Quando as vovós se alistam: algo de novo acontece nos EUA
Alfred Marder, presidente do US Peace Council (Conselho de Paz dos EUA, USPC na sigla em inglês), cita os protestos das “vovós contra a guerra” como uma evidência de que algo de novo acontece na luta dos norte-americanos pela paz.
Publicado 22/05/2006 20:23
Marder e o professor universitário de origem iraniana Behman Azad, vice-presidente da entidade, estiveram em Brasília no último fim de semana, onde representaram o USPC numa reunião do Conselho Mundial da Paz (CMP, http://www.wpc-in.org). No sábado (20), Marder leu na reunião uma contundente defesa da ONU enquanto espaço de luta para conter as aventuras bélicas do imperialismo norte-americano. Concluído o encontro, e depois de uma feijoada de confraternização das delegações, os dois falaram ao Vermelho sobre o movimento no seu país.
O protesto das avós
“Dezoito avós, de 70 a 91 anos de idade, entram num posto de recrutamento militar em Nova York e dizem que querem ir para o Iraque no lugar dos soldados. Uma delas já não enxerga, outra anda com muletas; mesmo assim são todas presas; e levadas ao tribunal. O juiz disse que elas fossem embora, mas a resposta foi ‘Não, queremos ser julgadas’. Quando por fim as inocentaram [em 20 de abril último], deixaram a corte dizendo ‘Nós voltaremos!´”, relata Marder.
No dia do julgamento, a decana das avós, Marie Runyon, 91, justificou o protesto: “Vir a este maldito tribunal não é nada comparado com o que está acontecendo com o povo do Iraque”.
A célebre ativista anti-guerra Cindy Sheehan também compareceu: “Quando adoráveis avós como estas são punidas por tentarem salvar vidas, é porque o nosso país está uma porcaria”, declarou a ativista, que perdeu seu filho no Iraque.
Trabalhando dentro da ONU
A entidade de Marder tem uma interessante experiência de colaboração direta com as Nações Unidas, dentro do prédio da ONU em Nova York. “O CPM e O USPC são filiados e registrados na ONU. Trabalhamos oficialmente lá dentro. Podemos fazer e divulgar tudo, exceto algum pequeno segredo operacional”, relata o presidente do USPC.
Este trabalho congregou, por exemplo, diversas ONGs em um Núcleo Contra as Armas Nucleares. Marder elogia essas organizações, que chama “as nossas diplomatas”, e sua influência junto à ONU. Ele relata que a primeira manifestação, em 1º de maio de 2004, teve 3 mil a 4 mil participantes. A segunda, na mesma data do ano passado, passou para 40 mil. E a de 2006 chegou a 350 mil participantes.
Desta vez, o dia foi mudado para 29 de abril; motivo: ajudar a engrossar, no 1º de Maio, o grande protesto pela liberdade e os direitos dos imigrantes, que se estendeu de costa a costa.
“O USPC fez reuniões com os sindicatos e com os imigrantes. O UJFP também. Pela primeira vez a direção do USPC e a do movimento sindical se encontraram, de igual para igual. No dia do ato, em Nova York, pela primeira vez o arcebispo da cidade falou no mesmo palanque que nós”, relata Marder.
Sair do Iraque: agora ou mais tarde?
O movimento pela paz discute hoje nos Estados Unidos questões concretas que passam longe das pautas de debate em outros países. Por exemplo: é justo lutar pela retirada imediata das tropas do Iraque? Ou a retirada, imediata, criaria uma situação de caos no Iraque?
A defesa da retirada imediata venceu em uma recente reunião do Comitê da Unite for Peace & Justice (União por Paz e Justiça, UFJP na sigla em inglês), a mais ampla coalizão de entidades já criada nos EUA (entre as locais e as nacionais, são mais de 1.300), localizadas do centro para a esquerda. A decisão, porém, foi por maioria; uma parcela do movimento, sob influência do Partido Democrata, advoga uma retirada a prazo, alegando as incertezas de um Iraque pós-ocupação.
O Comitê do USPC, com cerca de 35 membros, segue um sistema de revezamento na sua composção. À sua frente são eleitos três coordenadores nacionais, entre eles a comunista Judith Leblanc, representante do USPC.
“Há muitos jovens no movimento”
Marder orgulha-se de ser um depositario da história da luta pela paz e do CMP. Recorda que o congresso internacional de intelectuais que fundou a entidade, em 1948, teve de se deslocar, de Paris para Varsóvia, por imposição das autoridades francesas.
O primeiro presidentedo CMP foi o francês e Prêmio Nobel de Química Frederic Joliot-Curie (hoje a presidência cabe ao cubano Orlando Fundora López, um dos fundadores do Movimento 26 de Julho). O pintor Pablo Picasso, um membro ativo, desenhou a logomarca do Conselho – uma pomba voando, que no Brasil inspirou o símbolo do PSB. Uma de suas primeiras campanhas, em 1950, foi em favor do Apelo de Estocolmo, pela completa proibição de todas as armas atômicas.
“Eu conto essas histórias porque há muitos jovens no movimento”, comenta Marder. “Eles não conhecem essa trajetória. Mas também não carregam o peso do passado, o que é muito encorajador”, complementa.
Alfred Marder resiste firmemente a dizer sua idade, mas conta como foi o início de sua militância pela paz. Ele cursava o colegial, numa escola de Connecticut; alguns colegas, entre eles filhos de comunistas, fundaram um comitê pela paz no colégio. “Fui eleito presidente”, relata.
De Brasília,