conosco sobre quase tudo em que estamos envolvidos, mas isso não atrapalhou o meu café-da-manhã.”
— ex-presidente dos EUA Ronald Reagan
“Irão as Nações Unidas servir ao objetivo de sua criação? ou irão se tornar irrelevantes?”
— presidente dos EUA, George W. Bush
“Não há nada como as Nações Unidas… Se o prédio do Secretariado da ONU em Nova York perdesse dez andares, não ia fazer a menor diferença.”
— John Bolton, embaixador dos EUA na ONU
"Uma feroz batalha está em curso atualmente por trás das portas fechadas das Nações Unidas. A questão, nominalmente, gira em torno da reforma desta organização internacional de 60 anos: de fazê-la mais “eficiente” e “efetiva”, menos”corrupta” e “esbanjadora”. Mas na realidade o combate é acerca da essência das Nações Unidas, da sua alma e da sua missão histórica.
Numa palavra, a batalha da “corporatização” versus a “democratização” da ONU. As potências imperiais estão tentando substituir o princípio de “um país, um voto” na ONU pelo de “um dólar, um voto” – da mesma forma que eles, como acionistas, controlam suas empresas privadas. Estão tentando fazer da ONU uma “máquina magra e mão-fechada”, que melhor serviria a seus interesses imperiais. Enquanto o resto do mundo resiste como pode.
A controvérsia da reforma não é nova nas Nações Unidas. Vem desde 1946, apenas um ano depois da fundação desta – quando foram introduzidos novos programas para a infância, os refugiados, a ajuda alimentar, o controle populacional, entre outros. Nos anos 60, teve início uma nova rodada reformadora, com foco na coerência interna da estrutura da ONU. No início da década de 80, durante os anos de Reagan [referência aos dois mandatos presidenciais do republicano Ronald Reagan, de 1981 a 1989], quando os EUA começaram a reter parte dos recursos devidos à ONU, outro round de reformas foi iniciado, voltado para políticas de contenção e corte de gastos.
A atual safra de reformas, que começou em 1997, durante o primeiro mandato de Kofi Annan [atual secretário-geral da Organização], é o resultado de um acordo com os EUA: estes retomam o pleno pagamento de seus compromissos para com a ONU, em troca da implementalção das profundas reformas reclamadas por Washington e seus aliados.
A presente rodada de reformas é mais uma vez empurrada pelas potências imperiais sob pretextos aparentemente benignos, como a redução de pessoal, a responsabilidade orçamentária. o um melhor gerenciamento interno, procedimentos de fluxo e incremento da coerência estrutural. Ainda assim, a polêmica não trata de forma, estrutura e método de operação da ONU, mas de sua verdadeira essência e de a quais interesses a Organização vai servir nos anos que virão – se aos das potências imperiais ou aos do resto do mundo.
A natureza das reformas impostas à ONU pelos EUA
O Documento Final sobre a reforma das Nações Unidas que passou na última reunião da Assembléia Geral não revela por si só que um conflito mais ácido está em curso agora, nos bastidores, em torno do projeto de reforma. Na esfera das generalidades, parece que todas as partes concordam, em maior ou menor grau, com os aspectos mais amplos da reforma: todo mundo quer uma ONU mais efetiva, mais eficiente, mais transparente, menos perdulária, menos corrupta; todo mundo quer paz e segurança no mundo, o fim do terrorismo, o fim dos genocídios e violações dos direitos humanos; todo mundo quer a completa destruição das armas de extermínio em massa; todo mundo quer o desenvolvimento sócio-econômico sustentado; e, em primeiro lugar, todo mundo quer uma ONU mais unificada,
No entanto, como se diz, “o diabo está nos detalhes”. Um exame mais detido das especificidades da situação revela sérias disputas em torno das prioridades e do sentido geral das reformas.
Estas disputas se dão em torno de duas concepções diametralmente opostas sobre a essência e a missão da ONU: uma representada pelos EUA e seus aliados imperialistas, a outra pelo G-77 e o Movimento Não-Alinhado. Como notou recentemente um bem informado observador da Organização, “o verdadeiro objetivo” da atual proposta de reformas sustentada pelos EUA, distintamente das anteriores, “não é simplesmente remendar a máquina da Organização”, mas sim a total “substituição das Nações Unidas”.
No que depender dos EUA e seus aliados ocidentais, essa “substituição” envolve um retorno ao conceito de “administração dos poderosos”, que estava por trás da ONU no seu início. Quando George W. Bush declara que “as Nações Unidas devem servir ao objetivo de sua criação”, ou “irão se tornar irrelevantes”, na verdade está conclamando ao retorno da ONU ao seu conceito inicial, à “arraigada crença na legítima primazia dos fortes” na Organização, expressa pelo preidente Roosevelt. É com base neste conceito, e na idéia de transformar a ONU numa polícia global das potências imperialistas, que os Estados Unidos forçam a mão em favor de um determinado conjunto de prioridades e orientações para a reforma da ONU hoje.
O Documento Final trata de quase todos os aspectos da estrutura e das operações da ONU. Porém os EUA puxam violentamente para a reforma em determinadas áreas, enquanto bloqueiam a reforma em certas outras, e ignoram por completo o debate em um terceiro grupo.
No conjunto, a diplomacia americana está tentando empurrar as reformas na direção de um reforço das funções de policiamento, de “lei e ordem” das Nações Unidas – por exemplo, paz e segurança, contraterrorismo, “direito de defesa”, etc. Procura minar as funções de desenvolvimento econômico e social, e de assistência humanitária – forçando cortes orçamentários, deslocamentos de recursos, impondo a reestruturação de certos corpos e agências da ONU, como o Ecosoc [Conselho Econômico e Social], a Unctad [Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento], a Unesco [Organização para a Educação, Ciência e Cultura], etc. Trata de estabelecer maior controle imperialista sobre o orçamento e os gastos – através do deslocamento da gestão orçamentária, tirando-o das mãos da Assembléia Geral e subordinando-o ao secretário-geral e ao Secretariado, mais fáceis de controlar. Em nome de mais eficiência, menos burocracia e melhor emprego dos recursos, busca remover os mandatos da ONU que não deseja – estão particularmente na alça de mira os que tratam dos direitos palestinos.
Numa palavra, o imperialismo norte-americano está tentando transformar a ONU numa eficiente máquina do tipo Otan [o bloco militar pró-EUA do Atlântico Norte], servindo aos interesses das amiores potências, uma “máquina magra e mão-fechada” exclusivamente voltada para responder rapidamente a qualquer ameaça à “paz e segurança” das potências em qualquer parte do mundo.
A luta para derrotar os ataques dos EUA na ONU tornou-se hoje parte integrante do combate geral contra o imperialismo. Caso os EUA tenham êxito em seu criminoso desígnio, muitas das esperanças de paz serão descartadas no mundo.
A necessidade de uma ativa mobilização do movimento pela paz
É um fato que, se ao longo dos últimos 80 anos o mundo se beneficiou da existência da União Soviética e do Campo Socialista, como contrapesos ao imperialismo mundial, o verdadeiro valor desse contrapeso só se tornou conhecido depois de 1991, quando ele deixou de existir. Hoje, algo similar pode ser dito sobre a ONU.
Nos últimos 60 anos, numerosas forças progressistas, adeptas da paz, e os países em desenvolvimento em geral, se beneficiaram da existência e funcionamento das Nações Unidas. A despeito de todos os seus problemas nestas seis décadas, a ONU foi capaz de criar um mundo mais equilibrado e pacífico do que o que existiria sem ela.
Ela proporcionou aos países em desenvolvimento a única plataforma internacional de ação e resistência coletivas contra o imperialismo. Como poderiam o Movimento dos Não-Alinhados e o G-77 emergir na cena mundial se não fosse a ONU?
A ONU tem sido e continua a ser um importante centro de atividade e influência para um crescente número de Organizações Não-Governamentais, contra a guerra, contra a proliferação e antiimperialistas, entre elas o próprio Conselho Mundial da Paz.
Hoje, a despeito de todas as nossas críticas passadas e presentes à ONU, basta tentarmos imaginar como se apresentaria o mundo caso os EUA consigam levar avante as suas reformas e tenham êxito em transformar a ONU num mero prolongamento do seu braço de segurança. Seria um imenso desastre para o planeta e um grande retrocesso para o movimento antiimperialista mundial, caso a ONU se reduzisse a uma outra organização do tipo da Otan, nas mãos dos EUA e seus aliados, contra o mundo em desenvolvimento e os países socialistas.
Por trás da aparência benigna e rotineira da reforma imposta pelos EUA às Nações Unidas, jaz um vasto oceano a separar dois lados opostos. Em um dos lados estão as potências imperialistas – chefiadas pelos Estados Unidos – que desejam manter e até reforçar sua hegemonia exploradora e opressora sobre o mundo inteiro. Do outro, acham-se as nações em desenvolvimento, representando bilhões de seres humanos, que, na busca da vida melhor que merecem, lutam por uma ordem internacional justa e equitativa.
Um lado combate para manter, e até intensificar, o status quo da exploração e opressão; o outro luta para mudar a atual ordem das coisas. Eis porque, para a grande maioria dos povos do mundo, a luta para salvar as Nações Unidas é um combate diretamente ligado à batalha contra o imperialismo pelo mundo. O inédito assalto à ONU por parte dos Estados Unidos e seus aliados imperialistas não é algo que o movimento mundial pela paz possa se dar ao luxo de ignorar.
Não esqueçamos que na ONU lidamos com Estados, muitos dos quais são reféns políticos, econômicos e até militares, que ouvem os EUA e outros Estados imperialistas, e não a seus próprios povos. Consequentemente, eles podem não estar em condições de desfechar um combate efetivo.
Uma grande ação de massas é portanto necessária para sustentar os Estados em desenvolvimento de forma a conter o ataque dos EUA em curso nas Nações Unidas. É preciso que soe um urgente chamamento à mobilização de massas em torno das reformas da ONU impostas pelos EUA. Sem uma mobilização de massas global, contra tais reformas, os Estados em desenvolvimento não terão força bastante para sobrepujar a completa ocupação e reorientação da ONU pelos EUA.
Há quem assuma – mesmo no interior do movimento antiimperialista e pela paz – que a luta para salvar a ONU dos EUA e seus aliados já está perdida. Mas esta não é uma visão acurada. Há acirradas batalhas em curso na ONU, no momento mesmo em que falamos, cujo desfecho determinará o destino de muitas outras, nos próximos anos.
O Conselho Mundial da Paz, enquanto mais antiga organização de paz no mundo, tem a responsabilidade histórica, assim como o prestígio e a credibilidade para liderar a luta para salvar as Nações Unidas do novo assalto do imperialismo estadunidense. Devemos fazer da luta pela ONU um item de alta prioridade, um tema urgente, a ser encaminhado rapidamente ao movimento mundial pela paz. Devemos atuar como uma ponte entre as lutas das nações em desenvolvimento, na ONU, e o amplo movimento pela pas e contra o imperialismo internacionalmente. Devemos fazer com que o mundo saiba o quanto a ONU é importante para o êxito do movimento internacional pela paz – e que desastre seria, para todos nós, caso a reforma da ONU siga o plano dos EUA.
Propostas de iniciativas do CMP
Por esta razão, pensamos que o CMP deve não só se colocar na linha de frente da batalha em torno da atual reforma da ONU, mas também assumir um papel de liderança na mobilização por uma alternativa. Devemos nos envolver direta e ativamente no combate dos países em desenvolvimento (G-77 e Movimento Não-Alinhado) para deter essas reformas impostas pelos EUA, inclusive com as seguintes iniciativas:
- Assumir posições nítidas quanto a todos os aspectos do projeto de reforma em curso e mobilizar contra ele.
- Cordenação de esforços com os paíse amigos na ONU, servindo como ponte entre estes e o movimento global pela paz.
- Iniciar uma campanha “Salve a ONU do imperialismo”, em colaboração com outras grandes organizações pela paz e o desarmamento em plano mundial.
- Produzir, publicar e distribuir em massa material educativo e agitativo sobre a reforma da ONU (a começar, especialmente, pelo Forum de Vancouver pela Paz, em junho).
- Apoiar as resoluções da Sessão Especial sobre o Desarmamento e a Declaração sobre a Década do Desarmamento, e mobilizar nossos esforços e nossos governos.
E outras iniciativas que podem ser adotadas por esta reunião."