Segurança: prioridade nacional
O roteiro da “novela” já é conhecido: cenas graves de violência, debates e mais debates, reuniões de emergência, promessas de novas leis, o assunto “esfria” e tudo volta à rotina, até q
Publicado 24/05/2006 12:58 | Editado 04/03/2020 16:48
O roteiro da “novela” já é conhecido: cenas graves de violência, debates e mais debates, reuniões de emergência, promessas de novas leis, o assunto “esfria” e tudo volta à rotina, até que venha uma nova crise. Esse ciclo tem que acabar. É o clamor crescente da sociedade, levado ao extremo quando assistimos a uma inédita demonstração de força do crime organizado, inclusive com brutais ataques a policiais. Contudo, é essencial lembrar que não há soluções milagrosas para a segurança pública. Não podemos abandonar a ação sobre as causas estruturais da violência urbana: imensa concentração de renda, políticas públicas ineficientes, desemprego, juventude sem utopias e sem horizontes. Nenhuma pessoa séria discordará de que é impossível eliminar os crimes bárbaros com a situação social que temos. Esta situação obviamente não justifica nem legitima a violência, mas a gera.
Apesar dessa dimensão estrutural e de longo prazo, temos que concretizar medidas práticas e imediatas, para recuperar a autoridade do Estado. Algumas relevantes ações foram adotadas nos últimos anos: o programa de proteção às testemunhas ameaçadas foi implantado, foi instituída a Força Nacional de Segurança Pública, realizaram-se concursos sucessivos para a Polícia Federal, milhares de armas foram retiradas de circulação. Porém, como os fatos provam, é pouco, diante das imensas necessidades.
O que fazer agora? A primeira coisa é saber o que não fazer. Por exemplo, aceitar a vingança arbitrária, penas sem julgamento, o uso abusivo da força do Estado. Barbárie não se combate aumentando a barbárie, ilegalidades não justificam outras ilegalidades. Também não vamos perder tempo com propostas ineficazes e inviáveis, como pena de morte e prisão perpétua. A nossa Constituição proíbe a edição de qualquer lei sobre essa matéria e mudá-la, nesta parte, só com uma nova Assembléia Constituinte. Além disso, nos Estados Unidos, que adotam as penas citadas, a violência não pára de crescer, tanto que lá há uma das maiores populações carcerárias do mundo.
É também desperdício de tempo redigir novos planos. Aqueles que já existem são suficientemente bons para delinear as providências de curto prazo. Em primeiro lugar, é necessário retirar das gavetas do Congresso Nacional utilíssimos projetos de lei sobre Direito Penal e Processual Penal, tais como os que tratam da agilização dos julgamentos de crimes dolosos contra a vida, da prisão preventiva e da supressão de benefícios excessivos a réus (vários tipos de prescrição etc.). Por segundo, que sejam incentivadas as penas alternativas, que se invista firmemente no sistema penitenciário, pondo fim aos “poderes paralelos”, e que se construam os indispensáveis presídios federais, de segurança máxima. Em terceiro lugar, é preciso modernizar continuamente as Polícias, possibilitando maiores salários, um melhor policiamento preventivo e o cumprimento dos cerca de 100 mil mandados de prisão expedidos pelo Judiciário e ainda não atendidos. Em quarto lugar, vamos melhorar os controles de nossas fronteiras, tarefa para a qual é imprescindível e constitucionalmente possível a atuação das Forças Armadas. Destaque-se que não defendo a utilização indiscriminada e arbitrária de tais Forças. Trata-se apenas de usar com inteligência os agentes do Estado, protegendo melhor as fronteiras nacionais, impedindo a prática de crimes como o tráfico internacional de armas e de drogas. Por fim, o Judiciário deve fazer cada vez mais, porque a crise da segurança pública é também uma crise judicial, sobretudo em face da morosidade com que os julgamentos são realizados – diminuindo sensivelmente seus impactos pedagógico e psicológico.
Além de sublinhar tais medidas, considero imperativa a adoção de um modelo de segurança pública mais compatível com o federalismo cooperativo, combatendo-se o tradicional “jogo de empurra” entre os níveis de Governo. Segurança no Brasil é também um problema federal, por vários motivos. Cabe então aos órgãos da União assumir, de modo claro e incondicional, o seu papel de coordenação, articulando as demais instâncias da Federação e quantificando os repasses de recursos federais aos Estados de acordo com os resultados por estes apresentados. Para simbolizar esse compromisso, é uma boa idéia acrescer à denominação do atual Ministério da Justiça a expressão “segurança pública”.
Em suma, há caminhos. Para trilhá-los, é extremamente importante que a sociedade impulsione os agentes políticos na direção certa. Bons projetos e mobilização social; somente assim realmente a segurança pública será uma prioridade nacional.
* Advogado, professor da UFMA, ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil, ex-secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça